A Mulher Negra e a Ocupação nos Espaços da Sociedade
Ser mulher e negra na sociedade brasileira do século XXI ainda é um grande desafioA Mulher Negra e a Ocupação nos Espaços da Sociedade
De forma organizada, coletiva ou individual, foram muitas as mulheres negras que contribuíram para a construção da condição feminina atual, podendo serem aqui citadas: Dandara, Tia Ciata, Esperança Garcia, Luíza Mahin, Anastácia, Teresa de Bengala, Maria Felipa etc. Quando falamos em mulher negra no Brasil é importante traçarmos seu perfil para que possamos demarcar diferenças com as visões estereotipadas. Elas, somam cerca de 46% da população. No Nordeste, uma média de 69,6% são mulheres negras. Dados apontam que a mulher negra convive com os piores salários, as colocações menos prestigiadas no mercado e sofrem mais violências de toda ordem, inclusive física e sexual. Ainda com referência à Violência, este segmento da população é o mais atingido, conforme comprovam as pesquisas publicadas na mídia nacional, representando 58% das ligações ao Disque 180. As mulheres negras também são as mais afetadas pela mortalidade materna, 56%, e pela violência obstétrica, 65%. Em outros aspectos, essa fração da comunidade feminina, da mesma forma, sofre invisibilidade em alguns setores, como na mídia, na TV e no mercado audiovisual, quando muitas são expostas através da mercantilização do corpo e/ou com a estereotipização da “mulher negra”.
Em que pese a evolução da sociedade, numa luta incessante de inclusão, por parte de alguns órgãos e instituições, o Brasil ainda é um país bastante racista e discriminatório. Há políticas de enfrentamento, bem como há legislação que criminalize o racismo e a injuria racial, mas as demandas da população negra ainda são grandes com relação à inclusão no mercado de trabalho, ao tratamento humano igualitário, no combate a violência, em especial no combate à discriminação. Com isso, em 2013, Odara – O Instituto da Mulher Negra, criou na Bahia, o JULHO DAS PRETAS, que tem uma agenda propositiva, desenvolvendo atividades nos movimentos de mulheres negras, sendo que se espalhou pela região Nordeste e mais alguns estados do país. Em julho também, se celebra no dia 25, o Dia Internacional da Mulher Negra Afro Latino-americana e Caribenha, voltado igualmente, para o fortalecimento das organizações de mulheres negras.
Aqui no Piauí, teve uma vasta programação, iniciando-se em 04/07/2019 e findando em 27/07/2019, com diversas atividades, como: ciranda de leitura, oficinas afro, penteados, dança, música, palestras que trataram dos mais diversos temas, dentre eles empreendedorismo, autoestima e empoderamento. Em entrevista para esta Coluna do JTNews.com.br, a pedagoga Haldaci Regina da Silva, conhecida também por Halda, professora e mestre em educação pela Universidade Federal do Piauí, sendo que já foi coordenadora estadual de políticas para as mulheres, militante em defesa das Mulheres Negras e uma das fundadoras do AYABÁS - Instituto da Mulher Negra do Piauí, fala sobre sua experiencia nessa militância, no objetivo do Movimento Negro, em especial o Julho das Pretas, como sente a participação da mulher negra na sociedade piauiense, entre outras discussões correlacionadas.
Para Halda, o Movimento denominado julho das Pretas é muito importante e tem o intuito de dar visibilidade as pautas das mulheres negras, com relação à saúde, violência obstétrica, inserção no mercado de trabalho, ascensão na sociedade, bem como influencia-las a participar como lideranças, nos sindicatos, partidos políticos e outros. Segundo Ela, no Piauí há vários movimentos constituídos, citando alguns: Afro Condart, Ijexá, Afroxá, Hip Hop, Afronte (UFPI), Coletivo Mariele Franco (UFPI) e tantos outros, todos tentando fortalecer e empoderar a população negra do Piauí. No nosso estado, as Mulheres Negras tem tido um protagonismo marcante, podendo se fazer menção desde Esperança Garcia, que teve demonstrada a sua coragem e ousadia, quando fez a defesa dos seus filhos e de outras companheiras, denunciando os maus tratos sofridos ao governador da capitania de Nazaré do Piauí na época, sendo reconhecida como 1ª advogada do Piauí; assim como Francisca Trindade, que foi Co-fundadora do grupo Afro-cultural "Coisa de Nêgo" e deixou um legado de militância política.
Indagada sobre outros trabalhos que vem realizando, Halda respondeu que os movimentos de mulheres negras têm se concentrado mais na pauta política, mas trabalha com as mulheres de quilombos, no campo, com as mulheres negras presas, entre outras, para que conheçam seus direitos, participem de formação, e se junte às outras cada vez mais, para fortalecer as pautas reivindicatórias. Cita como exemplo recente, o que ocorreu na comunidade Periperi, situada na região de Amarante, onde um grupo de Mulheres Negras, juntamente com a coletividade, realizou um trabalho para que o município mantivesse educação próxima à população. Entre outras ações, Ela também citou a contribuição do Movimento para as mulheres encarceradas, fornecendo esclarecimentos e até acompanhamentos de processos jurídicos, sendo que hoje no Brasil, estas representam 80% de negras e pardas presas.
Com relação à participação da Mulher Negra nas entidades, organizações e instituições públicas e privadas piauienses, a experiente militante não hesitou em dizer que não há um trabalho voltado de forma político-democrático para essa pauta, mesmo havendo uma lei desde 2003 (10.639/03), o governo não conseguiu êxito na implantação dessa legislação nas escolas, o que seria muito importante para ajudar na construção do conhecimento. O que se observa é que se criam institutos como SEPIR - Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial e outros, mas as ações não se solidificam, pois não perduram como política de Estado, e sim governamental. Aqui no Piauí, especificamente, é necessário que as instituições públicas e privadas “quebrem” o racismo institucional, frisou Haldaci Regina.
Ainda sobre a juventude negra, Halda avalia que mesmo com a inserção das (dos) jovens nas universidades através da quotas, se observa que mais de 70% dessa juventude sofre violências, porque estão nas periferias, onde não se tem investimentos em lazer, educação, valorização da cultura, há um número elevado do desemprego, as escolas estão sucateadas, e isso tudo afeta diretamente essa juventude.
Encerrada a entrevista, concluímos com o mesmo espírito, qual seja, reafirmando a necessidade de estratégias de resistência na luta contra o racismo, o sexismo, a LGBTfobia e a todas as formas de opressão que atingem a vida e existência das mulheres negras, principalmente.
Ser mulher e negra na sociedade brasileira do século XXI ainda é um grande desafio. E, parafraseando Djamila Ribeiro, onde diz “Nossa luta diária é para sermos reconhecidas como sujeitos, impor a existência numa sociedade que insiste em negá-la”, sigamos todas, nos movimentando e contribuindo com a construção desta sociedade, para sua organização socioeconômica, política e cultural, para que possamos ter um mundo mais igualitário e humano.
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