A gripe matou nosso Presidente da República
Despreparado, o Brasil ignorou a pandemia que se espalhava pelo planetaO ano, 1918. A Europa ainda ardia na 1º Guerra Mundial e, também, ardia de febre, com a virulenta Gripe Espanhola, que matou, estima-se, 50 milhões de pessoas.
Ao contrário do que o nome indica, a gripe não surgiu na Espanha. As pesquisas indicam que o caso número 1 apareceu numa fazenda do estado norte-americano do Kansas. Perto dela, havia um campo de treinamento de soldados que seriam enviados para o front na guerra na Europa.
Infectados com uma versão ainda leve da gripe, eles desembarcaram na França para lutar nas trincheiras contra o poderoso exército alemão. Foram anos de carnificina, em que os soldados dormiam, comiam e se aliviavam no mesmo espaço enlameado das trincheiras. A aglomeração intensa, falta de higiene, frio, alimentação ruim e ferimentos tornaram a frente de batalha da França o local propício para a gripe do Kansas se tornar mortal.
E logo, ela cruzou a fronteira para a vizinha Espanha, que não estava em guerra. A imprensa espanhola passou a noticiar a mortandade dessa gripe batizada localmente de Francesa. Já na França em guerra, a imprensa não podia falar de mortes para não enfraquecer o moral da população.
Dessa forma, o mundo descobriu a epidemia pelos jornais espanhóis e, por isso, ela entrou para a história como a Gripe Espanhola. O vírus cruzou a fronteira e chegou a Portugal. E de lá, veio de navio para o Brasil, matando brasileiros já em alto mar. Sabemos o nome do navio da morte, o paquete inglês Demerara. De Liverpool, na Inglaterra, até Buenos Aires, na Argentina, o Demerara fez escala em Lisboa, onde 72 brasileiros embarcaram para casa.
No caminho, duas passageiras morreram, Germana Moreira Valente, de Pernambuco, e Gracinda Pereira, do Rio. Não se sabe quantos passageiros mais estavam infectados quando o Demerara ancorou no porto do Recife, na manhã do dia 9 de setembro. Todas as pessoas a bordo desceram e descansaram para partir, no dia seguinte, rumo às outras duas escalas brasileiras do Demerara, Salvador e Rio.
Em nenhum porto, o navio sofreu fiscalização sanitária, apesar do Brasil já saber que a gripe matava mundo afora. E foi dessa forma, com esses passageiros descendo nas três capitais, que a Gripe Espanhola se espalhou rapidamente pelo Brasil. O vírus, que trazia a pneumonia numa época ainda sem medicamentos eficazes, começou a matar 48 horas após o surgimento dos primeiros sintomas de gripe.
Do Recife e de Salvador, a peste se espalhou pelos sertões do Brasil e ninguém sabe quantos morreram nas regiões ainda empobrecidas pela trágica seca de 1915, imortalizada pelo romance O Quinze, de Raquel de Queiroz.
Do Rio, a maior cidade do país, com 1 milhão de habitantes, a gripe se espalhou pelos estados do Sudeste e do Sul, deixando uma trilha assustadora de mortes. Só na capital da República, registrou-se o pico de mil mortos num único dia de setembro.
Em São Paulo, entre os mortos está o bisavô materno de minha filha, Ângela, batizada assim em homenagem a ele. Homem forte, sadio, mas que tombou em poucos dias, deixando mulher e filhos pequenos num país ainda sem assistência social organizada.
Como ele, muitos homens jovens e fortes, com menos de 40 anos morreram, principalmente na segunda e na terceira onda de contaminação, nos meses de outubro e novembro.
Entre os que caíram de cama e nunca mais se levantaram estava também o presidente eleito Rodrigues Alves, de rica família paulista. Ele assumiria a presidência pela segunda vez, dentro da política do Café com Leite, como se chamava o revezamento na presidência de políticos paulistas – o café – e mineiros – o leite, na República Velha.
Oficialmente, a Gripe Espanhola matou 35 mil brasileiros, número que reflete apenas o que se observou nas áreas urbanas. Populações rurais e indígenas foram dizimadas, mas não foram contadas.
A pandemia desapareceu tão rapidamente quanto surgiu. Em dezembro, quatro meses após ter desembarcado em Recife, e depois de paralisar nossa economia, ela se tornou menos mortal. E no carnaval do ano seguinte, virou tema de marchinhas.
Desta experiência, tirou-se uma lição importante: o isolamento social e o fechamento de cidades em outros países provou ser medida eficaz para salvar populações e impedir o alastramento ainda maior da tragédia.
Por isso, precisamos aprender com a história e manter a calma e a prevenção, evitando locais com aglomerações, onde o vírus possa encontrar hospedeiros para sua reprodução assassina.
Ao contrário da pandemia de 1918, estamos mais capacitados do ponto de vista médico, com especialistas, remédios e centros de tratamento espalhados por todo o país. É ter calma e fé que, assim como chegou, ela também nos deixará. E, se Deus quiser, com um rastro menos mortal que a tragédia que nos castigou há mais de um século.
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