A RESOLUÇÃO DO CONANDA
O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), por meio da Resolução nº 249, de 10 de julho de 2024, proibiu o acolhimento de menores de 16 anos em comunidades terapêuticas acolhedoras. Segundo a Resolução, será preciso identificar todas as crianças e adolescentes que estão internados em comunidades terapêuticas e o governo deverá elaborar um plano para encaminhá-los para atendimento em uma “instalação física adequada”. E para os casos de urgência e/ou emergência, a recomendação do CONANDA é que o atendimento/acolhimento ocorra em Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), hospitais gerais ou Unidades de Acolhimento Infanto-Juvenil de Saúde (UAI).
Algumas manifestações contra a Resolução nº 249:
A Confederação Nacional de Comunidades Terapêuticas (CONFENACT) publicou uma Nota de Repúdio aos termos e às disposições estabelecidas pela Resolução nº 249 do CONANDA:
“Diante desses pontos, reiteramos nosso repúdio à Resolução Nº 249, de 10 de julho de 2024, do CONANDA, e apelamos para que a UNIÃO, seus Ministérios envolvidos, representantes como Deputados e Senadores se unam para que melhores decisões sejam tomadas, a fim de que ocorra a sua urgente revogação. E que há diversas questões judiciais que pendem de conciliação, esclarecimentos e definições no contexto do andamento da ACP em trâmite perante o TRF5, portanto, no atual cenário faltam elementos seguros para tomada de quaisquer decisões afetas aos adolescentes, e, decisões emanadas de atores de políticas públicas, na calada da noite, precipitadas, imaturas, impensadas e irresponsáveis, somente pioram o quadro dos adolescentes que passam e estão na dependência química. A CONFENACT entende ser imprescindível que as decisões referentes ao acolhimento de crianças e adolescentes em comunidades terapêuticas sejam conduzidas dentro dos parâmetros legais e com a devida participação das diversas esferas da sociedade, especialmente do segmento envolvido”.
A Federação Brasileira de Comunidades Terapêuticas (FEBRACT) publicou uma nota pública de esclarecimento sobre o conceito de Comunidade Terapêutica (CT):
“Por fim, a FEBRACT, no seu papel institucional tem o dever de esclarecer a opinião pública que o nome “comunidade terapêutica “ embora seja usado como “nome” das mais diversas instituições, trata-se de um modelo e método com conhecimento acumulado em 60 anos de história nas Américas, na Europa, nos continentes Africano e Asiático e há 50 anos no Brasil desde as mãos do saudoso Padre Haroldo Ham (1919-2019).
As principais características do modelo e metodologia, adequadamente descritos no Manual de Instalação e Funcionamento de Comunidades Terapêuticas do CONED – SP – 2020, garantem:
- Todo acolhimento em CT é exclusivamente voluntário, sendo que o usuário pode desistir do processo a qualquer momento, sem sofrer nenhum tipo de constrangimento.
- Indivíduos com sintomas psicóticos, sinais de intoxicação aguda ou de síndrome de abstinência grave, não devem ser admitidos na CT, assim como os indivíduos com agravos de saúde ou níveis de comprometimento cognitivo graves, devendo ser referenciados para outros equipamentos da Rede de Atenção Psicossocial – RAPS.
- O acolhimento na CT é de caráter residencial transitório, ou seja, deve existir tempo máximo de permanência e mecanismos que garantam a possibilidade de saída do usuário com recursos internos e externos que possibilitem a sua autonomia.
- Todos os direitos constitucionais e humanos do indivíduo devem ser garantidos e preservados dentro da CT.
Os Parlamentares também se manifestaram
Frente Parlamentar em Defesa das Comunidades Terapêuticas: Confira aqui a nota
Frente Parlamentar Evangélica: Confira aqui a matéria completa
Frente Parlamentar Evangélica no Congresso Nacional: Confira aqui a nota
Projeto de Decreto Legislativo, PDL 322/2024
Logo após a publicação da nota, parlamentares apresentaram o Projeto de Decreto Legislativo, PDL 322/2024, que tramita na Câmara dos Deputados para suspender a Resolução nº 249 do CONANDA. O projeto alega desrespeito a inúmeras disposições constitucionais, legais e judiciais, colocando em gravíssimo risco o direito inalienável à vida e à saúde garantidos pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) aos adolescentes, em especial àqueles com problemas em decorrência do uso, uso abusivo e dependência do álcool e outras drogas, com as seguintes razões para a sustação da Resolução: Falta de Competência Constitucional para Estabelecer Proibições; Garantia Legislativa do Acolhimento em Comunidades Terapêuticas; Direito Inalienável à Vida e à Saúde do Adolescente; Decisões Judiciais; Atendimento aos Ditames da Lei nº 10.216/2001; Eficácia e Reconhecimento do Modelo Comunidade Terapêutica.
