Nessa quarta-feira (20/11) foi celebrado o Dia da Consciência Negra no Brasil, de acordo com a Lei nº 14.759, de 21 de dezembro de 2023, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, comemorou-se pela 1ª vez o feriado nacional em homenagem a Zumbi dos Palmares e à Consciência Negra.
A data transcende à mera comemoração e remete a uma reflexão sempre permanente sobre a presença africana na formação da cultura brasileira, ao tempo que homenageia Zumbi dos Palmares como símbolo da resistência negra contra a escravidão no Brasil e reacende a discussão acerca da consciência negra, na perspectiva de exigências de efetivação de políticas públicas pela igualdade racial, pela reafirmação antirracista, lamentavelmente ainda tão ncessária no dia a dia da nossa sociedade.
O Dia da Consciência Negra não se trata apenas de lembrar o passado de lutas e desafios da nossa raça negra, mas, sobretudo de refletir sobre o presente e o futuro. É um momento de avaliar os avanços e as conquistas da população negra no Brasil, mas principalmente de alertar para as desigualdades que continuam tão presentes cotidianamente. É momento de relembrar não somente das personalidades que foram e continuam sendo referências na luta contra o racismo, mas também de registrar o esquecimento, e até mesmo o 'desrespeito' para com a memória dessas pessoas, a exemplo do que ocorre com o piauiense Júlio Romão da Silva (in memoriam) que nasceu em Teresina no dia 22 de maio de 1917, viveu maior parte do seu tempo de vida no Rio de Janeiro, mas retornou a Teresina [sua terra natal] onde, após viver aproximadamente 10 anos, faleceu em 09 de março de 2013, aos 95 anos de idade.
Júlio Romão, um brasileiro de renome, ativista intelectual contra o racismo. Etnólogo, geógrafo, historiador, teatrólogo, jornalista e escritor, Júlio Romão também ocupou a cadeira número 31 da Academia Piauiense de Letras (APL); por duas vezes foi homenageado pela Academia Brasileira de Letras (ABL), com os prêmios Filosofia e João Ribeiro, e com o Prêmio Cláudio de Sousa pela peça: A invasão.
Élio Ferreira descreve Júlio Romão principalmente como: Homem de teatro, com peças representadas no país e vertidas para o castelhano, incluem-se em sua bibliografia, além de uma comédia de fundo político, três autos-dramáticos inspirados em temas bíblicos, analisados por Alceu Amoroso Lima, em ensaio de 1974. De acordo com Elio Ferreira, a saga de Júlio Romão da Silva se assemelha à dos mártires e grande benfeitores da humanidade. Marceneiro na infância e na adolescência. Negro e pobre, passou por inúmeras provações e constrangimentos. Mas não se deixou abater, seguiu em frente na busca do sonho de tornar-se doutor e um grande homem. Não esqueceu o compromisso de homem negro, de origem humilde, comprometido com a condição humana de seus irmãos de cor e classe social, e ainda com o futuro político do país e da terra natal. (FERREIRA, 2012, p. 10).
PERCALÇOS DE JÚLIO ROMÃO DE TERESINA PASSANDO POR SÃO LUIZ ÀS TERRAS CARIOCAS
Segundo Alcebíades Costa Filho, Júlio Romão supera todas as expectativas da época, quando chegou ao Rio de Janeiro em 1937 após ter saído de Teresina [ainda na adolescência], mas antes morando em São Luiz (MA) onde trabalhou como marceneiro no Palácio dos Leões [sede do governo maranhense] e clandestinamente rumou ao Rio de Janeiro no Porão de um Navio Cargueiro, conseguindo se sobressair mesmo sem nenhuma condição de subsistência, ele se aproxima dos segmentos sociais negros do Rio de Janeiro e seu nome está ligado à formação da “Orquestra Afro-brasileira”, do músico Abigail Moura, e do “Teatro Experimental do Negro”, de Abdias Nascimento.
Além disso, o pesquisador registra que o escritor Júlio Romão, assinou a Declaração de Princípios do Comitê Democrático Afro-Brasileiro, que era a associação que lutava pela inserção da população afro-brasileira durante a redemocratização. Ele não só lutou contra a desigualdade racial como vivenciou, estudou e escreveu sobre isso. Foi um admirador de Luís Gama e Teodoro Sampaio, pois eles tinham uma trajetória de vida semelhante à sua.
Durante Sessão Especial do Senado Federal nessa terça-feira (19/11) em razão do feriado em celebração à Consciência Negra, o senador Paulo Paim (PT-RS), que é uma referência na luta pela igualdade racial no Brasil, disse: “É um feriado fundamental para que a gente sonhe um dia em ser um país de primeiro mundo. Nós só seremos um país de primeiro mundo quando pusermos fim a essa chaga do racismo, do preconceito e da discriminação”, afirma o senador Paulo Paim (PT-RS), relator do projeto de lei que transformou o Dia de Zumbi e da Consciência Negra em feriado cívico nacional.
