A diretora de Inovação Médica e Saúde Digital do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, Carolina da Costa, faz questão de parar para ouvir uma história nova por dia, não importa quão ocupada esteja. "Pode ser de qualquer pessoa - e não precisa ter uma relação direta com o meu trabalho", diz.
Segundo ela, permitir-se sair do próprio mundo e se conectar com alguém é uma das fontes mais valiosas de aprendizado e inovação.
Formada em Administração Pública, mestre pela FGV e PhD na Rutgers University, ela superou medos e incertezas para trocar o setor da educação pelo sistema financeiro em meio à pandemia e, há quase dois anos, iniciou uma nova jornada na área da saúde. "Uma coisa que sempre me moveu e está em todos os lugares por onde eu passei é o impacto social pela redução de desigualdade. A agenda de saúde é muito rica nesse contexto", afirma ela, que tem mais de 20 anos de experiência em projetos e organizações de alto crescimento, sem fins lucrativos e de alto impacto.
No Oswaldo Cruz, uma de suas ambições é fazer parcerias com outros hospitais beneficentes para ampliar o programa de formação técnica de baixo custo para jovens. Em entrevista para a Época Negócios, a executiva explica por que o hospital vem oferecendo esse treinamento a milhares de pessoas, sem exigir formação específica.
- Época NEGÓCIOS - Trouxemos para você uma pergunta da Glaucia Guarcello Alves, diretora de inovação da Deloitte Brasil: uma mulher e líder de inovação enfrenta resistências e desafios corporativos, ainda mais em mercados em que os riscos são levados tão a sério, como o da saúde. Como lidar com a resistência e inspirar a adoção de inovações de fato?
Carolina da Costa: Obrigada à Glaucia pela pergunta. A agenda de inovação é complexa, ao mesmo tempo, estratégica, econômica e política. Ou seja, tem que estar conectada ao futuro do negócio, ser pautada em um modelo econômico que viabiliza o curto prazo, mas sem perder de vista o capex necessário para a transformação a longo prazo e, sobretudo, estar atrelada a uma governança sólida para promover e desafiar os modelos mentais vigentes.
Muitas empresas subestimam a dimensão política achando que basta criar um orçamento e uma “área” para instituir uma cultura de inovação. Sem uma governança orientada à inovação e apoiada pela alta liderança, os profissionais à frente das transformações tendem a encontrar muitas resistências e sofrer isolamento - por mais resilientes que sejam - pela tendência dos negócios à manutenção do status quo.
- O que você traz para o setor da saúde a partir da sua experiência em outras áreas?
Carolina: O setor da saúde tem muitas especificidades e tenho muito a aprender. Mas existem temas que são transversais em vários mercados. Por exemplo: a agenda de inovação requer uma visão de rede, parcerias, construção de conceitos de hubbs, a conexão com uma agenda de educação, de como transformar os modelos mentais para as pessoas olharem o que fazem sob novos prismas. Há ainda uma agenda importante de viabilidade econômica, e, acima de tudo, de multistakeholder, para buscar incentivos e alinhamentos intrasetoriais e extra setoriais. Ou seja, quem pode se beneficiar dessa agenda?
Uma coisa que sempre me moveu e está em todos os lugares por onde eu passei, que é a minha missão no mundo, é o impacto social pela redução de desigualdade. A agenda de saúde é muito rica nesse contexto. Primeiro, ela pode ser um lugar de inclusão do jovem e de formação de futuros profissionais. Temos 12 milhões de jovens hoje sem trabalho e sem estudo no Brasil. A saúde é um setor que pode capacitar e absorver muito dessa mão de obra. E as tecnologias podem estar à serviço do maior acesso à saúde. O engajamento em oferecer excelência acessível me encantou no Oswaldo Cruz. Por sermos um hospital sem fins lucrativos e estarmos a serviço da sociedade, queremos gerar pesquisa e conhecimento que leve à longevidade com qualidade para todos e isso é totalmente conectado com a minha essência como ser humano e profissional.
- Quais exemplos dessa excelência acessível você destacaria?