Será que existem vagas suficientes no SUS?
Os dados da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) do SUS demonstram que, no Brasil, só existem 25 unidades de acolhimento infanto-juvenil (UAI) habilitadas, com capacidade para acolher até 10 pessoas, totalizando 250 vagas no Brasil.
Será que as UAI e CAPSi e CAPS ad III Álcool e Drogas são as únicas instituições com expertise para acolher crianças e adolescentes usuários de drogas?
No artigo Porta giratória no acolhimento de crianças e adolescentes usuários de drogas: desafios e manejos, realizado com profissionais de UAI e de CAPSiAD, Unidades de Acolhimento Infanto-Juvenil, as autoras indicam problemas relacionados à dificuldade de entendimento sobre as funções do equipamento por parte da RAPS e até a falta de retaguarda para assistência a esse público. A desarticulação dos serviços pode promover um cuidado fragmentado, sem o foco na reinserção social e na comunidade e que desconsidera a singularidade dos usuários. Essa configuração contribui para inserir o dispositivo no fenômeno conhecido como “porta giratória”, relativo a processos de institucionalização dessa população.
O termo porta-giratória refere-se às frequentes re-hospitalizações de pacientes psiquiátricos, que segundo as autoras reflete um conjunto de desarticulações: entre as instituições, falta de vínculo familiar, baixa adesão à UAI, subfinanciamento, falta de apoio social, preconceito da sociedade, judicialização da saúde e falta de acessibilidade a serviços e equipamentos de saúde.
Para onde irão os adolescentes que estavam em tratamento contra dependência química nas Comunidades Terapêuticas?
Estima-se mais de 1000 vagas para adolescentes no Brasil, entretanto, com essa resolução do Conanda encerram-se todas as vagas para os adolescentes.
O Governo Federal
No início de 2023, o Governo Federal criou o Departamento de Entidades de Apoio e Acolhimento Atuantes em Álcool e Drogas – DEPAD e mantém contratos com comunidades terapêuticas, vinculado à Secretaria Executiva do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome – MDS, que apoia as ações de cuidado e de tratamento de usuários e dependentes de drogas, em consonância com as diretrizes e as orientações da Política Nacional Sobre Drogas e do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas.
Todavia, o Departamento possui contratos somente com comunidades terapêuticas que acolhem pessoas adultas do gênero masculino, feminino, incluindo mães nutrizes, não financiando mais vagas para acolhimento de crianças e adolescentes.
Em 2023, o MDS, por meio do DEPAD, financiou aproximadamente 300 vagas para adolescentes, entretanto, em face de Ação Civil Pública, finalizou o financiamento de vagas para adolescentes, restando as vagas ofertadas por conta própria das entidades, ou através dos contratos firmados entre as comunidades terapêuticas com entes municipais e estaduais.
As Comunidades Terapêuticas
As Comunidades Terapêuticas são instituições privadas, sem fins lucrativos, integrantes do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad), com caráter intersetorial e interdisciplinar, que prestam serviços de acolhimento residencial, de caráter transitório, com adesão e permanência voluntárias de pessoas com transtornos decorrentes do uso, abuso ou dependência de substâncias psicoativas. Integram também a Rede de Atenção Psicossocial (Raps) do Sistema Único de Saúde de forma intersetorial, atuando, ainda, de forma complementar no Sistema Único de Assistência Social (SUAS.
As Comunidades Terapêuticas realizam suas atividades em prol da plena recuperação de seus acolhidos, seu trabalho está fundamentado em um sólido arcabouço legal e normativo, previsto no art. 26-A, da Lei n.º 11.343, de 23 de agosto de 2006, alterada pela Lei n.º 13.840, de 05 de junho de 2019.
Qual é o arcabouço legal para o acolhimento de adolescentes em Comunidades Terapêuticas?
