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CLT 80 ANOS: Modernização como justificativa para retirada de direitos dos trabalhadores

Neste marco, o JTNEWS recorre ao extraordinário trabalho da Agência Brasil, neste 1º de Maio com a reportagem especial que retoma os antecedentes históricos sobre a conquista desses direitos

Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil
Carteira de Trabalho desde Getúlio Vargas

De estabilidade para trabalhadores com 10 anos de serviço para a criação do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). De horas extras pagas no salário, para banco de horas. De carteira assinada com garantias trabalhistas, para contrato por demanda. Essas foram algumas das alterações da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) ao longo do tempo.

Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil
Carteira de Trabalho desde Getúlio Vargas

Nesta segunda-feira (1º) é celebrado os 80 anos da CLT. A legislação foi criada pelo Decreto-Lei 5.452 de 1943 e sancionada pelo presidente Getúlio Vargas, durante o Estado Novo. A CLT unificou a legislação trabalhista existente no país até então.

Neste marco, o JTNEWS recorre ao extraordinário trabalho jornalístico da Agência Brasil de Notícias, nesta publicação de 1º de Maio como reportagem especial que retoma os antecedentes históricos para a conquista desses direitos, as mudanças ao longo do tempo e o atual cenário do Mundo do Trabalho, especialmente diante da digitalização. Especialistas analisam a legislação trabalhista do país e ressaltam a deterioração de direitos com a Reforma Trabalhista de 2017, apontada como uma das mais drásticas da história.

Foto: JACINTO TELES
Palácio do Congresso Nacional sob a lente de Jacinto Teles do JTNEWS

A arquiteta Marina* sentiu de perto esses impactos. Ela já trabalhava sem carteira assinada, quando informou à empregadora que estava grávida, em 2019. “Falei: mas fica tranquila que eu vou continuar trabalhando até o bebê nascer. Poucos dias depois, veio falar que estavam reformulando a empresa e que iam fazer um esquema de todo mundo ser PJ [pessoa jurídica]. Deu uma desculpa de que isso era melhor pra todo mundo. Típica pejotização”, contou.

Para a arquiteta, “a tal modernização da empresa, para otimizar os processos, nada mais era, e é, do que um desestímulo à maternidade. Tem um valor social que não é considerado.”

Na avaliação da socióloga Maria Aparecida Bridi, pesquisadora da Rede de Estudos e Monitoramento da Reforma Trabalhista (Remir), a modernização é “falsa”.

“Retirou-se direitos, fragilizou-se direitos, buscou-se enfraquecer. A legislação trabalhista, a CLT, tem esse papel contra a exploração, colocando limites na exploração do trabalho. E houve uma fragilização dessa legislação. Você retoma uma situação de exploração sem limite, reduzindo conquistas que foram arduamente conquistadas pela classe trabalhadora ao longo de todo esse tempo”, avalia.

Desigualdade

Para a desembargadora aposentada do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4), Magda Biavaschi, as reformas que vieram depois de 2016, sobretudo o teto de gastos, a reforma da Previdência, especialmente a reforma trabalhista, aprofundaram a desigualdade no mundo do trabalho.

“Não só a reforma trabalhista, mas a lei da terceirização, as duas de 2017, fizeram aprofundar, legalizando formas espúrias de contratação, como o autônomo exclusivo, isso é uma excrescência. Se ele é contratado para satisfazer as necessidades básicas do contratante, ele não é autônomo, ele é subordinado e, portanto, ele é um empregado", declarou a magistrada do Trabalho.

Segundo ela, o autônomo exclusivo - profissionais que prestam serviços para uma única empresa, sem que isso seja caracterizado como vínculo empregatício - e a ampliação da terceirização para todas as atividades são um grande fator de precarização e “se mostram inclusive como um locus em que há uma tênue distinção, hoje em dia, entre terceirização e escravização, o trabalho escravo.”

