Covid-19 - A história se repete: o governo tenta esconder uma epidemia
Parece que não aprendemos nada com a meningite, há 50 anos!1971, o Brasil vivia o milagre econômico e ainda celebrava a conquista definitiva da Taça Jules Rimet, meses antes, na Copa do Mundo do México. Tudo ia tão bem que o governo militar decidiu que nada deveria incomodar o alto astral da população, nem mesmo o surgimento de uma mortal epidemia...
Moradores do bairro de Santo Amaro, na Zona Sul de São Paulo começaram a ser hospitalizados, todos com os mesmos sintomas, principalmente febre, dor de cabeça e dificuldade para mover o pescoço. Quadro clássico de meningite. Infectologistas avisaram imediatamente o Ministério da Saúde, mas o governo, preocupado com a péssima imagem que o alerta de epidemia poderia causar ao país e com prejuízos à economia, em vez de tomar medidas sanitárias, minimizou o risco, confiando que a doença passaria da mesma forma como chegou.
Isso não aconteceu. No ano seguinte, a meningite atingiu a Zona Norte, do outro lado da cidade, depois a Zona Oeste e, por fim, a região central. Das áreas periféricas, onde matava principalmente pobres, a meningite se espalhou pelos lares da classe média paulistana.
A imprensa tentou dar o alerta muitas vezes, mas a censura militar, pesada na época, mandava tirar as reportagens antes da impressão dos jornais, por considerá-las alarmistas. No lugar de uma denúncia censurada, o jornal O Estado de São Paulo colocou, para protestar, um trecho de Os Lusíadas, de Camões. TV e rádio, então, nem pensar em falar em meningite, sob risco de terem a concessão de transmissão cassada. A agilidade da Internet e das redes sociais era algo impensável nesse momento.
O silêncio forçado custou caro, custou vidas, principalmente de crianças com menos de 5 anos e de idosos, mas não só. Apenas com a mudança de general no poder, de Médici para Geisel, em 1974, a política começou a mudar também na saúde. O governo admitiu que a meningite estava fora de controle, fechou escolas, cancelou os Jogos Panamericanos de 1975, que de São Paulo foram para o México, e comprou vacinas em massa na França, já que não tínhamos laboratórios para fabricá-las. E, assim que chegaram, deu-se início à maior campanha de vacinação do país.
Com a censura militar, o Brasil perdeu tempo, a chance de salvar vidas, e até mesmo a capacidade de saber, ao certo, quantas pessoas morreram. Fala-se de algo entre 1.600 e 3 mil vítimas fatais, principalmente nos estados do Sudeste e do Sul, onde o frio favorece a expansão da meningite.
Meio século depois, estamos vendo o filme da censura governamental novamente se apresentando. Os números da epidemia do Covid-19 no Brasil incomodam o governo, que apostou que o vírus iria embora como uma “gripezinha”, como afirmou inúmeras vezes o presidente Jair Bolsonaro. Sem Ministro da Saúde, cargo interinamente ocupado por um militar sem experiência alguma na área, e no auge da mortandade, o governo decidiu censurar os dados que divulga sobre a expansão da doença.
Protestos aqui dentro e lá fora também, com jornais do mundo todo repercutindo negativamente e criticando a decisão presidencial. Reduzir o número de mortos – de canetada – servirá para tranquilizar erroneamente a população, dando falsa impressão de segurança. A lição do passado parece, mesmo, não ter servido para nada.
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