Política

TV de R.R. Soares é acusada de assédio eleitoral e de favorecer Bolsonaro

Segundo funcionários, RIT teria dito que, se Lula ganhar, eles perderão o emprego; procurada, empresa não respondeu

Foto: Carolina Antunes
presidente Jair Bolsonaro ao lado de R. R. Soares durante cerimônia de celebração de 40 anos da Igreja Internacional da Graça de Deus, em fevereiro de 2020

Funcionários da Rede Internacional de Televisão (RIT), emissora a serviço do missionário R.R. Soares, dizem ter recebido orientações para favorecer o governo de Jair Bolsonaro (PL) na programação.

Foto: Carolina Antunes
presidente Jair Bolsonaro ao lado de R. R. Soares durante cerimônia de celebração de 40 anos da Igreja Internacional da Graça de Deus, em fevereiro de 2020

Afirmam ainda escutar que, se Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ganhar o pleito, correm sério risco de ficar sem emprego. Seus superiores, segundo eles, usam a fake news de que o petista teria planos de fechar igrejas para justificar a possível demissão em massa. O canal é ligado à Igreja Internacional da Graça de Deus.

As denúncias chegaram ao Sindicato dos Jornalistas de São Paulo e foram encaminhadas ao Ministério Público Eleitoral. A Folha conversou com dois profissionais do núcleo de jornalismo que confirmaram esse quadro. O jornal também procurou a RIT, para ouvir sua versão, mas não obteve resposta.

Um funcionário disse que existem orientações para dar roupagem positiva a notícias potencialmente danosas ao presidente, que tenta se reeleger com apoio de R.R. Soares e praticamente toda a liderança evangélica graúda do Brasil.

Por exemplo: os jornalistas não poderiam dizer que a gasolina aumentou pela décima vez seguida ou que a inflação está nas alturas. A informação teria que ser embalada para minimizar danos eleitorais, afirmam eles. Melhor falar que o preço da gasolina subiu após ficar três meses em estabilidade ou que a inflação desacelerou nos últimos dias, e a queda foi percebida no leite, no óleo e no arroz.

A procuradora regional do Trabalho Adriane Reis de Araújo, da Coordigualdade (Coordenadoria de Promoção da Igualdade no Trabalho), diz que a ameaça velada de desemprego caso um candidato ganhe configura assédio eleitoral.

Há uma relação assimétrica entre chefia e subordinados, o que fragiliza um dos lados, explica. Sugerir que o empregado pode perder sua fonte de renda se um candidato vencer é uma "ação que busca induzir, manipular e gerar uma desigualdade em que você dirige efetivamente o voto da pessoa", afirma.

O jornal teve acesso a mensagens em que funcionários da RIT falam sobre as diretrizes para beneficiar o presidente, e nem sempre se mostram contentes com elas. Há um áudio em que a chefe de jornalismo reclama da insistência para evitar as notícias prejudiciais.

"Já falei pro pessoal, vamos falar que o coala morreu, que o coala deu mais um filhotinho no zoo, e esquecer que tem queimada na Amazônia, matando índio, tem que esquecer que Bolsonaro só fala merda. Então assim, é isso que é pra pôr? Então é isso que vai ter."

Com sede em São Paulo, a RIT funciona como uma concessão pública concedida a partir de Dourados (MS). Em seu site, apresenta-se como uma emissora "totalmente baseada em valores cristãos", que "sempre direcionou sua grade de programação para boas notícias através de seu núcleo jornalístico". Segundo o mesmo texto, ela está disponível em 289 canais abertos pelo país, em operadoras de TV por assinatura e por streaming na internet.

No dia seguinte ao primeiro turno, um telejornal da casa deu mostras do viés bolsonarista adotado pelo canal. Destacou que a Bolsa subiu mais de 5% e o dólar desabou com o resultado, que colocou o presidente numa situação bem mais confortável do que a prevista. Disse ainda que o governo iria antecipar o pagamento do Auxílio Brasil e do vale-gás, medidas consideradas eleitoreiras, e ressaltou as discrepâncias entre pesquisas e a votação de Bolsonaro.

Um analista político disse que "esses institutos, quando erram, só erram de um lado", ecoando a ofensiva bolsonarista para desacreditar os institutos de pesquisa. Esses ataques ignoram que um levantamento eleitoral nunca se predispõe a adiantar o desempenho dos candidatos, e sim registrar tendências de voto no dia em que é feito. Elas podem mudar de última hora, e ainda há fatores extras nessa equação, como a abstenção.

O telejornal é apresentado por Alexandre Giachetto, ex-Record e ex-SBT. Profissionais creditam os pedidos para manobrar o noticiário em prol de Bolsonaro a ele, ao editor-chefe Hélio Jacintho e a Edjail Kalled Adib Antonio, diretor-geral do canal integrado à igreja neopentencostal de R.R. Soares.

A reportagem enviou mensagem para os três e foi informada de que Kalled havia encaminhado o contato da repórter para a direção da emissora, que daria uma resposta. A reportagem, no entanto, não recebeu um retorno até a publicação do texto.

Acima do trio há a família do missionário, representada pelos filhos David Soares e Marcos Soares, eleitos deputados federais pelos diretórios de São Paulo e Rio do União Brasil.

Em 2021, David, que já é parlamentar, apresentou a emenda que concedeu anistia em tributos devidos por igrejas, uma dívida bilionária. Dados da Procuradoria-Geral da Fazenda mostravam na época que a Igreja da Graça devia cerca de R$ 160 milhões.

A equipe econômica do governo havia recomendado barrar o perdão tributário. Bolsonaro afirmou, na ocasião, que era obrigado a dar o veto presidencial à proposta, pois caso contrário poderia sofrer um impeachment por desrespeitar as leis de Diretrizes Orçamentárias e Responsabilidade Fiscal. Num aceno a aliados evangélicos, ele próprio, contudo, estimulou o Congresso a derrubar seu veto, o que acabou sendo feito.

A cobertura favorável da RIT à administração bolsonarista já era nítida durante o primeiro ano da pandemia. Mensagens mostram que Giachetto disse não querer ver João Doria, que governava São Paulo e tinha virado desafeto do presidente, "nem pintado a ouro" quando um editor lhe perguntou sobre a melhor forma para reportar uma reunião de Bolsonaro com líderes de Executivos estaduais do Sudeste.

A chefia teria desaconselhado reportagem sobre a construção de um hospital para infectados pela Covid-19 em São Paulo. Como justificativa, teria entendido que não seria um assunto de saúde pública, e sim marketing para a gestão Doria. Por outro lado, existiriam recomendações para emplacar matérias sobre cloroquina, remédio comprovadamente sem eficácia contra a doença, mas defendido por Bolsonaro, e pessoas curadas pela fé.

R.R. Soares é aliado de Bolsonaro e também já recepcionou, em culto, o ex-ministro Tarcísio de Freitas (Republicanos), que disputa o governo de São Paulo.

Em agosto, a Folha mostrou que a FIC (Fundação Internacional de Comunicação, braço midiático da igreja de R.R. Soares) é alvo de ação proposta pelo Ministério Público do Trabalho, que traz acusações de violência psicológica, discriminação por idade, gênero, raça e orientação sexual, imposição de padrões de beleza a funcionárias e diversas outras infrações trabalhistas.

Fonte: JTNEWS com informações da Folha de S.Paulo

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