Justiça

A Súmula 660 do STJ e a posse de celulares no sistema prisional

A posse de aparelho telefônico ou similares dentro do sistema prisional, que permita comunicação com o ambiente externo é considerada falta grave.

Foto: Reprodução/ Rede Brasil Atual
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Por Vinicius Silva Nascimento 

A 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça se encarrega dos julgamentos relativos às matérias de Direito Penal em geral, nos termos do artigo 9º, §3º, do Regimento Interno do STJ, in verbis:

"Art. 9º. A competência das Seções e das respectivas Turmas é fixada em função da natureza da relação jurídica litigiosa.
§ 3º. À Terceira Seção cabe processar e julgar os feitos relativos à matéria penal em geral, salvo os casos de competência originária da Corte Especial e os habeas corpus de competência das Turmas que compõem a Primeira e a Segunda Seção."

Recentemente, em sessão ordinária de 13 de setembro de 2023, a 3ª Seção aprovou o entendimento sumular nº 660, enunciando a jurisprudência do STJ, ao fixar que "a posse, pelo apenado, de aparelho celular ou de seus componentes essenciais constitui falta grave". 

Neste artigo, discute-se brevemente a decisão do tribunal, seus fundamentos legais e as implicações desta súmula no contexto do sistema prisional brasileiro.

A princípio, a previsão da posse, do uso ou o fornecimento de aparelho celular, de rádio ou similar decorre da alteração legislativa promovida com o advento da Lei Federal nº 11.466/07, que alterou a Lei de Execução Penal (LEP), sendo um dos pontos de maior destaque a inclusão do inciso VII ao artigo 50 da LEP.

Conforme esse dispositivo legal, a posse de aparelho telefônico ou similares que permita comunicação com o ambiente externo é considerada falta grave, vejamos:

LEI DE EXECUÇÃO PENAL

SUBSEÇÃO II

Das Faltas Disciplinares

Art. 50. Comete falta grave o condenado à pena privativa de liberdade que:
VII - tiver em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo. (Incluído pela Lei nº 11.466, de 2007)"

É importante ressaltar que, embora a norma mencione explicitamente apenas "aparelho telefônico, rádio ou similar" a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem entendido que, dada a finalidade da lei de conter a comunicação dos internos, especialmente extramuros, os sentenciados flagrados com componentes de aparelhos celulares, como chips, baterias ou carregadores, também devem ser punidos. Assim, a Súmula nº 660 abrange não apenas o aparelho em si, mas também seus componentes essenciais, vejamos:

"EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO HABEAS CORPUS. RECEBIMENTO COMO AGRAVO REGIMENTAL. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. EXECUÇÃO. FALTA GRAVE. POSSE DE ACESSÓRIOS DE APARELHO CELULAR. ATIPICIDADE DA CONDUTA. NÃO OCORRÊNCIA. [...] 2.

Entende esta Corte que a posse/uso de aparelho celular, bem como de seus componentes essenciais - tais como chip, carregador ou bateria -, constitui prática de falta grave, com esteio no art. 50, VII, da Lei 7.210/84, sendo prescindível a realização de perícia no aparelho telefônico ou em seus acessórios com a finalidade de atestar a sua funcionalidade. Precedentes. (EDcl no HC n. 683.470/PR, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 26/10/2021, DJe de 28/10/2021). Destaca-se.

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. FALTA DISCIPLINAR. NATUREZA GRAVE. POSSE DE CHIP DESACOMPANHADO DE APARELHO CELULAR. FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA. REEXAME DE PROVAS. VIA INADEQUADA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. NÃO CONFIGURADO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. [...]

Prevalece no âmbito deste Superior Tribunal de Justiça o entendimento segundo o qual, após o advento da Lei n. 11.466/2007, a posse de aparelho celular, bem como de seus componentes essenciais, tais como chip, carregador ou bateria, constitui falta disciplinar de natureza grave. 4. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC n. 756.114/DF, relator ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 13/12/2022, DJe de 16/12/2022). Destaca-se."

De modo geral, a posse de aparelhos celulares pelos detentos representa um desafio para a administração prisional, pois o entendimento das autoridades é o de que a possibilidade de contato com o mundo exterior pode ensejar a organização de rebeliões, a prática de crimes, a coordenação de atividades criminosas como ameaça de testemunhas ou ainda o comando dos demais integrantes da organização criminosa mesmo estando o seu líder encarcerado,

Essa infração tem sérias consequências para os apenados pois, consoante o artigo 50, inciso VII, da Lei nº 7.210/1984, a posse de aparelho telefônico que permita comunicação com o ambiente externo constitui falta grave, acarretando a regressão de regime (artigo 118, inciso I, Lei nº 7.210/1984) e a perda de dias remidos (artigo 127, caput, da Lei nº 7.210/1984):

Lei de Execução Penal.

