Esse assunto dos mais complexos e sensíveis que toca no cerne da sociedade e do mundo moderno, condenado, proibido, rechaçado até mediante pena de morte em muitos países. Contudo, flexibilizado, menos rígidos em outros, tem sido, depois de uma certa letargia temporal, posto em voga para julgamento pelo Supremo Tribunal Federal. Dividindo opiniões nas camadas sociais brasileiras, entre o que apelidamos de progressistas e conservadores dentro da classe política, sóciojurídica de nosso país.
O tema das drogas tem deixado o mundo em alerta permanente, pois através delas formalizaram-se cartéis com presença agigantada do narcotráfico, vilipendiando sociedades, com métodos instabilizadores em quase todas as nações do mundo moderno. Isso culmina verdadeiros genocídios por parte daqueles que partem para o enfrentamento dessa situação estarrecedora, com um simulacro de Estado paralelo, dentro do nosso contexto sócio-político-jurídico aqui e alhures.
Estudiosos, cientistas sociais, classe política e jurídica irmanados têm procurado meios para extirpação desse câncer planetário que nos assola, mas todas essas instituições têm perdido espaços no tocante a essa luta indormida no combate a este sistema perverso de aniquilação da sociedade mundial.
Temos que convir, entretanto, que muitos países se ombreiam associando a essas organizações criminosas, infiltrando-se oficialmente entre os poderes constituídos.
Nosso país, inicialmente, teve uma legislação relativamente dura em relação às drogas, que foi ao longo do tempo flexibilizada entre a diferenciação do “ TRAFICANTE” e do “USUÁRIO”, mediante sucessivas legislações.
No entorno do sub-continente sul americano, onde estamos inseridos, há pontos nevrálgicos dado as nossas fronteiras com países produtores, como Bolívia, Colômbia, Venezuela e outros, que nos deixa numa linha vermelha permanente, não como país produtor, mas como repassador, através de nossos mais importantes portos marítimos para a Europa principalmente e outros tantos continentes importadores. Este tema pela sua alta complexidade, tem sido matéria vencida, tão monstruosa são os tentáculos do narcotráfico no mundo inteiro.
Nosso país já sente a dor social dessa ferida aberta em vários Estados de nossa Federação, aonde a droga é comercializada aos olhos de todos, principalmente do poder público, que já perdeu ou já está quase perdendo “ a guerra” para esse estamento sub social que grassa inclusive, no Estado mais importante do país, São Paulo.
Temos, como exemplo, a célebre “ Cracolândia” que se transformou no ponto turístico dos viciados, traficantes repassadores da cocaína e outras drogas abjetas, se tornando num problema social sem precedentes, logo foi se desenvolvendo na marginalidade urbana no “ bigode” do poder público anos a fio, até se tornar num malefício sem retorno emparedando as autoridades públicas perante um problema não somente social mas de saúde pública, miséria, violência e tantos outros adjetivos similares.
Feitas essas reflexões, vamos adentrar ao papel do nosso Supremo Tribunal Federal que irá enfrentar de um outro viés o que pode ser considerado consumo ou tráfico, mediante a problemática posta ao exame da nossa Suprema Corte, uma vez que o caso foi trazido a análise dos nossos ministros que compõem o mais alto colegiado da justiça de nosso país.
A sessão aconteceu, quatro votos para liberar o porte da maconha para consumo pessoal, entretanto houve a suspensão do julgamento referente a descriminalização para uso próprio, o assunto deverá voltar a julgamento em data ainda não designada.
O Relator Ministro Gilmar Mendes, após ouvir os votos dos colegas, pediu mais tempo para análise aprofundada da matéria, o que foi deferido pela Presidente da Corte Suprema Rosa Weber.
Após uma minuciosa e detalhada tese do Ministro Alexandre de Moraes acerca de seu voto que trata da constitucionalidade da Lei de Drogas, cujo placar de 4 a 0 pela descriminalização, argumentando da necessidade de fixação de uma quantidade mínima tão somente em referência ao uso da maconha, diferenciando o usuário do traficante que seria de 25 a 60 gramas.
O Ministro fez um levantamento estatístico na experiência de outros países no que tange a despenalização do porte de drogas, afirmando a certa altura da peça jurídica a respeito do tema “ que não há uma cartilha correta para tratar da questão ".
