Nessa quarta-feira (12/10), o presidente Jair Bolsonaro (PL), em campanha pela reeleição, causou alvoroço ao participar de missa pelo Dia de Nossa Senhora Aparecida, no santuário dedicado à santa. A passagem por Aparecida (SP) foi marcada por recados desfavoráveis de representantes da Igreja Católica e aplausos e vaias de eleitores.
O rival dele no segundo turno, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), manteve a decisão anunciada de evitar a mistura entre eleição e religião e, também nesta quarta, fez atos no Rio de Janeiro e em Salvador.
Um dia antes da visita de Bolsonaro a Aparecida, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), principal entidade da igreja no país, lamentou em nota "a intensificação da exploração da fé e da religião como caminho para angariar votos no segundo turno". Sem citar nomes, a CNBB disse que "momentos especificamente religiosos não podem ser usados por candidatos".
O arcebispo de Aparecida, dom Orlando Brandes, afirmou na manhã desta quarta, antes da chegada de Bolsonaro na basílica, que "é preciso vencer os dragões do ódio e da mentira". Na fala, durante a homilia da principal missa do dia, ele mencionou ainda os desafios do desemprego, da fome e da incredulidade.
A frase foi dirigida a uma multidão de católicos que lotou o templo. Parte dos romeiros acompanhou a celebração do lado de fora. A festa em homenagem à padroeira do Brasil voltou, depois de dois anos de pandemia, a receber o público sem restrições de circulação ou capacidade.
Depois, questionado em entrevista coletiva sobre a presença na festividade religiosa do mandatário e de Tarcísio de Freitas (Republicanos), candidato do bolsonarismo ao Governo de São Paulo, em uma das missas no santuário nesta quarta, o arcebispo expressou certo incômodo.
"Não podemos julgar, mas precisamos ter uma identidade religiosa. Ou somos evangélicos ou somos católicos. Precisamos ser fiéis à nossa identidade católica, mas, seja qual for a intenção, vai ser bem recebido, porque é o nosso presidente", afirmou o sacerdote à imprensa.
Bolsonaro esteve na manhã desta quarta em Belo Horizonte para a inauguração de um templo da igreja evangélica Mundial do Poder de Deus, do apóstolo Valdemiro Santiago. Junto ao governador reeleito Romeu Zema (Novo), que o apoia, o mandatário acompanhou uma sessão de cura e ouviu Valdemiro pedir jejum de 12 horas até o dia da eleição, pela "nação, pelo presidente e pela primeira-dama".
O ambiente e as falas na capital mineira foram favoráveis à reeleição e aos discursos de campanha do político, mas a Folha ouviu de uma fiel a reclamação de que, se soubesse que haveria campanha eleitoral no templo, não teria ido até lá. A frequentadora não conseguiu entrar no local.
O presidente, que se diz católico, mas transita entre evangélicos e detém o apoio de líderes do segmento, fez um discurso em que exaltou o Brasil como um país majoritariamente cristão e disse respeitar todas as religiões.
À tarde, sob vaias e aplausos, Bolsonaro chegou ao Santuário Nacional de Aparecida (a 180 km de SP) acompanhado de Tarcísio e de outros aliados, como o senador eleito Marcos Pontes (PL-SP), o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e a deputada federal Bia Kicis (PL-DF).
Com o tumulto, o padre Eduardo Ribeiro, que conduzia a cerimônia, pediu silêncio para iniciar a celebração. "Silêncio na basílica. Prepare o seu coração, viemos aqui para rezar", afirmou. Parte do público também soltou gritos de "mito" na direção do presidente.
A missa transcorreu de forma serena, sem a presença de Bolsonaro no altar —nas celebrações do ano passado, o presidente foi encarregado de fazer a primeira leitura. Na homilia, o pároco Eduardo Catalfo pediu paz para a nação e enalteceu Nossa Senhora Aparecida como mulher negra e a representação do povo brasileiro.
Do lado de fora do templo, um jovem que vestia camiseta vermelha foi alvo de uma multidão enfurecida que gritava "mito" enquanto a comitiva do presidente estava em uma tenda de peregrinos. O homem, inicialmente, ficou encurralado em um círculo e, depois, quando tentou fugir, foi perseguido aos gritos de "Lula, ladrão, seu lugar é na prisão" e "a nossa bandeira jamais será vermelha".
A hostilidade dos bolsonaristas só acabou quando o homem de vermelho sumiu entre os corredores da igreja, sem ser agredido fisicamente. A comitiva presidencial não viu a cena. "E pensar que aqui é a casa de Deus", falou uma mulher assustada, com uma camiseta de romaria de São José dos Campos (SP).
