Segundo os últimos dados divulgados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), 5,8% da população brasileira sofre com depressão, porcentagem que coloca o Brasil no topo do ranking da doença, comparado com o restante da América Latina. A taxa global da patologia é de 4,4%, logo, o país está em uma posição acima da média, o que significa que 12 milhões de brasileiros sofrem com a condição.
A youtuber Carol Capel, 31 anos, desenvolveu depressão clínica aos 15 anos após a morte de seu cachorro, porém, em uma conversa recente com a sua mãe, ela relata que sempre foi uma criança depressiva, a morte de seu animal de estimação foi apenas o gatilho para a doença vir à tona. "Eu tinha quadros depressivos. Tinham meses que eu estava super bem e outros em que eu estava no fundo do poço. Vivi quinze anos da minha vida assim", comenta a youtuber.
Carol conta que seus momentos depressivos eram marcados por alterações no apetite (que variavam entre falta e excesso dele), crises de choro escondidas, diversos meses só ficando na cama e perda o interesse por atividades de que gostava. A psicóloga Ana Gabriela Andriani, doutora pela Unicamp explica que "a depressão é caracterizada por um estado prolongado de tristeza, muitas vezes sem causa aparente. As relações, o trabalho, as atividades de lazer perdem o significado e passa-se a viver uma dificuldade em se projetar no futuro, uma vez que há uma perda no sentido na vida".
Tentativa de suicídio
Em 2016, então com 26 anos, a brasileira foi morar nos Estados Unidos com seu marido, enviada pela empresa que trabalhava para atuar na Flórida. Ao chegar no país, Carol foi diagnosticada com princípio de insuficiência renal. Nesta época, ela estava começando a desenvolver os primeiros sintomas de fibromialgia, doença de fortes dores crônicas pelo corpo, especialmente tendões e articulações, que afeta 2,5% da população mundial, segundo a Sociedade Brasileira de Reumatologia.
"Eu tive um tio que morreu de insuficiência renal, então eu pensei 'caramba, isso é sério e eu tenho'. Então, por causa da crise e dos sintomas da fibromialgia, tive um surto. Peguei uma daquelas velas três pavios, arremessei na parede e, com um dos pedaços do vidro do copinho dela eu tentei me matar. Meu marido me segurou e não sei como ele conseguiu me acalmar. Eu estava sem medicação, porque o remédio tinha acabado e não tinha quem me receitasse porque ainda não estava na época do retorno ao médico".
Essa foi a primeira e única tentativa de suicídio, depois de uma vida inteira de pensamentos suicidas. Após esse episódio, a youtuber adotou um cachorro, largou o emprego e se mudou para a Itália com seu marido e o cãozinho para obter saúde de graça. Depois de sete meses no país, a família decidiu se mudar para Cracóvia, na Polônia, e foi quando aconteceu a pior crise da fibromialgia que ela teve até hoje.
"Quando cheguei na Polônia, em fevereiro de 2018, passamos 22 horas viajando de trem e chegamos em Cracóvia apenas com a casa alugada, sem móveis, às 18 horas. Compramos apenas um colchão e, no dia seguinte, eu já acordei com a crise". Carol conta que eles não tinham carro e que ela precisou fazer tudo pisando apenas com a ponta do pé, porque não conseguia colocar o calcanhar no chão, tudo isso a -22 graus de temperatura. A crise durou cerca de três meses "eu pensava: eu vou me matar ou morrer de tanta dor".
Relação entre depressão e fibromialgia
Segundo a psicóloga Andriani, "a dor crônica, somada ao desejo de reclusão, podem estimular a depressão ao mesmo tempo que a depressão pode aumentar a sensação de dor".
A fibromialgia não só causa dores generalizadas no corpo como também sensação de fadiga, dificuldade em dormir e problemas de memória. O paciente se habitua a conviver com a dor e, somada ao cansaço, pode originar uma depressão.
Segundo a Sociedade Brasileira de Reumatologia, a doença não possui destaque em nenhuma nacionalidade ou condições socioeconômicas. Além disso, ela costuma atingir mais mulheres do que homens e aparece entre 30 a 50 anos de idade, embora existam pacientes mais jovens e mais velhos.
Felipe Mendonça, reumatologista do Hospital Santa Paula (SP), destaca que não há uma explicação para isso "constatamos na prática clínica que as mulheres têm mais fibromialgia, mas não existe ainda uma explicação clara do porquê. O que se discute bastante é que talvez exista uma série de vieses que dificultam a percepção da doença no homem".
O diagnóstico em homens pode ser menos identificado pois eles tendem a procurar menos o médico e a terem menos acompanhamento. O homem costuma sentir menos dor e apresenta mais dos sintomas satélites, como fadiga e o sono alterado. Isso faz com que muitas vezes o médico tenha dúvidas no diagnóstico.
Nikolas Heine, psiquiatra do Hospital 9 de Julho (SP) explica como funciona a relação das duas doenças. "A depressão traz sofrimento ao paciente, que não consegue ver saída. E a fibromialgia também faz isso, limitando o paciente, porque sente muita dor física. Então a doença aprofunda o quadro depressivo".
Tratamentos
Desde o segundo semestre de 2019, Carol Capel não tem mais crises depressivas nem de fibromialgia, portanto, parou o acompanhamento psicológico, psiquiátrico e os remédios. Porém, a youtuber tratou corretamente sua depressão durante os quinze anos que conviveu com a doença —apesar do tempo que ficou sem medicação quando se mudou para a Polônia.
O diagnóstico da depressão é feito a partir da prevalência, na pessoa, da maior parte dos sintomas por um período prolongado (alguns meses) e o tratamento consiste na realização de um trabalho psicoterapêutico e do uso de antidepressivos indicado por um psiquiatra.
A fibromialgia não tem cura, apenas tratamentos. Capel tentou "tudo que está disponível", como alopatia, pregabalina, cannabis em comprimido, microfisioterapia e reprogramação biológica. A medicação não consegue resolver por completo, mas, eventualmente, controla. Ou seja, o paciente tem uma alteração da percepção dolorosa, uma hipersensibilidade de funcionamento do sistema nervoso central e a medicação ajusta essa percepção.
"Normalmente são usados medicamentos para modular o sistema nervoso central, que fazem parte da classe dos antidepressivos, que induzem sono ou medicações anticonvulsivantes. Podem ser usados também relaxantes musculares e analgésicos comuns", finaliza o reumatologista.
Fonte: UOL Viva Bem