A desigualdade racial persiste ainda em várias esferas da sociedade, seja na educação, no mercado de trabalho, na representatividade política e na mídia. Por isso, este dia (20/1) também serve como um lembrete contundente da necessidade de políticas públicas efetivas que promovam a igualdade de direitos e oportunidades.
Os negros são a maioria dos brasileiros. Pretos e pardos representam 55,5% da população – 112,7 milhões de pessoas em um universo 212,6 milhões. Conforme o Censo 2022 (IBGE), 20,6 milhões (10,2%) se reconhecem como “pretos” e 92,1 milhões (45,3%) se identificam como “pardos”.
De acordo com Paulo Paim, “toda pessoa negra tem que entender que é descendente de quilombola, e o princípio dos quilombos é esse: uma nação para todos,” concluiu o senador pelo Rio Grande do Sul.
FIGURAS EMBLEMÁTICAS NO PIAUI NA LUTA PELA IGUALDADE RACIAL
Dentre outros destaco como acontecimentos e peculiaridades importantes acerca do assunto ora abordado, significados especiais graças a figuras emblemáticas como Esprança Garcia, Francisca Trindade foi a primeira mulher negra a ocupar uma cadeira na Assembleia Legislativa do Piauí e até hoje a parlamentar federal mais votada proporcionalmente no Brasil [2003-2007]. A deputada morreu em julho de 2003, vítima de um aneurisma cerebral. Júlio Romão [um dos ícones da luta contra o racismo, como já abordado] e Nêgo Bispo atuou na Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Piauí (CECOQ/PI) e na Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq); ele era reconhecido como uma voz ímpar no âmbito da literatura e do pensamento quilombola, um intelectual popular de saberes inigualáveis. Seres humanos que dedicaram suas vidas à defesa dos direitos das pessoas negras, no combate ao racismo e à discriminação de forma geral, tendo como foco principal a luta pela igualdade racial.
Dada a pertinência do tema, é importante registrar também aqui, que em m 2017 a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PI) reconheceu Esperança Garcia como a primeira advogada piauiense. Esperança Garcia era mulher negra que foi escravizada no século XVIII, na região de Oeiras primeira capital do Estado do Piauí. Nessa condição de escrava, ela escreveu uma petição ao governador da Capitania do Piauí para denunciar os maus-tratos que sofria conjuntamente com sua família. O historiador Luiz Mott encontro a carta em 1979 no Arquivo Público do Piauí. Portanto, essa carta de Esperança Garcia, enviada em 1770 ao governador do Piauí, é considerada o documento mais antigo de reivindicação de uma escrava a uma autoridade.
Com base nesse estudo de pesquisa o Conselho Pleno da Ordem dos Advogados Brasileiros (OAB-Nacional) reconheceu Esperança Garcia como a primeira advogada brasileira, inclusive várias homenagens na OAB-PI na OAB-Nacional foram prestadas a essa mulher altiva e baluarte na luta contra a escravidão no Brasil.
No Piauí, Júlio Romão foi homenageado em pelo menos três grandes eventos. Em 2007, por iniciativa do advogado e então vereador Jacinto Teles (PT), Romão foi homenageado na Câmara Municipal de Teresina com a realização de Sessão Especial em reverência à sua trajetória de vida. Em 2010 recebeu o título de Doutor Horis Causa da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Já em a do Mérito Cultural Conselheiro Saraiva pela Prefeitura de Teresina não consegui confirmar a data.
Quando falamos de Consciência Negra e não lembramos de Júlio Romão, ela está incompleta. Esquecer Júlio Romão no Dia da Consciência Negra é uma violação à consciência humana. O Brasil deve muito à resistência e resiliência de Júlio Romão na luta pela Igualdade Racial; esquecer sua memória é violar a dignidade humana e o seu legado. Qual o porquê de ainda não ser nome de rua em Teresina? Por que ainda não existe a 'semana em homegem a esse baluarte'? Quem ganha com tal iniciativa é a sociedade, sobretudo os jovens estudante que terão todo ano uma semana para conhecer a 'vida e obra' de Júlio Romão.
No Rio de Janeiro, Júlio Romão recebeu o título de Cidadão Carioca Honorário e, ao completar 50 anos foi homenageado pela Assembleia Legislativa do Estado da Guanabara, e teve seu nome dado a uma das ruas do Méier, no Rio de Janeiro. Sem dúvidas, Júlio Romão foi uma personalidade magnífica além das fronteiras do Piauí, e tornou-se referência em território nacional.
Em meio a desafios e conquistas, a celebração do Dia da Consciência Negra reforça a ideia de que a luta pela igualdade racial é uma responsabilidade coletiva. Somente através do diálogo, do respeito, da educação e da promoção de políticas inclusivas, poderemos construir um futuro mais justo e menos desigual à nossa raça negra. Sem no entanto, esquecer a memória daqueles que lutaram incansavelmente pela causa da liberdade e da igualdade racial.
Confira aqui a Biografia do escritor Júlio Romão no Portal da Literatura Afro-brasileira - UFMG.
Fonte: JTNEWS com informações do GP1