Cultura

Cuidado com o que deseja! Por Flávio de Ostanila

"Infelizmente alguns tropeços, perdas ou tragédias são necessários para fazer certos indivíduos valorizarem o que possuem, ainda que pareça pouco"

Foto: Zé Paulo/JTNews
Flávio José é agente penitenciário e escritor

O ser humano, com raríssimas exceções, é insaciável. Passa a vida inteira querendo sempre mais: o melhor brinquedo, a comida saborosa, um passeio distante, a companhia bonita, o político honesto. Infelizmente alguns tropeços, perdas ou tragédias são necessários para fazer certos indivíduos valorizarem o que possuem, ainda que pareça pouco. 

Foto: Zé Paulo/JTNews
Flávio José ou Flávio de Ostanila é professor, policial penal e escritor

Eu mesmo quis a mulher mais linda. E após conquistá-la, passei a querer outras mulheres - às vezes ao mesmo tempo. Até que ela não suportou minha indigna presença, e sua dolorosa partida me ensinou uma honrada lição: fidelidade. 

Quando uma namorada engravidou, eu odiei a ideia de ter filho. Planejamos o aborto. Mas quando um sangramento inesperado ocorreu, e na clínica o exame ecoou as rápidas batidas do coraçãozinho do bebê, eu chorei de alegria. Amo ser pai. 

Passei muito tempo me queixando do curso que fiz. Poderia ter sido médico. Entretanto, na pandemia, com quinze milhões de desempregados no Brasil, senti alívio em ter meu parco salário de professor. 

Sempre reclamei da ausência de bons amigos e cheguei a falar mal de um bocado de gente; contudo, ao adoecer, um deles me mandou mensagem, outro veio me trazer frutas e um terceiro me emprestou uma grana. 

Desde o início da crise mundial, tomei todas as precauções para não ser infectado; inclusive tive o privilégio de receber as duas doses recomendadas da vacina. Meu anseio era me gabar de o coronavírus nem ter encostado em mim. 

Testado positivo, eu quis ao menos que meus sintomas fossem leves. Já não via nada de mais em não sentir sabores nem odores. 

Depois de alguns dias, ficaria agradecido se parasse na trombose e só em 50% do pulmão comprometido. Não seria tão ruim viver numa cadeira de rodas e com um tubo de oxigênio a tiracolo.

Já está quase impossível digitar. Vou parando por aqui. A morte nunca me ocorrera. Agora que aconteceu, eu desejaria muito o Céu; mas um lugarzinho do Inferno que não seja tão quente nem muito barulhento já estaria de bom tamanho.

Flávio José Pereira da Silva [Flávio de Ostanila] é policial penal, escritor, bacharel em Direito e professor de Língua Portuguesa.

Confira AQUI a última crônica do autor publicada com exclusividade pelo JTNEWS.

Fonte: JTNEWS

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