Carolina: Somos um dos cinco hospitais de referência do Brasil que apoia o Sistema Único de Saúde, o SUS, via Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional (Proadi). Isso é maravilhoso porque basicamente aportamos educação a serviço de levar uma saúde de qualidade para a população carente via SUS. Temos o compromisso de compartilhar com todo o público o conhecimento obtido, seja em pesquisa ou em avanços na medicina.
Também direcionamos inovação para impacto. Tivemos alguns projetos interessantes no Centro de Inovação na época do covid-19, como a criação de um adaptador para os BiPAPs, aparelhos de ventilação mecânica não-invasiva. Eles permitiram que 100 pacientes da UTI diminuíssem a dispersão do vírus no ambiente. Estamos com projetos grandes de organizar os dados sobre protocolos de atendimento a doenças para gerar conhecimento que melhore a saúde das pessoas. Internamente, temos uma plataforma chamada Fábrica, onde promovemos o Intraempreendedorismo, inovação em toda a organização, que não se limita a um pequeno grupo ou a uma só pessoa. No que diz respeito às inovações, grande parte do nosso corpo clínico se dedica também à pesquisa.
- Quais outras inovações foram desenvolvidas no hospital durante a pandemia?
Carolina: Estudos comprovam que o burnout se intensificou muito nas mulheres por conta do do contexto do trabalho e família. Sabendo que essa é uma agenda muito urgente nas organizações, o Oswaldo Cruz se mobilizou para organizar um conjunto de conhecimento nessa direção e lançamos um curso chamado "Socorristas de Saúde Mental" para capacitar profissionais independente de terem formação em Psicologia. Esse socorrista consegue identificar quem precisa de ajuda na saúde mental e encaminhar para o tratamento mais adequado. Com o patrocínio da Johnson & Johnson, mais de 12 mil pessoas participaram desse programa no auge da covid-19. Desde que o projeto começou, no ano passado, instalamos três ambulatórios físicos de saúde mental em empresas.
- O hospital foi contemplado, em fevereiro, com o selo de certificação da Women on Board, que reconhece ambientes corporativos com a presença de mulheres em conselhos consultivos ou de administração. Mas, dos dez membros do Conselho Deliberativo do Hospital, apenas duas são mulheres. Quais são as conquistas do hospital em termos de diversidade e inclusão e o que está sendo feito para melhorar?
Carolina: Ter duas mulheres no conselho (deliberativo) já nos coloca no extrato daqueles pouquíssimos conselhos do Brasil com duas mulheres. Mas não é só. O hospital sai na frente na representatividade feminina na liderança: no comitê executivo, metade são mulheres. Estamos desenvolvendo um programa grande de diversidade. Mas, nesse tema, devemos ter a humildade de admitir que estamos sempre devendo. Temos um imenso desafio que não é só na representatividade, mas no crescimento em carreira e desenvolvimento.
Um dos meus grandes orgulhos aqui é a formação técnica de jovens. Nossa ambição é que, cada vez mais, eles sejam os nossos futuros funcionários, refletindo a representatividade racial do país. Com dois anos de formação de baixo custo, eles já estão aptos para o seu primeiro emprego na área da saúde.
Começamos recentemente, então, empregamos ainda 40% dos formandos, uma porcentagem que eu gostaria que dobrasse nos próximos anos. Muitos hospitais beneficentes podem ser nossos parceiros e nos ajudarem nessa empregabilidade porque é o que precisamos fazer pelos nossos jovens hoje no Brasil: formá-los e empregá-los em setores em crescimento. Minha ideia é fazer uma grande coalizão de parceiros comprometidos com a formação de excelência profissionais da saúde para podermos dar ainda mais acesso e bolsas de estudo.
- Qual palavra da moda, frase pronta ou clichê corporativo você não aguenta mais ouvir? Por quê?
Carolina: Não aguento mais ver temas sistêmicos serem tratados como checklist. Diversidade, por exemplo, não é simplesmente fazer um check list: ter tantas mulheres, negros, LGBT, fazer programa disso e daquilo… Não é assim. Deveria ser um modelo organizacional que abarque como essas pessoas são desenvolvidas e retidas, e como participam no processo decisório, ou seja, se elas estão realmente integradas no sistema. O professor Hélio Santos, que advoga nas causas raciais, usa uma expressão que eu adoro: "tratar temas complexos como salada de fruta". Tem mamão, manga, maçã… Mas o nível de complexidade é muito maior do que isso.