O secretário-geral da Força Sindical, João Carlos Gonçalves, conhecido como Juruna, citou uma das primeiras mudanças, ocorrida durante a ditadura militar: a substituição da lei que garantia estabilidade no emprego após 10 anos registrado em uma mesma empresa pela criação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Segundo ele, a mudança incentivou a rotatividade da força de trabalho.

No entanto, ele considera que “ainda pior foi o que aconteceu nos governos de Michel Temer e de Jair Bolsonaro. Com alteração de mais de 200 dispositivos, seguida por outras minirreformas, a Lei nº 13.467/2017 [reforma trabalhista] inaugurou o maior desmonte em toda a história da legislação.”

Primeiras mudanças

Segundo a pesquisadora Maria Aparecida Bridi, a primeira onda entre as principais reformas da CLT ocorreu no governo militar, em 1967, justamente com o fim da estabilidade dos trabalhadores em troca do FGTS. “Trouxe uma alteração importante para a classe trabalhadora, porque é um momento em que o trabalhador perde estabilidade. E, naquele contexto, lembra que os trabalhadores, os movimentos, a organização sindical, estavam sob pressão e sob controle e vigilância do regime ditatorial.”

Na década de 1990, a pesquisadora aponta a ocorrência de uma segunda reforma de peso, com as políticas neoliberais adotadas no contexto do governo FHC. “Ali, ele já fez um conjunto de mudanças trazendo uma flexibilização na legislação, introduzindo pautas como a possibilidade do banco de horas, flexibilizando jornada, flexibilizando inclusive remuneração.”

Para Bridi, tais mudanças foram pautadas por uma ideologia em que os atores políticos e econômicos buscaram impor medidas redutoras de direitos do trabalho, relacionadas ao processo de inserção do Brasil numa globalização neoliberal.

“O mundo vinha num contexto das crises desde os anos 70, em que as empresas passaram por um processo de reestruturação produtiva e um discurso neoliberal forte de que precisa dar liberdade para o capital, para as empresas. E os contratos de trabalho por tempo indeterminado, por exemplo, trazia uma ‘certa rigidez’, digamos assim, e que o capital precisava de flexibilidade, da possibilidade de descartar mão de obra mais fácil, então tem assim um conjunto de medidas que foram feitas lá já nesse governo FHC”, disse.

No contexto das políticas de privatização e abertura de mercados, as alterações incluíram a demissão sem justa causa, eliminando mecanismos de inibição de demissão imotivada; uma legislação para favorecer cooperativas profissionais ou de prestação de serviços que permitiu trabalhadores desempenharem funções sem vínculo empregatício; introdução do banco de horas como alternativa ao pagamento de horas extras; e a remuneração com a participação nos lucros e resultados.

“É uma forma flexível de remuneração, porque a chamada PLR [Programa de Participação nos Lucros e Resultados] entrou e assim cresceu e hoje está aí naturalizada, mas ela substitui um ganho real, porque é uma remuneração flexível. Tem ano que o trabalhador recebe, e ele não incide outros direitos”, explicou.

Governo Michel Temer

De acordo com a socióloga, a reforma trabalhista ampliou a flexibilização de forma drástica. “Impôs medidas que dificultaram, por exemplo, aos trabalhadores o acesso à Justiça do Trabalho uma vez que estes passaram a ser obrigados a pagar as custas processuais”, avaliou.

Foto: Marcos Corrêa/PR
Michel Temer reduziu direitos dos trabalhadores brasileiros

Um ponto de destaque foi a prevalência do negociado sobre legislado, que definiu que os direitos seriam passíveis de negociação. “Na prática, isso corrói o direito do trabalho e coloca o trabalhador numa situação de a cada ano ter que rever sempre os direitos.”

A socióloga aponta que o trabalhador terceirizado tem uma pior condição de trabalho e de remuneração, a partir da lei de terceirização, editada pelo governo Temer em 2017. 

