"O general foi morto na sexta, dia em que a gente se reúne para oração na mesquita. Participei da cerimônia e, em seguida trocamos, condolências e felicitações: Suleimani é um mártir, um orgulho. Morreu como um herói." Nasser Kazrag nasceu em 1982 em Qom, cidade a 156 quilômetros de Teerã, capital da República Islâmica do Irã.
No país persa, ele viu a guerra de perto. Hoje comerciante em São Paulo, o secretário do Centro Islâmico no Brasil levou um choque ao tomar conhecimento do ataque americano que matou o general Qassim Suleimani: "Que estupidez, milhões estão em risco agora", disse a si mesmo.
Em outro canto da cidade, o choque foi o mesmo para o xeque Houssein Khaliloo, 42, líder religioso do Centro Imam Al Mahdi, em São Paulo. "Estávamos jantando com amigos quando soubemos. Não conseguimos mais comer, conversar", recorda.
Nascido na fronteira do Irã com o Paquistão, Khaliloo chegou ao Brasil há sete anos para liderar a comunidade islâmica na Vila Monumento, zona sul da cidade. "Já me sinto um brasileiro, minha filha nasceu aqui", diz ele ainda com forte sotaque. Já Kazrag desembarcou no país em 1989, quando o pai, religioso, foi enviado a São Paulo. Os pais voltaram para o Irã nos anos seguintes, levando com eles as duas filhas nascidas no Brasil. O secretário do Centro Islâmico preferiu ficar, casar-se com uma iraniana e criar aqui suas duas filhas.
Para ele, o presidente americano, Donald Trump, foi mal assessorado no caso, e agora o mundo pode sofrer as consequências. Já Khaliloo não tem dúvidas: "Onde os Estados Unidos estão não pode haver paz.".
Em entrevista ao Portal UOL, os llíderes comparam Suleimani a figuras pacifistas e de "resistência contra o imperialismo", como o sul-africano Nelson Mandela e o argentino Che Guevara.
Eles criticam a posição brasileira no conflito e contam como a comunidade ilsâmica no Brasil acompanha o desenrolar da ação americana mais polêmica no Oriente Médio desde o assassinato do terrorista Osama bin Laden.
Quem era Qassim Suleimani para os iranianos?
Nasser Kazrag - "O general foi um herói. Ele foi um defensor da pátria, participou da guerra contra o regime de Saddam Hussein. Nós sentimos essa perda, mas, ao mesmo tempo, estamos muito orgulhosos porque ele não morreu doente ou de causas naturais. Ele morreu lutando por seus princípios. Para nós, ele foi um grande defensor da paz.
O general uniu forças iranianas, iraquianas e de outras nacionalidades e raças para lutar contra o terrorismo de grupos extremistas. O Estado Islâmico tem cerca de 30 mil sanguinários. Onde está essa gente? Muitos foram mortos presos e os que sobraram se separaram.
Barack Obama previu 15 anos para acabar o terrorismo. Suleimani encurtou esse prazo em três anos. Ele fez um favor ao Irã, aos Estados Unidos e ao mundo todo. Os avanços contra o terrorismo na região e no mundo se devem a ele. Nós o vemos com um pacifista, um homem como Nelson Mandela."
Houssein Khaliloo - "Ele era diferente, um general humilde, sentava-se com os soldados, com quem comia e abraçava. Também era uma pessoa de fé, praticante.
Como ele era uma pessoa religiosa, é difícil compará-lo com alguma personalidade ocidental, mas eu o comparo ao Che Guevara. O Che Guevara era aquela pessoa que lutava contra o imperialismo, contra a injustiça, contra grupos corruptos. Ele é importante até hoje para os resistentes e revolucionários na América Latina, assim como Suleimani é para o povo do Oriente Médio.".
Quais seriam as razões de Trump?
Houssein Khaliloo - "Os Estados Unidos são um dos maiores fabricantes de armas do mundo. E onde é a melhor região para vendê-las? No Oriente Médio. E para vender essas armas é preciso criar grupos terroristas, como o Estado Islâmico. Como o general começou a combater esses grupos, os americanos começaram a perder a influência sobre a região. Por isso, eles se organizaram para matar Suleimani. Ele era um símbolo da resistência contra esses braços armados.".