O Ministro foi de uma clarividência total quando declara que o Brasil deixou de ser um corredor do tráfico , por onde passam as drogas, para se transformar em um dos maiores consumidores da maconha e o segundo maior consumidor de cocaína do mundo. O Ministro foi mais taxativo quando assevera: “ O Brasil infelizmente hoje é um mercado consumidor extremamente atraente para todos os cartéis do mundo de entorpecentes”.
O Ministro Alexandre de Moraes através de seus estudos que fundamentaram seu voto, disse que as mudanças da Lei de Drogas, produziram efeitos diversos do que se esperava, porquanto uma grande quantidade de usuários, passou a ser presa como traficante. Como dissemos, a proposição foi de 25 a 60 gramas ou seis plantas fêmeas e ainda se reportando ao tema no seu voto, o Ministro diz ser necessário e garantidor a aplicação isonômica da lei, sem levar em conta a cor da pele, classe social, entre os fatores.
Independentemente da criminalização ou não do porte,o STF à luz da lei e dos fatos definirá uma forma objetiva e concreta para diferenciar o usuário do traficante.
Um levantamento do IPEA sugeriu que um critério dessa forma, poderia reclassificar entre 27% a 48% em que a apreensão da maconha se deu como condenação por tráfico, já no tocante as condenações envolvendo a cocaína o número varia de 31% e 37%, segundo a fórmula adotada. Como em todas as instituições humanas, até mesmo no plano religioso, temos as alas progressistas e conservadoras, não seria diferente no judiciário. Grande parte da população é contrária a qualquer flexibilização em matéria do uso da droga, segundo essa parcela, isso se tornaria um canal que se alargaria com o uso continuado no tempo.
Essa parcela seria composta do conservadorismo avesso a mudanças comportamentais históricas das famílias tradicionais e de outra parte, estariam os progressistas que são mutantes de acordo com os novos costumes dentro de uma sociedade instável, cujos comportamentos se adequam a uma realidade duvidosa e controvertida.
O certo é que deveremos tomar uma posição, fixar parâmetros legais, pondo fim a esse feixe de controvérsias no campo social e principalmente na seara jurídica de onde poderá vir a solução definitiva para o caos que se estabelece no mundo atual.
Algumas reações da grande mídia em relação ao início do julgamento do STF, veio do jornal Estado de São Paulo, que achamos interessante tratar nesse momento.
De acordo com o ESTADÃO, não é de competência do STF criar uma nova lei contra as drogas, o problema não está na lei 11.343/2006, e sim no judiciário punitivista que resiste a aplicar a lei como ela foi aprovada, diz o órgão de imprensa.
O Estadão traz à baila que há 17 anos atrás, o Congresso Nacional reduziu a pena do crime de porte de drogas para consumo pessoal.
Realmente, é o que reza o art. 28 da Lei 11.343/2006, " ipsis verbis ", "quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: (i) advertência sobre os efeitos da droga ( ii) prestação de serviços à comunidade ( iii) medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo". Complementa o jornal "nao é uma eventual decisão do STF no RE 635.659 que fará com que o porte de drogas para consumo pessoal não leve ninguém a cadeia". No caso em tela, o judiciário tem resistido em obedecer a vontade do legislador. Magistrados interpretaram de maneira distorcida a legislação , ampliando o conceito de tráfico para englobar o que era porte para consumo pessoal.
Segundo o editorialista do Jornal, no qual, se refere ao voto do Ministro Alexandre de Moraes, o contesta porque não há nada na Constituição diferenciando a maconha de outras substâncias ilícitas, tão pouco a referenciada lei 11.343/2006 fez essa distinção.
De qualquer forma, está posto o contraditorio, segundo o citado editorialista e o respectivo jornal. E como não poderíamos ser exceção, o nosso país se ressente, tal qual muitos outros, ao problema gravíssimo que aflige a sociedade moderna.
Embora tenhamos nossa posição pessoal, não cabe aqui expô-la, vamos esperar a decisão definitiva da Suprema Corte do país, que muito bem avaliará essa problemática sobre todos os ângulos, quando nos manifestaremos.
Brandão de Carvalho
Brandão de Carvalho, autor deste artigo, é desembargador aposentado, escritor e membro da Academia Piauiense de Letras Jurídicas - APLJ.
Fonte: JTNEWS