- Qual foi a sua melhor decisão profissional? E a pior?
Carolina: A melhor foi buscar sair da zona de conforto. E, a pior decisão, o medo de sair dela. Por exemplo, depois de 13 anos na área de educação - eu era vice-presidente do Insper -, aceitei um desafio no mercado financeiro. Parece que não tem nada a ver, apesar de a pauta de educação estar em todos os temas e andar grudada com a inovação. Mas foi uma decisão bastante diferente do que se espera de alguém que estava em um setor há tanto tempo e isso, obviamente, me causou muita angústia e medo. Olhando para trás, vejo quanto foi importante para ampliar o horizonte e aprender novas ferramentas que, hoje, inclusive, consigo trazer para o hospital.
Quase tudo o que envolve inovação envolve também o desafio da viabilidade econômica, de conciliar diferentes agendas de investimento, juntar o capital privado com o capital filantrópico ou capital voltado mais a longo prazo, uma mistura de temas que o mercado financeiro traz. Assumi o risco e hoje não me arrependo em nada. Não foi fácil porque, na época da mudança, veio também a pandemia, então, isso deixou o contexto ainda mais inseguro. As redes de apoio de mulheres foram fundamentais para o meu desenvolvimento e eu sou muito grata a todas elas. Por isso, eu acredito tanto no papel de apoiar mulheres em transições de carreira. Sei o quanto isso faz a diferença na jornada.
- Qual é seu melhor hábito? E o pior?
Carolina: O meu melhor hábito é, não importa quão atribulado esteja o dia, sempre ter tempo para ouvir uma história nova de alguém. Pode ser de qualquer pessoa - não precisa ter uma relação direta com meu trabalho. Basta todo dia perguntar a alguém que me conte a sua história. Isso fez com que eu aprendesse muitas coisas e gerasse muitas conexões valiosas. Grande parte das coisas muito interessantes que descobri para a agenda de inovação veio dessas conversas desinteressadas - no bom sentido. É na conexão que mora a inovação, o aprendizado e a descoberta. Senão, você fica presa no seu próprio mundo. Temos que ter um movimento forte de reconexão uns com os outros. E meu pior hábito é gostar muito de doce. De fato, o açúcar é um problema na minha vida. Tento controlar, mas é difícil.
- Qual foi seu livro, filme, série ou podcast preferido dos últimos tempos? Por quê?
Carolina: Um dos melhores filmes que vi, e que tem uma questão muito grande com a pauta de inovação, chama-se "A Vida dos Outros" (2006). É um filme alemão que ganhou o Oscar de filme estrangeiro (em 2007). Ele é marcante pela transformação de um dos personagem, que chega com uma ideia fixa sobre alguém que ele iria investigar. Esse filme é muito profundo sobre como você se coloca diante da vida quando se deixa surpreender e como pode aprender diante de novas informações. Ele tem muito do que é o pensamento científico, que tanta gente diz que tem, mas, na prática, não aplica. As pessoas, no geral, gostam de se provar certas e esse filme é um exercício delicioso de refutação.
Gosto muito de livros que nos mantêm curiosos e falam da importância da curiosidade. Um deles é “The Pleasure of Finding Things Out" (O Prazer de Descobrir as Coisas), de Richard Feynman (N.R.: o livro foi lançado em 1999 e reuniu escritos de Feynman, falecido em 1988). Ele é um físico, vencedor do prêmio Nobel, e, em capítulos curtos, diz como se manter curioso diante da vida é importante para você rever suas visões e aprender. Tem histórias muito divertidas lá!
Outro livro é "Em Busca de Um Mundo Melhor" (lançado em 1984), de Karl Popper (falecido em 1994). Foi um dos últimos livros que ele escreveu. Geralmente, bons filósofos ficam amargos com a idade e terminam a vida desacreditando na humanidade. Mas ele escreveu esse livro com mais de 80 anos e é uma das obras mais otimistas que já li. Popper acredita na capacidade do ser humano, por meio do pensamento científico, de resolver problemas em busca de um mundo melhor. Acho que também é um exemplo de vida. Que todos cheguemos aos 90 anos, oxalá, com uma visão de que é possível fazer o mundo melhor.
Fonte: Época Negócios