Nasser Kazrag - "Eu não sei as razões de Trump para matar o general. Na minha opinião, ele foi mal assessorado porque um presidente não decide nada sozinho. Não descarto o interesse político em ano de eleição, mas ele errou: matou uma pessoa com imensa popularidade, o maior responsável por reduzir o terrorismo no Oriente Médio".
O enterro
Nasser Kazrag - "Enquanto converso com vocês do UOL, minha irmã me mandou uma mensagem dizendo que o corpo do general acabou de chegar à minha cidade. Ela me disse que havia gente esperando nas ruas desde as 3h da manhã! A cerimônia fúnebre do general é a segunda maior da história, só ficou atrás do Aiatolá Khomeini (1930-1989). As ruas estão cheias de gente de norte a sul." Houssein Khaliloo - "São 90 milhões de pessoas nas ruas (o xeque abre um sorriso enquanto mostra no celular um vídeo aéreo do cortejo com milhares de iranianos). Ele era amado em todo o Oriente Médio. O povo do Irã, da Síria, do Iraque e do Líbano o amava de coração".
Estados Unidos, fora!
Houssein Khaliloo - "O Oriente Médio é para o povo que mora lá, assim como o Brasil é para os brasileiros. Outros países não têm o direito de entrar no Brasil e separar territórios. Mas os Estados Unidos ocuparam com bases militares nossa região. Por causa dos Estados Unidos, não tem paz no Oriente Médio. Onde os Estados Unidos estão não pode haver paz. E, para que haja paz, os Estados Unidos precisam sair e deixar essa região para quem mora lá".
Nasser Kazrag - "O Irã e o Iraque falam em expulsar os Estados Unidos da região. Afinal, o que eles estão fazendo lá? É para matar generais e causar mais guerra? Já imaginou se tivesse drone sobrevoando São Paulo e bombardeando quem discorda da política deles? Se for para isso, então eu concordo que expulsem. Eles ameaçam com embargo, o que é imoral porque quem sofre não é o governo, é o povo. Por que não sugerem embargo militar e proíbem a venda de armas a países que consideram agressores? Quem fica sem comida e medicamentos é o povo. Os governantes continuam tendo acesso a tudo em seus palácios."
E o governo brasileiro?
Nasser Kazrag - "A posição do Brasil ao dizer que apoia qualquer combate ao terrorismo foi péssima! Deu a impressão de que o Brasil não tem política externa. É submisso, espera os outros se posicionarem, e anda atrás do bondinho. "Já que o maior país do mundo fez isso, então vamos apoiar." Nem precisava defender ou condenar, mas podia pedir diplomacia, calma e diálogo."
Houssein Khaliloo - "O povo brasileiro abraçou com carinho o povo que emigrou do Oriente Médio. [Historicamente,] o governo brasileiro também apoiou. Podemos dizer que o Brasil ficou ao lado dos Estados Unidos... O governo precisa analisar melhor esse assunto porque os terroristas são aqueles que criaram os grupos e não quem os combateu. Pedimos que o governo do Brasil apoie os países que verdadeiramente lutam contra o terrorismo".
Vai haver Terceira Guerra Mundial?
Houssein Khaliloo - "Eu não acho que vai acontecer a Terceira Guerra porque os países do Oriente Médio não querem a guerra, mas diálogo. Eles têm o direito de se defender, mas não necessariamente ocasionar uma guerra. Acho que a Terceira Guera nunca vai acontecer."
Nasser Kazrag - "Essa seria a pior coisa que poderia acontecer. Nem quero pensar nisso... Vocês brasileiros não viveram a guerra. As dores de uma guerra são irreversíveis. Eu tinha seis anos na guerra do Irã contra o Iraque. A criança saia para comprar pão e quando voltava a família estava morta porque caiu uma bomba na casa dos pais".
Fonte: UOL Notícias