Art. 118. A execução da pena privativa de liberdade ficará sujeita à forma regressiva, com a transferência para qualquer dos regimes mais rigorosos, quando o condenado:

I - praticar fato definido como crime doloso ou falta grave. Destaca-se.
Art. 127. Em caso de falta grave, o juiz poderá revogar até 1/3 (um terço) do tempo remido, observado o disposto no art. 57, recomeçando a contagem a partir da data da infração disciplinar. (Redação dada pela Lei nº 12.433, de 2011). Destaca-se."

A regressão de regime para a hipótese é uma das punições previstas, o que significa que um condenado que estava cumprindo pena em regime semiaberto, por exemplo, pode ser transferido para o regime fechado em decorrência da posse de um celular ou seus componentes. Além disso, a perda de dias remidos também é uma implicação possível, o que afeta a progressão de pena.

O principal propósito dessa súmula é claro: restringir drasticamente a comunicação entre os presos e o mundo exterior. Tal restrição se fundamenta no pressuposto de que o contato entre detentos e o ambiente externo pode gerar uma série de riscos, incluindo a organização de rebeliões, a prática de delitos, e, principalmente, a coordenação e liderança de organizações criminosas dentro e fora das prisões.

À vista disso, o advento da Súmula nº 660 torna mais clara a posição do STJ sobre o assunto e oferece uma base sólida para que as autoridades penitenciárias ajam em conformidade com a lei. Confira-se os precedentes do STJ:

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. FALTA GRAVE. RECONHECIMENTO. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. DEFENSOR NOMEADO IMPRESCINDIBILIDADE. SÚMULA 533/STJ. OBEDIÊNCIA AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. APLICAÇÃO DA SANÇÃO PELO CONSELHO DISCIPLINAR. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. INOCORRÊNCIA. POSSE DE CHIP DE CELULAR. LEI N. 11.466/2007. MANIFESTA ILEGALIDADE NÃO VERIFICADA. AGRAVO NÃO PROVIDO.

[...] 3. Segundo entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, após o advento da Lei n. 11.466/2007, a posse de aparelho celular, bem como de seus componentes essenciais, tais como chip, carregador ou bateria, constitui falta disciplinar de natureza grave. 4. Agravo regimental não provido. (AgRg no HC n. 376.643/PR, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 4/5/2017, DJe de 9/5/2017.)

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. FALTA GRAVE. RECONHECIMENTO. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. DEFENSOR NOMEADO IMPRESCINDIBILIDADE. SÚMULA 533/STJ. OBEDIÊNCIA AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. APLICAÇÃO DA SANÇÃO PELO CONSELHO DISCIPLINAR. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. INOCORRÊNCIA. POSSE DE CHIP DE CELULAR. LEI N. 11.466/2007. MANIFESTA ILEGALIDADE NÃO VERIFICADA. AGRAVO NÃO PROVIDO.

[...] 3. Segundo entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, após o advento da Lei n. 11.466/2007, a posse de aparelho celular, bem como de seus componentes essenciais, tais como chip, carregador ou bateria, constitui falta disciplinar de natureza grave. 4. Agravo regimental não provido. (AgRg no HC n. 662.734/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 3/8/2021, DJe de 9/8/2021). Destaca-se.

Desse modo, a Súmula nº 660 do STJ consolida a jurisprudência cristalina do tribunal, buscando uma resposta ao desafio complexo de garantir a segurança e a ordem nas prisões, ao mesmo tempo em que se busca reabilitar os detentos.

Contudo, é importante ressaltar que o problema da comunicação ilegal dentro das prisões não se resume apenas à posse de aparelhos telefônicos, mas também à corrupção de agentes penitenciários e à entrada ilegal de objetos proibidos. Com efeito, a proibição do uso de aparelhos de comunicação é apenas uma parte de um esforço mais amplo para enfrentar esse desafio.

Assim sendo, a decisão da 3ª Seção do STJ, refletida na Súmula 660, tem suas bases no ordenamento jurídico brasileiro, nos termos do artigo 50, inciso VII, da LEP, visando garantir a segurança dentro do sistema prisional e combater a prática de crimes, especialmente aqueles ligados à criminalidade organizada, consolidando-se assim a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que deverá ser de aplicação obrigatória pelos juízes e tribunais, nos termos do artigo 927, IV, do Código de Processo Civil.

Vinicius Silva Nascimento é advogado, graduado em Direito pela Universidade Federal do Paraná, especialista em Direito Público, mestrando em Direito pela Universidade Federal do Paraná e pesquisador nas áreas de Direito Constitucional, Penal e Administrativo.

Fonte: JTNEWS com informações da Revista Consultor Jurídico

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