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Conselho Federal de Medicina limita aborto em casos de estupro, mas decisão é suspensa pelo STF

A resolução nº 2.378/2024 impede que mulheres interrompam a gestação pelo método de assistolia fetal após 22 semanas de gravidez. Especialistas questionam autoridade do CFM em impor tal medida.

Foto: Reprodução
Grávida

O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Alexandre de Moraes, determinou em 17 de maio a suspensão da resolução nº 2.378/2024 do CFM (Conselho Federal de Medicina). Essa resolução proibia a realização de aborto por meio do procedimento de assistolia fetal em casos de gestação superior a 22 semanas, decorrentes de estupro. Entidades que defendem os direitos reprodutivos das mulheres estão lutando para que essa resolução seja revogada, e para que prevaleça a determinação prevista na legislação brasileira, que garante às pessoas que gestam o direito de interromper a gravidez resultante de violência sexual sem restrições quanto ao método.

Foto: Rosinei Coutinho/STF
Ministro Alexandre de Moraes

A resolução do CFM que restringe o aborto em casos de estupro foi aprovada sob o número 2.378/2024 e publicada no Diário Oficial da União em 3 de abril. O presidente do conselho, José Hiran da Silva Gallo, e a secretária-geral, Dilza Teresinha Ambrós Ribeiro, assinaram o documento. Esse texto proíbe explicitamente os médicos de realizarem o procedimento de assistolia fetal, que resulta no feticídio, antes dos procedimentos de interrupção da gravidez nos casos de aborto permitidos por lei, ou seja, quando a gestação é resultante de estupro e há probabilidade de sobrevida do feto em idade gestacional acima de 22 semanas.

Foto: Jacinto Teles/JTNEWS
Supremo Tribunal Federal - Brasília/DF

O relator da resolução, Raphael Câmara, conselheiro federal pelo Rio de Janeiro, defende que, a partir da 22ª semana gestacional, "há viabilidade de vida extrauterina do nascituro". Ele ainda argumenta: "Com a resolução, estamos estabelecendo a proibição do assassinato de um bebê de nove meses".

A defensora pública e coordenadora do Núcleo Especial de Defesa dos Direitos da Mulher (Nudem) da Defensoria Pública de São Paulo, Tatiana Bias Fortes, entende que há uma "disputa política e moral" em torno do tema e atribui a movimentação do CFM aos posicionamentos de Câmara. O médico ginecologista já defendeu a abstinência sexual como método de prevenção da gravidez na adolescência e foi secretário de Atenção à Saúde Primária no Ministério da Saúde durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).

Foto: Stock.xchng/Divulgação
Grávida 

"Se estão falando em defesa da vida do feto, por que só alguns fetos teriam essa proteção?", questiona Fortes. "Eles proibiram o procedimento apenas no caso de violência sexual. Se estão realmente defendendo a vida do feto, por que apenas alguns fetos teriam essa proteção?"

Quanto à legislação brasileira sobre o direito ao aborto, o artigo 128 do Código Penal Brasileiro estabelece que o aborto pode ser realizado em caso de ameaça à vida da gestante ou quando a gravidez é resultado de estupro, sem impor um limite gestacional para o procedimento. Por decisão do STF de 2012, também é permitido o aborto em casos de anencefalia fetal.

Para Fortes, "essa restrição deveria ser estabelecida por meio de uma lei, seguindo o devido processo legislativo, e posteriormente discutida quanto à sua constitucionalidade, e não por meio de uma resolução do CFM que limita um direito garantido por lei e não menciona a idade gestacional".

Foto: Agência BrasilConselho Federal de Medicina
Conselho Federal de Medicina

O impacto da resolução para as mulheres é significativo. A antropóloga Débora Diniz, pesquisadora da Universidade de Brasília, explica que embora a resolução não impeça o aborto por outros métodos, a assistolia fetal é considerada pela Organização Mundial da Saúde como o método mais seguro, sendo classificada como "padrão-ouro". Essa técnica envolve uma injeção de produtos que induz a parada do batimento cardíaco do feto antes de sua remoção do útero da mulher.

Diniz argumenta que obrigar médicos a utilizarem outros métodos coloca-os em uma situação delicada, podendo até serem questionados sobre por que não estão adotando as melhores práticas em saúde e cuidado para realizar o aborto nessas circunstâncias. Além disso, ela acredita que a resolução impõe riscos às meninas, que são as principais pacientes de aborto em casos de gravidez decorrente de estupro. Essa imposição pode levar médicos a optarem por não realizar a interrupção da gestação, com medo de serem julgados pelo uso de técnicas menos seguras ou apropriadas.

Foto: Pedro Ladeira | FolhaPressO ministro do STF Alexandre de Moraes.
O ministro do STF Alexandre de Moraes.

A suspensão da resolução pelo STF, determinada por Alexandre de Moraes em 17 de maio após uma ação do PSOL, é um passo crucial. O ministro entendeu que a resolução ultrapassa os limites do poder regulamentador do CFM e impõe restrições não previstas em lei, causando preocupações significativas para a saúde das mulheres. Isso significa que os hospitais que realizam aborto podem continuar praticando a assistolia fetal em todos os casos permitidos por lei, sem as restrições da resolução do CFM.

Foto: Reprodução
Grávida

A decisão liminar de Moraes será levada para referendo dos demais integrantes da Corte, que poderão votar até 10 de junho para manter ou não a suspensão da resolução. Enquanto isso, o CFM recorreu da decisão do STF e emitiu uma nota recomendando que mulheres grávidas em decorrência de estupro há mais de 22 semanas realizem o parto e entreguem o bebê para adoção.

Para Débora Diniz, o CFM está extrapolando suas atribuições ao criar barreiras que não estão na lei. Ela argumenta que o Código Penal garante o direito ao aborto nessas circunstâncias e que a assistolia fetal é uma técnica apropriada para essa interrupção de gestação. A controvérsia em torno dessa resolução gera incerteza jurídica e pode dificultar o acesso ao aborto legal para as mulheres, destacando a importância de uma decisão definitiva por parte do STF.

Fonte: JTNEWS com informações da Revista Marie Claire

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