O governo de Rondônia incluiu leitos clínicos e de UTI inativos em relatórios diários de ocupação de hospitais com pacientes com COVID-19 durante os meses de dezembro e janeiro. O objetivo teria sido o de evitar que, por falta de leitos, o estado fosse obrigado a decretar medidas de isolamento social mais rígidas.
Atualmente, a capital do estado, Porto Velho, enfrenta um colapso na saúde pública pelo excesso de casos e precisa transferir pacientes por falta de vagas em unidades.
A denúncia foi feita pelo Ministério Público estadual (MP-RO), que iniciou nessa terça-feira (26/01) um inquérito civil público para aprofundar as investigações e apontar os responsáveis pela inclusão dos números nos documentos.
O governo do estado afirmou que "a metodologia para confecção desses relatórios durante o tempo de pandemia foi sendo gradualmente aperfeiçoada com vista a retratar com mais fidedignidade a realidade de ocupação dos leitos. Eventual variação da taxa de ocupação dentro do mesmo dia não tem potencial para interferir diretamente na reclassificação dos Municípios nas fases do Plano Todos por Rondônia."
Os dados incluídos nos relatórios se referem a 30 leitos de UTI e 23 clínicos do Hospital de Campanha da Zona Leste, que foi desativado em 14 de outubro, ao fim da primeira fase da pandemia. No local, hoje, até existem camas e equipamentos, mas não há médicos para abrir os leitos aos pacientes.
"Para poder camuflar os dados do relatório eles continuavam lançando esses leitos, mesmo estando inativos. E não só estavam inativos, como não havia nem sequer a possibilidade de ativá-los a qualquer momento por absoluta falta de profissionais médicos", afirma Geraldo Henrique Guimarães, promotor e coordenador estadual da força tarefa da COVID-19 do MP-RO.
O governo do estado afirmou ainda que acredita que "tal situação tenha sido uma falha de interpretação por falta de conhecimento técnico-científico, gerando uma ação precipitada e isolada de um único membro do Ministério Público do Estado".
Em vídeo divulgado na segunda-feira (25/01) pela assessoria de imprensa, o secretário de Estado da Saúde, Fernando Máximo, confirma – sem citar local – que possui leitos que não podem ser operados por falta de profissionais. "Seguimos aguardando médicos, porque temos leitos de UTI prontos com todos os equipamentos e demais profissionais aguardando somente os médicos", afirma.
Estado entrou em colapso
Sem medidas de isolamento mais rígidas entre deze'mbro e janeiro, o estado viu o número de casos crescer e enfrenta hoje um colapso na rede pública de saúde. Há ainda fila de espera de pacientes, que aguardam uma vaga em um hospital para iniciar o tratamento. "As adulterações já evidenciadas fizeram com que perdêssemos tempo precioso para nos prepararmos para o pior", afirma Guimarães.
O promotor explica que, logo que assumiu as promotorias de saúde no dia 20 de dezembro, detectou que os relatórios diários apontavam mais leitos do que a rede possuía. A partir daí, o MP iniciou um monitoramento dessas divulgações.
Guimarães conta que, no dia 1º, teve uma "segunda evidência" de que a fraude no número de leitos estava ocorrendo.
"O promotor de plantão detectou duas ou três pessoas na fila de espera na madrugada, sendo que no relatório diário apontava a existência de 15 leitos vagos. Foi quando eu conversei com o secretário [de Saúde, Fernando Máximo] e falei: 'Olha, tem alguma discrepância aí. Os leitos que os senhores indicam no relatório diário não estão coincidentes com a realidade.' Eu inclusive o alertei da consequência do crime de falsidade ideológica. Eles estavam adulterando um relatório que poderia levar, de uma hora para outra, o nosso estado a uma situação caótica, a exemplo de Manaus", diz.
Fraude seria para evitar medidas
Para o promotor, a fraude teve como objetivo principal evitar que a cidade de Porto Velho regredisse de fase nas medidas de isolamento. Segundo o plano estadual de medidas, quanto maior a ocupação de UTIs, mais ações de isolamento são previstas.
"Procurei o secretário de novo e fiz outro alerta: vocês estão adulterando o relatório para não ter que regredir Porto Velho, ou seja, para não contrariar os interesses dos comerciantes, dos empresários. Foi quando eu dei um 'xeque-mate' neles. Eu falei: os senhores vão responder por falsidade ideológica se continuarem adulterando o relatório", assegura.
Com os dados de leitos ampliados artificialmente, no dia seis de janeiro o governo do estado fez uma reunião com seu comitê para reclassificar Porto Velho – que ali já apresentava alta de casos de COVID-19.
Eles, aproveitando-se dos resultados fraudados, regrediram Porto Velho apenas para a fase dois, que permite ficar quase tudo aberto. Naquele dia, com os dados fraudados, estava 67% de ocupação dos leitos, contando os 30 leitos. Se tirássemos os leitos fraudados, iria para ocupação de UTI de 87,5%, o que teria levado automaticamente para a fase um – e era isso que eles não queriam."
No dia seguinte à reunião, diz o MP, o estado corrigiu os dados nos relatórios. "Eles fizeram isso depois da decisão da mudança de fase. Foi quando eu percebi e falei: 'Nossa, isso é gravíssimo'", conta.
Diante da explosão de novos casos, um decreto com isolamento social restritivo foi publicado apenas no último dia 16, quando o governo regrediu Porto Velho para a fase 1. "Antes disso, nós nos reunimos novamente, e eles regrediram para a fase um após a cobrança do MP. Só que daí já era tarde demais", revela.
Fonte: JTNEWS com informações do UOL Notícias