A terceira onda que trouxe mudanças profundas na legislação foi a reforma trabalhista, atrelada a um discurso de modernização e criação de empregos. “Eu lembro que a campanha, uma verdadeira campanha, trazendo a ideia de que a CLT era uma velha senhora de 70 anos que tinha que se modernizar e, na verdade, isso foi uma falácia, porque a CLT ao longo do tempo foi sofrendo algumas alterações”

“Ele faz uma reforma abrupta, sem discussão com a sociedade, alterou mais de 200 artigos da CLT. Introduziu, por exemplo, o trabalho intermitente, o contrato de trabalho por jornada, que na prática se constitui no contrato zero hora, no qual o trabalhador não tem garantia alguma de direito”, lembrou.

Além disso, a reforma trouxe o fim da ultratividade do acordo coletivo e condições que favorecem os acordos individuais entre patrão e empregado em detrimento das convenções coletivas.

“A gente retrocede a uma situação anterior à legislação e agora você tem todas essas empresas de plataforma digital, por exemplo, que dispõe de uma força de trabalho muito vasta e totalmente desregulada. Eles negam inclusive o estatuto de trabalhador para eles, que se nomeiam como 'empreendedores'.”

Negociações coletivas

Segundo Juruna, a reforma permitiu que os sindicatos e as empresas pudessem negociar condições de trabalho diferentes das previstas em lei, mas ressalta que isso não necessariamente significa um patamar melhor para os trabalhadores. Além disso, o fortalecimento dos sindicatos, importante para tal modelo de negociação, também foi comprometido.

“A reforma também tornou voluntária a Contribuição Sindical destruindo a sustentação financeira dos sindicatos. Após a reforma, o Dieese estimou que as entidades perderam, em média, 70% de suas receitas. Essas foram algumas das mudanças radicais que só beneficiaram as empresas em detrimento das trabalhadoras e dos trabalhadores, desvalorizando os sindicatos, as assembleias e, assim, diminuindo o poder de negociação”, disse. 

Para a desembargadora, esse ponto representa um retrocesso grave na garantia de direitos aos trabalhadores. “A reforma trabalhista transtrocou o locus da produção normativa, da regulação pública universal, deslocou as fontes desse sistema público de regulação para o encontro livre das vontades individuais, no suposto de que comprador e vendedor da força de trabalho são iguais e podem dispor sobre os seus direitos, que vão reger a compra e venda da relação trabalho.”

Cenário

Com a fragilização da legislação trabalhista após as reformas, o mercado de trabalho tem ampliado a informalidade, a contratação via MEI [Microempreendedor Individual] e plataformas digitais, sem garantia de direitos. Foi o que aconteceu com a arquiteta Marina. Ao receber orientação da empregadora sobre abertura de empresa, foi informada de que, dessa forma, poderia prestar serviço para outras empresas. No entanto, decidiu consultar um advogado.

“Ele falou ‘olha, ela está fazendo isso porque sabe que dessa forma vai se livrar dos direitos trabalhistas. Ela vai poder dispensar você e você não vai poder recorrer”, disse a arquiteta.

Como não aderiu à PJ, Marina foi demitida e recorreu à Justiça. “Foi muito evidente que se tratava de uma covardia. De discriminar uma mãe. Na época, eu pesquisei sobre o assunto e fiquei assustada com os dados. As mulheres que retornam ao trabalho depois dos quatro meses de licença são dispensadas. Além disso, ela deixou claro que não queria pagar ‘por algo que eu fiz’ se referindo a licença [maternidade] remunerada.”

Legislação robusta

Apesar dos retrocessos apontados, Juruna acredita que ainda temos uma legislação trabalhista robusta. O empregado formalizado tem direito a férias, 13º salário, previdência social, seguro desemprego, salário mínimo, jornada de trabalho, hora extra, reajuste salarial conforme a convenção coletiva do sindicato, direito a sindicalização, justiça do trabalho.

“Vamos lutar para reverter vários direitos que foram subtraídos ou relativizados nos anos de desmonte. Já conseguimos derrubar no STF, através de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, da Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos (CNTM), a cláusula escandalosa da reforma trabalhista que permitia o trabalho de mulheres grávidas em locais insalubres”, relatou o dirigente sindical.

