Cultura

O fantástico conto do avesso; por Flávio de Ostanila

"O suposto servidor finalmente entendeu que, na vida real, ser honesto e eficiente significava manchar a admirável desonestidade e a briosa ineficiência que caracterizavam a máquina pública"

Foto: ZÉ PAULO/JTNEWS
Flávio José é agente penitenciário e escritor (FOTO PARA DESTAQUE)

Era uma vez uma cidade imaginária, de um estado hipotético, de um país de faz de conta. Nessa terra fictícia, havia um servidor público utópico de uma secretaria irreal. 

Foto: Zé Paulo/JTNews
Flávio de Ostanila é policial penal, escritor e professor; bacharel em Direito, Letras Português e Inglês

Aprovado em concurso de provas e títulos, inicialmente o ocupante do cargo supôs que, para ser reconhecido pelo governante, deveria ser competente e seguir a lei e a moral.  

Os anos se passavam, e o incauto trabalhador não recebia nenhuma forma  de reconhecimento nem incentivo. Pelo contrário, era alvo de processos disciplinares que, em um cenário normal, deveriam recair sobre colegas malfeitores. Custava-lhe compreender que o erro, para seus superiores, era a denúncia do ilícito, e não a ilicitude. 

Apesar de tudo, era um incansável sonhador. Esperava pelo dia em que corruptos e demais criminosos fossem ao menos expurgados do serviço público. Não demorava, ele que voltava a ser vítima dos bilontras.

Depois de vinte anos, nove remoções, seis processos, quatro advertências, duas suspensões, um desconto na remuneração, nenhuma promoção e incontáveis calúnias, o suposto servidor finalmente entendeu que, na vida real, ser honesto e eficiente significava manchar a admirável desonestidade e a briosa ineficiência que caracterizavam a máquina pública. 

A propósito, o tolo, enfim, percebia que não eram os homens que eram públicos: o público é que pertencia aos homens. E estes nomeavam chefes e protegiam os séquitos mais ímprobos e incompetentes. 

O ideal servidor agora compreendia que -  quando das injustas punições, a expressão "para o bom andamento do serviço", redigida por seus algozes - o que se queria dizer na verdade era: "para que possamos cometer ilegalidades em paz".

Para nosso alívio - membros da sociedade civil e servidores públicos decentes -, toda essa narrativa não passa de pura e incontestável ficção.

Flávio José Pereira da Silva [Flávio de Ostanila] é policial penal, escritor, bacharel em Direito e professor de Língua Portuguesa.

Fonte: JTNEWS

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