Maria das Graças Targino

Doutora em Ciência da Informação, Universidade de Brasília, e jornalista, finalizou seu pós-doutorado junto ao Instituto Interuniversitario de Iberoamérica da Universidad de Salamanca, Espanha. Sua experiência acadêmica inclui, ainda, cursos em países, como Inglaterra, Cuba, México, França e Estados Unidos. Tem produzido artigos, capítulos e livros em ciência da informação e comunicação, enveredando pela literatura como cronista. Depois de vinculação com a Universidade Federal do Piauí por 25 anos e com a Universidade Federal da Paraíba por 14 anos, hoje, dedica-se à literatura, especificamente, ao jornalismo literário e a crônicas.
Doutora em Ciência da Informação, Universidade de Brasília, e jornalista, finalizou seu pós-doutorado junto ao Instituto Interuniversitario de Iberoamérica da Universidad de Salamanca, Espanha. Sua experiência acadêmica inclui, ainda, cursos em países, como Inglaterra, Cuba, México, França e Estados Unidos. Tem produzido artigos, capítulos e livros em ciência da informação e comunicação, enveredando pela literatura como cronista. Depois de vinculação com a Universidade Federal do Piauí por 25 anos e com a Universidade Federal da Paraíba por 14 anos, hoje, dedica-se à literatura, especificamente, ao jornalismo literário e a crônicas.

Dias e noites de chuva

"Vez por outra, Teresina não é banhada pelo sol inclemente. A chuva constante sitia-nos impiedosamente"

Desalento

Às vezes oiço rir, é ’ma agonia

Queima-me a alma como estranha brasa

Tenho ódio à luz e tenho raiva ao dia

Que me põe n’alma o fogo que m’abrasa!



Tenho sede d’amar a humanidade…

Eu ando embriagada… entontecida…

O roxo de maus lábios é saudade

Duns beijos que me deram n’outra vida!



Ei não gosto do Sol, eu tenho medo

Que me vejam nos olhos o segredo

Que só saber chorar, de ser assim…

Gosto da noite, imensa, triste, preta,

Como esta estranha e doida borboleta

Que eu sinto sempre a voltejar em mim!

- Florbela Espanca

Foto: Maria das Graças TarginoDias e noites de chuva
Dias e noites de chuva

O B r o bró, expressão que nomeia os meses mais quentes do Estado (setembro até dezembro), quando a temperatura varia em torno dos 40°C quase todos os dias e na maioria das regiões do Piauí, já ficou para atrás. Em seu lugar, o período de chuvas, chuviscos, chuvas torrenciais, rápidas ou demoradas, mostram aos governantes os riscos das valas, dos buracos, dos bueiros que tomam conta do Estado, ênfase para a capital Teresina, causando acidentes e mortes.

Vez por outra, Teresina não é banhada pelo sol inclemente. A chuva constante sitia-nos impiedosamente. As ruas parecem tristes e estão quase desertas. Ao longo da tarde que segue com rapidez, um ou outro se resguarda com sombrinhas coloridas ou guarda-chuvas austeros e acelera o passo nas calçadas escorregadias, esburacadas e perigosas. As ruas utilizadas para caminhadas dos que se preocupam em manter a forma tanto quanto as praças e os jardins não têm a vida transbordante de alegria de outros momentos, mesmo quando, quase sempre, carecem de cuidado, limpeza e amor.

A grama, este tapete que cobre o pudor de pedaços da terra espezinhada, pisoteada sem dó nem piedade, amassada e chorosa, mesmo assim, mantém, aqui e acolá, suas plantinhas, como espada de São Jorge, suculentas e cactos variados, bromélias, antúrios que se perdem entre maravilhosos ipês, floridos ou não (a depender do mês), com flores amarelas, roxas, rosas e brancas. São os ipês considerados a flor nacional e rivalizam, sem reserva, com a carnaúba, árvore símbolo do Piauí. É o verde presente no B r o bró ou no período chuvoso que justifica o cognome de “Cidade Verde” atribuído pelo escritor maranhense Coelho Neto a Teresina, em virtude de numerosas ruas e avenidas entremeadas de árvores.

De quando em vez, da janela de meu quarto, dou uma olhadela nos pingos de chuva que caem mais forte. Com a noite que se acerca, esgueira-se sorrateiramente um homem sem teto, e, quiçá, sem amor. Parece não ter onde acostar-se ou encostar-se até que se senta sobre jornais e papelões também molhados. Recosta-se na parede de uma grande casa de esquina. Morto de exausto, penso eu, recosta-se. Acende um cigarro. Quem sabe? Talvez para enganar a fome.  

Ao lado de minha companheira, a soberba insônia, não consigo dormir. Cansada da monotonia desse quadro, que se repete Brasil afora – os sem-teto e/ou os miseráveis – tento ler. Os capítulos passam sob meus olhos, indecifráveis. Milhões de dedos magros em mãos calejadas orquestram de encontro às calçadas e ao asfalto uma música melancólica que somente eu escuto n’alma. Afinal, a chuva não para. Não tenho sono e estou tão só...

Volto a janela para observar de novo o homem sem lar. É ele quem me preocupa e constrange meu coração. Assombro-me com a rapidez com que dorme, e, ao que parece, profundamente, em sua cama de papel encharcado. Uma interrogação caustica meu espírito: “Será ele feliz ou está anestesiado pelo abandono a que vida lhe expôs?”

Que seja... Que nunca tenha se emocionado ouvindo o compositor germânico Ludwig van Beethoven ou lendo uma estrofe do português Fernando Pessoa ou observando um quadro do italiano Rafael ou refletindo sobre um diálogo do filósofo Platão... Distante de tudo. Livre da insônia. Imune a preocupações futuras, além do que comer ao amanhecer! Em oposição, por aqui, numa cama confortável, em vigília, penso e sofro diante da situação econômica, cultural, educacional de nossa gente. Padeço de uma agonia paralisante, reforçando, com tristeza, palavras da escritora inglesa Jane Austen, quando diz: “Sou metade agonia, metade esperança”.

Maria das Graças TARGINO é jornalista e pós-doutora em jornalismo pela Universidad de Salamanca / Instituto Interuniversitario de Iberoamérica

Confira AQUI a última crônica da autora, publicada com exclusividade pelo JTNEWS.

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