A Reforma Trabalhista violou direitos constitucionais

Para a advogada trabalhista, Noélia Sampaio, a Reforma Trabalhista atendeu a um dos seus principais objetivos que foi a redução de ações na Justiça do Trabalho, mas a umpreço muito caro para muitos trabalhadores.

Foto: Jacinto Teles/JTNEWS
Advogada Noélia Sampaio falou ao JTNEWS sobre a Reforma Trabalhista que completou 5 anos no final do ano passdo

"A Reforma Trabalhista completou 5 (cinco) anos no dia 11 de novembro do ano passado, e ainda traz fortes questionamentos na Justiça e fora dela. Há temas que ainda hoje são discutidos no STF – Supremo Tribunal Federal, como a dispensa em massa de trabalhadores, o negociado sobre o legislado e a inconstitucionalidade da TR para correção monetária de débitos trabalhistas.

Das novidades que a Reforma trouxe, tendo como fundamento, a flexibilização do trabalho, que fora o trabalho intermitente, este é pouco aplicado no mercado de trabalhista e quando aplicado é tido como trabalho que fere os princípios constitucionais, tendo em vista que não ampara o empregado em todas as situações.

De certo que um dos maiores objetivos da reforma era diminuir as demandas trabalhistas, no entanto, pode se dizer que foi alcançado. A queda no número de reclamações trabalhistas nas Varas de Trabalho foi significativa, a ponto do CSJT – Conselho Superior da Justiça do Trabalho realizar estudos nas Varas do Trabalho de todo o Brasil e concluir que mais de 60 (sessenta varas) em 2021 se encontravam com rendimento abaixo do determinado por aquele Conselho, ficando essas Varas sob ameaça de fechar.

Outro grande objetivo era impedir ou diminuir ações com pedidos de indenização por danos morais, determinado que a parte perdedora se obrigasse a arcar com custas e honorários, limitando ainda o valor dos pedidos de indenização, respectivamente.

Durante a discussão dessa Reforma em 2017, se dizia que a expectativa do governo era que gerasse pelo menos 6 (seis) milhões de empregos formais logo nos primeiros anos e, segundo os dados do Ministério do Trabalho e Previdência, ainda não foi alcançado.

Visivelmente o que pode se observar é um grande número de trabalhadores na informalidade, como:  Uber, Uber Eats, pequenos “empreendedores”, outros. Segundo IPEA, se registra cerca de 1,5 milhão de pessoas nessa situação. Cumpre registrar que essas pessoas não têm contrato de trabalho com garantia, não têm registro em carteira de trabalho, não são segurados da Previdência, não têm seguro saúde, não recebem férias, 13º salário e nem seguro desemprego.

Depois de muitas discussões realizadas sobre a Reforma até aqui, como aludido, algumas questões vêm sendo resolvidas na Suprema Corte, para garantir a constitucionalidade de alguns tópicos. Em outubro do ano passado, o STF considerou inconstitucional a regra trazida pela reforma, onde beneficiários da Justiça gratuita deveriam pagar por honorários periciais e advocatícios de sucumbência caso perdessem o processo.

A Justiça gratuita é um garantia da parte, para poder ajuizar uma ação, quando esta não consegue arcar com as despesas processuais. É garantida pela Lei 1.060/50, pelo Código de Processo Cível brasileiro, art. 98 e seguintes, e era garantido na Justiça do Trabalho, uma vez que o trabalhador é considerado parte hipossuficiente na relação. A nova redação, após a Reforma em 2017, diz:

“[...] é concedida a trabalhadores com salário igual ou inferior a 40% do teto do Regime Geral de Previdência Social, ou seja, R$ 2.834,00. Por outro lado, foi mantida a cobrança caso o trabalhador falte à audiência sem justificativa”.

Essas são algumas das questões trazidas na Reforma e considerada como das mais graves, pois segundo a Constituição Federal, ninguém pode ser impedido do acesso à justiça e à garantia da tutela efetiva", concluiu a advogada Noélia Sampaio para o JTNEWS.

Fonte: JTNEWS com informações da Agência Brasil

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