Uma pesquisa da Universidade de Brasília (UnB) mostrou uma prevalência de 80,7% de COVID-19 entre os internos do Complexo Penitenciário da Papuda. Ao todo, 460 pessoas foram testadas entre os meses de junho e julho de 2020, em estudo coordenado pelo professor Wildo Navegantes, do curso de Saúde Coletiva.
A pesquisa, financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), entrará em uma nova etapa no mês de fevereiro deste ano, quando serão feitos testes no Centro de Detenção Provisória, no complexo da Polícia Civil. “Esse monitoramento consiste em testagem dos ingressantes do CDP que após audiência de custódia deverão seguir para o Complexo Penitenciário da Papuda”, explica o professor.
A expectativa é realizar entre 640 e 1.280 testes até o final desta etapa, que deverá durar quatro meses.
Um dos objetivos é conhecer a dinâmica da transmissão da doença na população privada de liberdade, que possui características próprias, como explica Navegantes: “A densidade populacional é maior que a população comum, o que induz menor distanciamento social, e as celas tem umidade mais alta que outros espaços, o que favorece maior dispersão das gotículas em suspensão. Por vezes, há uma única oferta de ponto de água, o que pode minimizar a lavagem das mãos como medida de controle [da COVID-19], por exemplo.
Além disso, em média, há um menor nível educacional quando comparado a outras populações, o que pode impactar na menor adesão às medidas não-farmacológicas, como o uso de máscaras”.
Outro objetivo do estudo é avaliar os diferentes testes utilizados para o diagnóstico da covid-19. As amostras já coletadas utilizaram dois tipos: o chamado teste rápido, que busca anticorpos a partir de uma gota de sangue coletada na ponta do dedo; e o teste de laboratório (quimioluminescência), em que uma amostra de sangue é coletada da veia braquial e analisada.
Os resultados mostraram que o teste rápido foi menos sensível do que o teste de quimioluminescência, identificando apenas 52% dos casos de infecção.
O projeto conta ainda com a participação de pesquisadores da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), que também irão aplicar testes em internos do sistema prisional do estado sul mato grossense.
Questionado sobre a contribuição deste estudo para a formulação de políticas públicas que fortaleçam o combate à COVID-19, Wildo Navegantes destaca três resultados considerados importantes. “Primeiro, demonstrar que em casos de doenças de transmissão respiratória, coibir ou retardar a entrada de um vírus como esse é primordial, pois as condições de vida favorecem a rápida disseminação. Assim, tanto a população privada de liberdade quanto os policiais e profissionais de saúde que prestam serviço a esta população precisam ser alvos prioritários das medidas de controle", aponta.
"Segundo, com a emergência de novas variantes de preocupação, como a Ômicron, acredito que tanto os policiais e os profissionais de saúde que lá atuam como a população privada de liberdade já deveriam estar imunizados com a terceira dose, principalmente com a grande circulação que há neste momento. Terceiro, os testes rápidos não são tão sensíveis e não devem mais ser usados para entender a magnitude de exposição ao vírus. Quarto, é necessário continuar o monitoramento da infecção nesta população e naqueles que a cercam para tentar reduzir a carga de doença”, completa o docente.
Dose de reforço
Segundo dados da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Distrito Federal, o DF conta com pouco mais de 16 mil internos no sistema prisional. Destes, quase 13 mil estão nas unidades prisionais que integram o Complexo Penitenciário da Papuda.
Em abril de 2020, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) instituiu uma comissão provisória para acompanhar os desdobramentos da pandemia de covid-19 no Sistema Prisional do DF. Até dezembro de 2021, os internos estavam nos grupos prioritários para a vacinação, porém, o Ministério da Saúde alterou o Plano Nacional de Imunização e retirou a população privada de liberdade da lista. Os funcionários do sistema prisional foram mantidos.
No DF, no início do mês de janeiro deste ano, os internos começaram a receber a dose de reforço da Janssen e da Pfizer. No entanto, no último dia 11, as visitas presenciais foram suspensas pela Secretaria de Administração Penitenciária como medida de prevenção e enfrentamento à covid-19 e ao vírus da influenza. A suspensão vigora até esta segunda-feira (31).
COVID-19 no Distrito Federal
A pesquisa junto aos internos do Complexo Penitenciário da Papuda integra um amplo projeto conduzido por Wildo Navegantes, que busca entender a intensidade da transmissão da COVID-19 em populações de diferentes estratos sociais. Além do monitoramento junto aos internos, o professor também vem avaliando o problema entre moradores da Estrutural e de São Sebastião, além de catadores de resíduos sólidos.
Financiado pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAP-DF), o projeto já realizou testes nas regiões administrativas e detectou uma alta prevalência do vírus Sars-Cov-2 entre os moradores da Estrutural. Os dados de São Sebastião ainda estão em fase de análise.
Ao todo, sete professores atuam nos estudos, além de cinco pós-doutorandas, uma doutoranda, quatro estudantes de mestrado e 11 estudantes de iniciação científica. As iniciativas contam ainda com colaborações da Faculdade UnB Ceilândia, do Núcleo de Medicina Tropical, do Hospital Universitário da UnB, da Secretaria de Saúde do DF, da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do DF e do Ministério da Saúde.
Fonte: JTNEWS com informações da UnB