- Inciso VI do art. 101 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), norma hierarquicamente superior à resolução do CONANDA.
- Lei nº 11.343/2006, pelo §3º do art. 23-B, com a redação dada pela Lei nº 13.840/2019, estabelece responsabilidades civis, administrativas e criminais para pais ou responsáveis que não participarem do processo de construção do Plano Individual de Acolhimento, também no caso das comunidades terapêuticas a que se refere o art.26-A da Lei nº 11.343/2006.
- Decisão de Primeira Instância do TRF5, que admite destes acolhimentos, desde que amparadas medida judicial, o que não foi observado na Resolução do CONANDA.
- Agravo de Instrumento nº 0016133-39.2016.4.03.0000/SP, legalmente declarado, por unanimidade, desde que obedecidas as disposições do ECA, fato este também desconsiderado na Resolução nº 249/2024 do CONANDA.
Risco de não garantir o direito inalienável de vida e saúde
O maior problema é este, a falta de estrutura adequada e suficientemente distribuída no território nacional para o grave problema de dependência do álcool e outras drogas, com grave risco de não se garantir ao direito inalienável de VIDA e de SAÚDE. Cabe observar que o problema das drogas é um problema pediátrico, pois, conforme o Segundo Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (II LENAD), a maioria dos usuários começa a usar antes dos 18 anos, sendo que do total de usuários, 62% para usuários de maconha e 45% para a cocaína começaram a usar antes dos 18 anos.
DEPOIMENTOS SOBRE A RESOLUÇÃO 249:
“Eu, como mãe de um viciado, eu sei que passei. E posso me colocar no lugar de outras mães também. Não sei nem o que dizer, sinceramente. Acho isso uma vergonha. Porque, infelizmente, o vício das drogas não destrói só o adolescente; é toda uma cadeia que vai junto. Recentemente, uma mãe se suicidou, porque o filho de 15 anos está em um vício tão grande que começou a tirar tudo de dentro de casa para vender e sustentar o vício. O celular dela foi roubado e ela não teve tempo para se ajudar e de ajudar o próprio filho. E infelizmente, agora vem essa resolução querendo impedir que a gente cuide da nossa família.” (Mãe Aurora. Nome fictício)
“Como profissional que atuou em comunidades terapêuticas, posso afirmar que essa forma de acolhimento resgata não só das ruas, mas a dignidade de adolescentes que, por via das circunstâncias da vida, foram privados de oportunidades e de mediadores que lhes apresentem um modelo de vida alternativo ao do mundo do tráfico e consumo de drogas. Penso que políticas públicas devem valorizar iniciativas que protejam e ofereçam ao adolescente com transtorno por uso de álcool/drogas e sua família, novas chances de fortalecer vínculos e ampliar horizontes. Aos que têm poder para mudar rumos de vida pela oferta de propostas que visam a saúde mental de adolescentes, julgo importante considerarem seu acolhimento em comunidades terapêuticas sérias.” (Osvaldo Christen Filho, psicólogo)
“É um retrocesso. Como vai ficar a situação dos adolescentes e seus familiares que sofrem diariamente com a destruição da dependência química e suas consequências? Quando um familiar procura o serviço de uma comunidade terapêutica é porque o adolescente muito provavelmente abandonou os estudos, reduziu suas atividades sociais ou recreativas, dificuldades com regras, gerando um prejuízo e sofrimento mútuo. Temos poucas opções de tratamento para adolescentes com transtornos decorrentes do uso de substâncias psicoativas, ao invés de proibir o acolhimento em CT, devemos aprimorar os serviços prestados, principalmente trabalhar em rede e os órgãos competentes fiscalizar regularmente. É nosso dever promover ações que garantem o direito dos adolescentes e seus familiares de optarem pelo tratamento adequado e humanizado, conforme suas necessidades e demandas.” (Rodrigo Morfim, Psicólogo)
A pergunta que não quer calar:
A Resolução nº 249 do CONANDA deixou um hiato sobre o que acontecerá com os adolescentes que estavam em tratamento contra a dependência química em Comunidades Terapêuticas. Existem vagas para todos ou serão literalmente jogados nas ruas?
E você, cidadão? O que acha dessa decisão de impedir o acolhimento de adolescentes que sofrem com as drogas?
Fonte: JTNEWS