JTNEWS traz matéria na íntegra da Folha de S. Paulo da edição desta terça-feira (28/11), referente a ação rescisória e o Supremo Tribunal Federal (STF).
É essencial para o desenvolvimento de um país a certeza e a segurança nas relações sociais, econômicas e governamentais. Estamos vivendo um período em que o atual governo patrocina medidas legislativas visando aumentar, justamente, a confiança do mercado no Brasil.
A Constituição prevê diversas regras buscando alcançar essa segurança, embora nem sempre observados. Uma delas é a chamada coisa julgada, que é o status de uma decisão judicial quando não há mais recursos cabíveis. Costumava-se dizer que a coisa julgada era imutável.
A coisa julgada é o objetivo de todo processo: alcançar uma decisão que pacifique a relação entre as partes —ainda que uma delas quase sempre saia contrariada. É a forma como o processo se encerra e as pessoas seguem suas vidas.
Isso já não é tão verdade como se viu recentemente, quando a coisa julgada ganhou destaque em julgamento no Supremo Tribunal Federal dos Temas 881 e 885, em que o Supremo decidiu se as suas decisões em matéria tributária se sobreporiam às decisões individuais dos contribuintes em relação a efeitos futuros —o que, na prática, revogaria a coisa julgada.
O mundo jurídico continua digerindo os efeitos desse julgamento, e ainda é incerto quais as suas consequências práticas no cotidiano tributário e se a coisa julgada realmente passa a ser um estado transitório, até que o STF surja com uma nova decisão sobre o tema. A insegurança é latente.
Porém, a coisa julgada não morrerá tão logo e ainda é um importante instituto processual. Justamente em razão da sua importância, a legislação prevê poucas hipóteses de sua revisão, sendo a mais importante a ação rescisória, na qual se requer a rescisão de uma decisão que, por exemplo, tenha sido proferida por juiz incompetente, seja resultante de dolo, contrariar outra coisa julgada etc. Ou seja, situações extremas que evidenciem um vício grave.
Também por isso o Código prevê o prazo de apenas dois anos contados do trânsito em julgado para que essa ação possa ser ajuizada.
Em 2015, porém, o Código de Processo Civil inovou e trouxe uma nova hipótese de cabimento da rescisória, quando uma decisão judicial for baseada em fundamento declarado inconstitucional em momento posterior pelo STF. Nessa situação, o Código previu que uma rescisória poderia ser ajuizada no prazo de dois anos contados da nova decisão do STF. Recentemente, o Judiciário começou a analisar a forma de aplicação dessa nova previsão de ação rescisória e seus efeitos práticos.
Antes de falarmos disso, voltemos para 2017, quando o STF julgou a chamada tese do século: A Corte definiu que o ICMS (tributo estadual sobre vendas de mercadorias) deve ser excluído da base de cálculo do PIS e da COFINS (contribuições federais sobre receita). Cinco anos depois, em 2021, o mesmo tribunal decidiu limitar essa decisão no tempo (o que se chama de modulação de efeitos), decidindo que apenas os contribuintes que haviam ajuizado ações até 15/3/2017 poderiam recuperar o tributo indevidamente recolhido nos cinco anos anteriores ao ajuizamento das suas ações.
O estabelecimento do marco temporal colocou em xeque uma série de empresas que haviam ingressado com ações individuais após esta data e já haviam obtido decisão final favorável, isto é, com coisa julgada.
Retornando ao presente, temos visto que a Procuradoria da Fazenda Nacional vem ajuizando ações rescisórias com o objetivo de rever essas decisões individuais que permitiram a recuperação do PIS/COFINS em períodos anteriores a março de 2017 (ou seja, além da modulação de efeitos dada pelo STF).
Um dos problemas dessa conduta é o prazo de ajuizamento, pois tais ações estão sendo propostas em dois anos contados da decisão de 2021 do STF.
Todo esse contexto caótico evidencia como a segurança é importante no país, pois diversas empresas que confiaram no Judiciário e obtiveram decisões finais, agora se veem no risco de terem de devolver valores à União.
No extremo, acaso uma sentença transite em julgado hoje e o STF declare a inconstitucionalidade do seu fundamento daqui a 10 anos, o prazo para propositura da ação rescisória seria contado apenas a partir desta decisão do STF. Ou seja, as partes ficariam por anos à mercê de uma nova decisão que poderá lhes afetar.
Agora, o mesmo algoz da coisa julgada, porém, pode lhe dar uma sobrevida e trazer mais segurança para os contribuintes, justamente porque o STF iniciou o julgamento dos Embargos de Declaração no Recurso Extraordinário nº 958.252 que, apesar de tratar de um tema diverso, poderá ser uma oportunidade para que a Corte analise a constitucionalidade desse novo prazo de ajuizamento da rescisória.
Até agora, apenas o relator Luiz Fux apresentou seu voto, mas nele declarou que "não há como se admitir a possibilidade de rescisão de decisões transitadas em julgado após o transcurso de lapso temporal indefinido, sob pena de se restringir excessivamente a garantia fundamental da coisa julgada, a ponto de vulnerar o seu núcleo essencial".
Assim, o ministro pondera que uma hipótese de cabimento de ação rescisória que seja indefinida no tempo não se mostraria constitucional e propôs que esse dispositivo do Código seja lido de forma a permitir a rescisória apenas se dentro de dois anos do trânsito em julgado da ação individual.
Após o voto, o ministro Cristiano Zanin pediu destaque, o que significa que o julgamento será retomado em plenário presencial, ainda sem data definida.
Como se vê, essa discussão, apesar de parecer apenas burocracia processual, pode impactar diversos contribuintes que possuem ações rescisórias ajuizadas contra si, em especial dos casos que foram ajuizados pela PGFN para questionar parte do crédito de PIS/COFINS em razão da exclusão do ICMS.
A segurança que buscamos para o futuro deve começar pelo passado.
Fonte: JTNEWS com informações da Folha de S.Paulo