Em 2003, no livro "Vinte mais uma histórias de humor", eu já mencionava o "moita" (aplica-se a todos os gêneros). São indivíduos que, mesmo tendo o dever legal de agir, se omitem. Creio que existam em todas as profissões. Confrontados, apresentam suas justificativas: autopreservação, sossego etc. Não os julgo. É, porém, por conta dessa gente "esperta" que alguns cargos se tornam mais espinhosos àqueles de iniciativa.
Quando se fala de policial, então, é mais comum o desânimo de alguns devido a todo o sistema parecer brigar contra eles. É um trabalho inglório, não importa o quanto honre a farda. Se há uma satisfação, ela é íntima: é saber que faz a coisa certa, independente de opiniões contrárias até mesmo de invejosos e falsos colegas; é sentir a paz no olhar de quem ama; é acreditar que essa aparente tranquilidade resulta de cada ação que executa — ainda que, dentro dele, um turbilhão de sentimentos lhe despedace pouco a pouco a alma.
O bom servidor não escolhe o percurso mais penoso: o sacrifício se lhe impõe; já o covarde calcula a inação uma a uma. Este terá vida confortável, muitas fotos ostentando um cargo que só cumpre no papel e algumas estórias para inflar o próprio ego — um paraíso.
Aquele sobreviverá, dia após dia, "comendo o pão que o diabo amassou". Serão tantas batalhas, externas e internas, que nem conseguirá lembrar todas as histórias; lutas que o consumirão de tal maneira que um clique captará dele apenas um borrão, pois tudo nesse infeliz se dissipará: o corpo, a mente, o espírito, o passado. O homem, que foi um dia, virará um vulto. Ao contrário daquilo reservado ao "moita", ao "caxias" o espera o inferno.
Flávio José Pereira da Silva [Flávio de Ostanila] é policial penal, escritor, bacharel em Direito e professor de Língua Portuguesa.
Fonte: JTNEWS