Atear fogo!
Homens, onde está a rota de fuga? Atrás tens o mar e à frente o inimigo. Vossa única bravura será estabelecer, aqui, a religião verdadeira, o mais que conquistares serão despojos, pertencerão a vós mesmos.
Segundo a lenda1, esta foi a mensagem de Tariq Ibne Ziade, comandante mouro, depois de mandar incendiar as naus com que seu exército atravessara o estreito de Gibraltar, vindo da África. Queria expandir o Islã e o domínio árabe sobre a península Ibérica.
Seus homens avançaram, ao fio dos sabres, com tamanha ferocidade que os visigodos, habitantes originais do local, findaram por recolher-se a pequenos vales no extremo norte da região.
Amontoaram-se em comunidades com pouca estrutura e foram reduzidos a condição de dhimmi, não-muçulmanos em território muçulmano sob favor da tolerância islamica. Para fazerem jus a esta concessão de pacificidade foram forçados ao pagamento de um imposto extra, o Jizyah. Os lusos honraram esta exigência e conseguiram preservar a fé cristã nesses espaços.
Houve várias tentativas de expulsão dos árabes do território até que o infante Dom Afonso Henriques foi designado comandante das tropas lusas. Tinha a incumbência de enfrentar os blasfemadores do nome de Cristo.
Em 24 de Julho de 1139, chegou ao campo do Ourique e avistou a grandeza do exército inimigo versado na arte da guerra. Sua gente fraquejou, inebriou-se de temor e tomou a derrota como inevitável ante o perigo manifesto.
Porta-vozes foram ao infante pedir que não desse conflito aos mouros, eram inumeráveis, estima-se a proporção de 100 para cada Godo2. Queriam que negociasse com os infiéis, para que se evitasse a ruína iminente.
Dom Afonso aturdiu-se, precisava revigorar o ânimo dos homens à batalha, mesmo que o preço fosse a própria vida, a causa era sagrada. Confiado no socorro que Deus oferece aos seus nas dificuldades mais prementes, afastou-se do grupo.
Com a alma tomada pela fé, pediu a Deus fortaleza para seus guerreiros a fim de merecerem a vitória na batalha iminente. Com escudo e espada empunhados fitou o céu, donde um belíssimo resplendor eclodiu, avolumou-se, espelhou a Santa Cruz e, nela, Jesus crucificado3.
Dom Afonso desvestiu-se dos trajes nobres e prostrado em terra, suplicou por seus vassalos pediu, sobretudo, que o Senhor não se mostrasse a ele mas aos infiéis, a fim de convertê-los. Exclamava repetidamente: "Aos Infiéis, Senhor, aos Infiéis, e não a mim, que creio o que podeis!"4
Jesus disse que aparecia, a ele, para confirmar sobre firmíssima pedra o reino que haveria de surgir após a vitória que daria aos godos nesta peleja. Acrescentou que edificaria, sobre Dom Afonso Henriques, um império através do qual o nome de Deus seria levado às gentes estranhas, porque é Ele o fundador e o destruidor dos impérios do mundo.
Em seu reinado, Dom Afonso registrou seu juramento descritivo desta manifestação sobrenatural do crucificado em um pergaminho. Nele apôs o selo de Sua Majestade e fez inserir a indicação de nove testemunhas, mandou guardá-lo na abadia de Alcobaça, em Portugal.
Na manhã seguinte à aparição de Cristo, dia em que a igreja católica celebra a festa do Apóstolo de São Tiago, Dom Afonso fez rezarem-se missas nas quais comungou junto com seus guerreiros.
Em seguida, ao ver os mouros posicionados para guerrear, deu a ordem de batalha. Os Godos lançaram-se contra os inimigos com tamanho vigor que findaram por tornar real a vitória prometida, ao infante, pelo Redentor do mundo encravado na Cruz.
O Reino de Portugal estruturou-se a partir deste evento, por isto, traz como divisa a Santa Cruz e ao longo dos anos, se manteve fiel ao propósito de sua criação atribuído por Cristo no Ourique: a difusão da fé, do cristianismo.
No século XV, sob a trilha desta missão e para robustecê-la, os reis de Portugal incentivaram o desenvolvimento da navegação, através do acolhimento de navegadores em Sagres cujos conhecimentos foram partilhados entre si e deram origem a um conjunto dos saberes que posteriormente se denominou escola de Sagres.
Deste empenho surgiram as caravelas, encimadas pela marca da Santa Cruz. Eram navios pequenos com tecnologia arrojada o que permitiu, aos portugueses, lançarem-se ao mar, com a fundamental ajuda dos Cavaleiros da Ordem de Cristo, em busca de levarem a revelação do Cristo a todos os que encontrassem. O cumprimento desta santa missão custou muitas vidas que o Padre Antônio Vieira registrou a justeza do serviço: "Perguntai a vossos avós quantos saíram e quão poucos tornaram? Mas estes são os ossos de que mais se deve prezar vosso sangue."6
Chegaram ao Brasil. Como primeira providência, chantaram a Santa Cruz e o padre frei Henrique disse a missa a que os presentes assistiram de joelhos: os navegadores, cinquenta índios e dois degredados que ficaram na nova terra7
Escreveu-se carta a Dom Manoel, El rei de Portugal, sobre o achamento do Brasil. Este escrito dizia que o melhor fruto a se tirar da terra encontrada será salvar a sua gente e que esta deve ser a principal semente lançada ao solo por Sua Alteza.
“Esta gente é boa e de boa simplicidade…, Vossa Alteza, que tanto deseja acrescentar à Santa fé Católica, deve cuidar de sua salvação.”8
Sigamos firmes nas palavras de Jesus Crucificado, em sua aparição a Dom Afonso, inscritas no Juramento do Ourique: “Não se apartará deles nem de ti nunca minha misericórdia, porque por sua via tenho aparelhadas grandes searas e a eles escolhidos por meus seguidores em terras muito remotas”
Nesta remota Terra de Santa Cruz, predestinada por Jesus Crucificado, Deus nos ajude a seguir no sagrado serviço de propagação dos Seu santo nome.
REFERÊNCIAS
1- Conquista da Península Ibérica, disponível em: Conquista da Península Ibérica pelos muçulmanos (ensinarhistoria.com.br)
2- BRANDÃO, Frei Antônio, Crônicas de D. Afonso Henriques, Porto, Livraria Civilização, 1945, p. 4.
3- JURAMENTO DE OURIQUE, Dom Afonso, Rei de Portugal, disponível em: Senza Pagare: Juramento de Ourique - Dom Afonso, Rei de Portugal
4- CAMÕES, Luiz de, Os Luzíadas, disponível em: Os Lusíadas Canto III- A Batalha de Ourique e a origem mística de Portugal (inverso.pt)
5- BRANDÃO, Frei Antônio, Crônicas de D. Afonso Henriques, Porto, Livraria Civilização, 1945, p. 9.
6- VIEIRA, Padre Antônio, Sermões, Sermão de Santo António, disponível em: Sermão de Santo Antônio, em Roma (ufsc.br)
7- CAMINHA, Pero Vaz de, A Carta de Pero Vaz de Caminha, São Paulo, Martin Claret, 2005, p.114/118.
8- Idem, Ibden.
María Cecília Pontes Carnaúba - é promotora de Justiça do Estado de Alagoas, mestra em Direito (UFPE), doutorando em Ciências Jurídico-Políticas na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (PT); autora do livro Provas Ilícitas (Editora Saraiva), além de diversos artigos jurídico-científicos.
Fonte: JTNEWS