A promessa de privatização dos Correios deve deixar o Brasil à parte de outros países com dimensões continentais, que mantêm empresas estatais como forma de assegurar entregas em todos os locais e a soberania nacional.
No Brasil, os Correios registraram faturamento de R$ 19 bilhões, com um lucro líquido de R$ 102,1 milhões no ano passado, mas entraram na mira do governo Bolsonaro, que pretende passar o controle da empresa à iniciativa privada.
A empresa também emprega cerca de 100 mil funcionários, que agora estão em greve contra a privatização e a retirada de direitos trabalhistas por parte da companhia, segundo o sindicato.
"O Brasil tem que garantir que os preços não sejam exorbitantes para os locais mais distantes dos grandes centros. Por isso, a conta que é preciso fazer é quanto custará regular, subsidiar e oferecer isenção fiscal mesmo que privatize a empresa", disse Ana Lúcia Pinto Silva, professora de economia da FAAP e Mackenzie.
Canadá, Rússia e até mesmo os EUA mantêm os correios locais sob o comando governamental. Outros países, como Alemanha, Portugal e Argentina, optaram por privatizar o serviço, mas, ao menos os últimos dois, já discutem se a decisão foi acertada.
EUA têm correios estatal
Os EUA possuem a United States Postal Service (USPS). A empresa, fundada em 1775, possui cerca de 630 mil funcionários e receita de cerca de US$ 71 bilhões no ano passado, sendo a única companhia de entregas a oferecer os serviços em todos os pontos do país, segundo dados da companhia.
Apesar de a discussão acerca da privatização da empresa já ter ocorrido em diversos momentos, a USPS mantém entre a missão corporativa o desejo de "permanecer uma parte integrante do governo dos Estados Unidos, fornecendo a todos os americanos acesso universal e aberto à nossa rede inigualável de entrega".
Assim como no Brasil, há diversas outras empresas no setor, como FedEx e United Parcel Service (UPS), por exemplo. Mas, o USPS detém o monopólio de alguns serviços, como o de cartas. Além disso, apenas a empresa estatal pode usar a caixa de correios nos EUA, enquanto as demais empresas precisam deixar as encomendas em outros locais.
No Brasil ocorre algo semelhante. Os Correios detêm monopólio, por lei, apenas de cartas pessoais e comerciais, cartões-postais, correspondências agrupadas, conhecidos como malotes. A concorrência, contudo, é liberada em setores mais atrativos, como o de entregas de encomendas, por exemplo.
Agora, o governo Trump está em rota de colisão com o USPS, dada a possibilidade de a empresa fornecer estrutura para que os cidadãos americanos votem à distância nas eleições para a presidência dos EUA, que ocorrerão em novembro deste ano, e, por isso, debatem os subsídios à USPS, que devem chegar a R$ 25 bilhões neste ano.
Mesmo com a polêmica, a USPS mantém uma aprovação alta no país. Uma pesquisa da consultoria Pew Research Center realizada neste ano mostrou que 91% dos americanos mantêm uma visão positiva da empresa.
"No caso dos EUA, ele é um caso que mostra que, apesar de ter propostas de privatização, há uma resistência muito grande, pois ela [a USPS] é muito bem avaliada pelos americanos, então politicamente é muito difícil passar [a proposta de privatização]", disse Ana Lúcia.
Canadá e Rússia: gigantes estatais
Outros dois países continentais, Canadá e Rússia também mantêm empresas do governo nesse setor.
No país da América do Norte, a companhia Canada Post possui exclusividade para coletar, enviar e entregar cartas aos destinatários do país. Já na Rússia, assim como no Brasil, a Russian Post tem como único acionista o Estado e é responsável também por ofertar produtos financeiros, além do serviço de entregas.
"São países muito grandes e com áreas de difícil acesso, difícil de fazer o controle dessa entrega em regiões longínquas. Talvez seja essa a explicação de manter um serviço público. E em países ricos, menores, o setor privado consegue fazer a alocação de recursos e dar lucro com um pouco mais de facilidade", afirmou a professora.
Argentina, Portugal e Alemanha privatizaram
Se os maiores países do mundo optam por permanecer com empresas de correios estatais, outros países, menores em extensão territorial, entregaram suas empresas à iniciativa privada.
Talvez o caso mais bem-sucedido tenha sido o da Alemanha. O país privatizou o serviço por partes, começando em 1989. O Deutsche Bundespost foi dividido em outras três empresas, de economia mista, mas com maior participação e controle estatal.
A Alemanha manteve benefícios fiscais e subsídios durante cerca de 15 anos, e só em 2005 é que investidores obtiveram o controle da empresa, que hoje se chama DHL.
Na Argentina, a Encontesa (Empresa Nacional de Correios e Telégrafos S.A.) foi privatizada em 1997. A companhia que adquiriu a empresa à época pertencia a família de Maurício Macri, que viria a se tornar presidente do país anos depois.
Como a empresa compradora deixou de pagar o Estado pela compra, a empresa voltou a ter o controle estatal em 2003. Após escândalos de corrupção envolvendo a empresa privada, a Encontesa passa por uma crise e, agora, se vê em um imbróglio judicial com os ex-controladores.
Portugal privatizou os Correios de Portugal (CTT), que era uma empresa lucrativa, entre 2013 e 2014, por cerca de 909,2 milhões de euros.
A agência reguladora do país, responsável por medir o nível dos serviços prestados pela empresa privada, porém, já acionou mecanismos de compensação dada a má qualidade do serviço prestado pelo CTT. Alguns parlamentares e centrais sindicais já discutem a possibilidade de o Estado voltar a ter o controle da empresa.
Luta contra a privatização no Brasil
No Brasil, a privatização dos Correios é combatida principalmente pelos sindicatos de trabalhadores e trabalhadoras. Segundo a Federação Interestadual dos Sindicatos dos Trabalhadores e Trabalhadoras dos Correios (Findect), a direção dos Correios está precarizando e sucateando a empresa deliberadamente, para derrubar sua credibilidade e facilitar o processo de destruição e/ou venda.
Os sindicatos lutam contra a privatização, afirmando que "só com empresas privadas atuando, o atendimento estará restrito aos grandes centros, onde a atividade é lucrativa, e à porção mais rica da população".
Fonte: JTNEWS com informações do UOL Notícias