Esterilização e o consentimento do cônjuge
Na vigência de sociedade conjugal, a esterilização depende do consentimento expresso de ambos os cônjugesHá muito tempo já se discute sobre essa questão de esterilização voluntária (laqueadura ou vasectomia), tanto no aspecto jurídico, quanto social. Várias frentes, grupos de movimentos sociais, assim como pessoas ligadas a área de saúde e direitos humanos, questionam o porquê da necessidade desse consentimento.
A lei nº 9.263/96, que regula o Planejamento familiar, traz em seu artigo 10, parágrafo 5º, o seguinte teor: “Na vigência de sociedade conjugal, a esterilização depende do consentimento expresso de ambos os cônjuges”. Contudo, na particularidade jurídica, argumenta-se sobre os conflitos que esse dispositivo possui com direitos e princípios constitucionais; já no viés social, percebe-se que essa exigência legal prejudica em especial as mulheres, demonstrando um problema social arraigado na nossa sociedade.
Vários foram os projetos que já tramitaram no Congresso com o fito de mudar alguns pontos da Lei supracitada, dentre eles, a idade para realização da esterilização, bem como essa necessidade de consentimento. Tramita recentemente o Projeto de Lei nº 4083/2020, de autoria de uma deputada do estado do Espírito Santo, cujo texto altera a Lei do Planejamento Família, que hoje estabelece a necessidade do consentimento expresso do casal para a esterilização.
O fundamento utilizado pela deputada é de que “não é coerente que nos dias de hoje um cônjuge torne-se dominado pelo outro, quando este discordar de uma decisão de caráter intrinsecamente particular e íntima, sob pena de afronta aos princípios da inviolabilidade e da autonomia da pessoa”.
O presente projeto possibilita essa desnecessidade de consentimento e certamente trará ainda muita discussão, contudo, não há de se olvidar que há um avanço significativo na sociedade, onde homens, mulheres, jovens, são bem mais maduros, evoluídos e independentes. No caso do consentimento, a mulher, em especial, tem sofrido bastante com essa determinação legal, posto que há várias situações em que ela não poderá fazer a escolha da esterilização sozinha.
É possível que a mulher não queira ter filhos (simplesmente); que sua a condição financeira, social, familiar ou até de saúde em que se encontre possa ser um empecilho para uma gravidez indesejada ou que até mesmo algo como esses elementos aqui citados, não permita outra gravidez; e o mais agravante, diante de tanta violência contra a mulher, ela poderá se encontrar impedida de fazer a esterilização e por algumas vezes estar casada civilmente, mas não saber do paradeiro do ex-cônjuge, por exemplo, ou ainda pode ser que este se omita a realizar tal autorização. Todos esses fatores impedem a esterilização e, logicamente, fogem do controle da mulher.
Em que pese o projeto acima citado tratar unicamente da questão de consentimento e alterará apenas um parágrafo de um artigo da Lei do Planejamento familiar, há outros projetos que também tratam da questão da redução da idade de 25 para 21 anos e tramitam na Câmara Federal.
Hoje a lei do Planejamento Familiar faz as seguintes exigências para que se realize uma esterilização: ser capaz civilmente, ser maior de 25 anos e que tenha pelo menos dois filhos vivos. Essas são as regras atuais e se aplicam para homens e mulheres. O procedimento é realizado em serviço público e a pessoa interessada deverá realizar um cadastro no serviço de regulamentação de fecundidade, no que passará por uma equipe multidisciplinar, para realizar alguns atendimentos, entre eles o aconselhamento, visando desencorajar a esterilização precoce.
Portanto, a discussão acerca da esterilização voluntária é muito grande em diversos pontos, todavia, o consentimento é algo visto como fator que mitiga a autonomia de vontade da mulher, além de supostamente afrontar direitos da personalidade, em especial, aquele relativo à disposição do próprio corpo e a intimidade. Cumpre, por fim, registrar que há no Supremo Tribunal Federal (STF) em tramitação uma Adin sobre esse tema sensível para a sociedade brasileira, qual seja, a constitucionalidade das previsões da lei do planejamento familiar, no que tange a esterilização voluntária.
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