Após a missa, o presidente foi convidado para rezar um rosário na basílica antiga, a primeira construída em devoção à santa. A atividade foi organizada pelo Centro Dom Bosco, organização de católicos conservadores que não tem ligação com o santuário nacional, cujo administrador é dom Orlando Brandes.
"Não é uma iniciativa nem do santuário nem da arquidiocese, mas as pessoas são livres", disse o arcebispo.
Bolsonaro não compareceu à basílica antiga, mas o anúncio de sua possível ida atraiu centenas de apoiadores ao local e houve princípio de confusão, com xingamentos e intimidações. Apoiadores do presidente partiram para cima de uma equipe de jornalistas da TV Vanguarda, afiliada da Rede Globo.
Segundo a repórter Daniela Lopes, que trabalha na TV, houve ofensas verbais e tentativa de agressão, mas um segurança que acompanhava interveio. Ela também disse à Folha que a confusão começou após um homem, com uma camiseta com a frase "fora, Bolsonaro", se aproximar do cinegrafista.
Depois que Bolsonaro deixou a igreja antiga, o padre Camilo Júnior disse durante uma pregação que o dia deveria ser dedicado à santa católica, e não a eleições. "Parabéns a você que está aqui dentro e está rezando, porque hoje não é dia de pedir voto, hoje é dia de pedir bênção", afirmou, sob aplausos.
Os organizadores da missa devem divulgar o total de público nesta quinta (13). Há, entre eles, a certeza de que havia muito mais pessoas que os cerca de 70 mil fiéis do ano passado, mas ainda menos que os 160 mil de 2019, antes da Covid-19.
É a terceira vez em que Bolsonaro, na condição de presidente, visita o Santuário Nacional de Aparecida. A primeira foi em 2019. Em 2021, dom Orlando fez alertas sobre o armamento da população, o discurso de ódio e a propagação de fake news —as falas foram entendidas como recados ao governante.
Também no ano passado, com a pandemia de Covid-19 em um momento mais crítico, o arcebispo defendeu a ciência e discursou sobre a importância da vacinação contra o coronavírus, indo na contramão do comportamento de Bolsonaro durante a crise mundial de saúde.
A volta do mandatário ao templo católico é mais um passo na maratona dele em busca de votos dos religiosos. Desde o dia 4, Bolsonaro participou de dois cultos da igreja evangélica Assembleia de Deus e usou o Círio de Nazaré, uma das maiores celebrações religiosas mais populares do país, para fazer campanha.
Em uma unidade da Assembleia de Deus na capital paulista, o presidente e a primeira-dama Michelle Bolsonaro subiram ao púlpito e falaram aos fiéis. Ela, que é evangélica, não esteve em Belo Horizonte nem em Aparecida nesta quarta.
No Pará, o presidente sofreu críticas da igreja e ficou isolado durante a festividade. A Arquidiocese de Belém afirmou que não convidou o mandatário e que não desejava nem permitia "qualquer utilização de caráter político ou partidário" do evento religioso. O Planalto disse à Folha que ele participou do Círio como chefe de Estado.
As atividades de Lula no feriado foram desvinculadas da celebração religiosa. O petista, que também mira os públicos evangélico (que majoritariamente apoia Bolsonaro) e católico, participou pela manhã de uma caminhada no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, onde prometeu avanços na economia para a população mais pobre.
Antes do ato, o ex-presidente ergueu uma imagem de Nossa Senhora Aparecida que lhe foi entregue por uma moradora. Durante o percurso, feito sobre um carro de som, estendeu uma bandeira do Brasil.
O petista também esteve em uma caminhada em Salvador. Na capital baiana, ele acusou o adversário de tentar tirar proveito eleitoral de eventos religiosos e disse que ele "usa o nome de Deus em vão".
O petista fez ainda alusão aos episódios em Aparecida: "Hoje [quarta] arrumou briga em Aparecida do Norte, onde também foi sem ser convidado, tentando tirar proveito de religião".
Na semana passada, Lula disse que não gosta de fazer nenhum gesto "que possa parecer" que esteja "utilizando a religião para fazer política". "Gosto de professar a minha fé e demonstrar a minha religião na minha intimidade. Não gosto de ficar fazendo Carnaval", afirmou.
Lula foi convidado pelo governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), para participar do Círio de Nazaré, mas declinou.
Fonte: Folha de S.Paulo