Censura à imprensa no Brasil
com a palavra, a JustiçaA sociedade brasileira tem enfrentado a dificuldade de lidar com uma quantidade avassaladora de informações e de reconhecer as diferenças entre as que circulam sem nenhuma responsabilidade de produtores e disseminadores e aquelas que são resultado de um trabalho amparado em preceitos profissionais e éticos. Essa confusão contribui para uma atmosfera de questionamento da validade do trabalho da imprensa e, ainda, para a censura.
Quando políticos eleitos se negam a participar de coletivas de imprensa, quando escolhem quais veículos terão suas demandas recusadas ou atendidas e revisam leis de acesso à informação, e, ainda pior, quando ministros do STF decidem pela censura prévia, que é inconstitucional, assistimos à construção social de uma tragédia que culmina com o risco de silenciamento da liberdade de imprensa, filha dileta da liberdade de expressão.
O art. 5º, incisos IV, IX e XIV da Constituição Federal de 1988, garante a livre manifestação do pensamento, independentemente de censura ou licença, assegurando a todos acesso à informação. Já o art. 220, textualmente veda, no parágrafo segundo, toda e qualquer censura, e, no parágrafo primeiro, dispõe que nenhuma lei estabelecerá embaraço à plena liberdade de informação jornalística, observando-se, contudo, outros direitos, como a inviolabilidade da intimidade.
Corroborando esse entendimento contra a censura, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), ratificada pelo Congresso Brasileiro e com força de lei no país, prevê, no art. 13, que "o exercício do direito de liberdade de pensamento e expressão não pode estar sujeito à censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei".
Percebe-se, pela análise da jurisprudência brasileira, que existe a rejeição, por parte dos tribunais superiores, de qualquer forma de censura prévia, seja ela politicamente motivada, seja ela o resultado de uma decisão singular da própria Justiça; como a censura nascida, por exemplo, de uma medida cautelar. Por isso, foi duramente criticada pela sociedade a surpreendente decisão do ministro do STF Alexandre de Moraes, pela censura prévia a dois órgãos de imprensa no primeiro semestre de 2019.
O ministro determinou que o site O Antagonista e a revista Crusoé retirassem reportagens e notas que citavam o presidente do STF, Dias Toffoli, estipulando multa diária de R$ 100 mil e ordenando à Polícia Federal interrogar os responsáveis pelos dois órgãos de imprensa em até 72 horas. Ordenou a censura prévia porque era o relator de um inquérito aberto para apurar notícias fraudulentas contra a honra dos ministros ou vazamento de informações sobre integrantes da Corte.
Segundo as reportagens censuradas, um e-mail do empresário Marcelo Odebrecht se referia ao hoje ministro do Supremo, Dias Toffoli, como um “amigo do amigo de meu pai”. O documento obtido pela revista Crusoé afirmava que o executivo respondia a uma solicitação da Polícia Federal acerca de codinomes que aparecem em e-mails objeto da investigação da Operação Lava Jato.
A decisão de Alexandre de Moraes recebeu duras críticas de juristas, entidades de jornalismo e de ministros do Supremo, entre eles, o decano Celso de Mello, que afirmou que “a censura, qualquer tipo de censura, mesmo aquela ordenada pelo Poder Judiciário, mostra-se prática ilegítima, autocrática e essencialmente incompatível com o regime das liberdades fundamentais consagrado pela Constituição da República.”.
Já o ministro Dias Toffoli, citado indiretamente na reportagem, defendeu a censura determinada por Alexandre de Moraes, com as seguintes palavras “se você publica uma matéria chamando alguém de criminoso, acusando alguém de ter participado de um esquema, e isso é uma inverdade, tem que ser tirado do ar. Ponto. Simples assim.”
Mas diante da reação escandalizada da própria corte, o ministro Alexandre de Moraes recuou na mesma semana, autorizando a divulgação das notícias.
A censura, em todas as suas formas, que teima em existir em nossa sociedade e da qual fui vítima tão recentemente, aqui mesmo no Piauí, é sempre infrutífera. Ao tentar impedir a divulgação de uma notícia, ela simplesmente joga ainda mais luz e interesse sobre o tema que, de outra forma, ficaria restrito à mídia que o destacou. Causa também o embaraço a quem a ordena, trazendo uma mácula permanente.
O banimento de medidas censórias prévias não deixa, porém, a sociedade de mãos atadas, sem mecanismos de defesa. A retificação do erro pelo próprio veículo de imprensa, que hoje no Brasil, é bem verdade, ainda acontece de maneira tímida; a concessão do Direito de Resposta, conforme previsto em lei, com o mesmo destaque utilizado para a violação do direito; e, é claro, a reparação dos danos materiais, morais e psíquicos, são procedimentos adotados pelas democracias de todo o mundo, como bem explico no livro Imprensa e Censura, que está no prelo, e que deverei lançar já no mês de setembro.
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