Recolocação de egressos prisionais no mercado de trabalho: benefícios para a segurança pública
Empregar egressos prisionais é uma estratégia de diminuição da violência, e dos custos dela decorrentes, sejam diretos ou indiretosEmbora incerto o índice exato de reentrada penal (o que se chama popularmente de reincidência penal), devido à inexistência de um parâmetro nacional, e de pesquisas em todos os estados com os mesmos parâmetros, estima-se que no Brasil, seja algo entre 40 a 70%, dependendo da fonte, conforme bem exposto no trabalho “Reincidência Criminal no Brasil” (IPEA, 2015, p.12-13)
O percentual de pessoas presas é de 354 pessoas por 100 mil habitantes o que corresponde a seis vezes a taxa da Europa (entre 50 a 60 por cada grupo de 100 mil habitantes) conforme publicado no World Prison Brief, Instituto de Pesquisa em Políticas Criminais (WPB, [s.d.]).
Isto se reflete no crescimento da população prisional. Em 1990, o Brasil custodiava 90 mil presos (DEPEN, 2017, p.09). Em 2017, havia 726.354 mil, um aumento de 707% em 26 anos (DEPEN, 2017, p.09). A taxa média de crescimento medida desde os anos 2000 até 2016 é de 8,3% ao ano. Considerando-se esta média ao ano, o DEPEN calcula que o país deve chegar a 1.500.000 presos em 2025 (DEPEN, 2018).
O problema da reincidência/reentrada reclama uma análise de suas causas. Uma das causas, pouco explorada, diz respeito a análise sob a perspectiva econômica.
O ciclo da violência se retroalimenta com nova prisão de egressos (considera-se egresso o liberado definitivo, pelo prazo de um ano a contar da saída do estabelecimento e o liberado condicional, durante o período de prova segundo a Lei Nº 7210/84), trazendo consequências nefastas para a segurança pública, bem como para toda a sociedade. Esta é uma das características que contribuem para que o Brasil que possui apenas 3% da população mundial, tenha registrado 14% dos homicídios no mundo em 2017 (SGPR, 2018, p.13).
Não bastasse os problemas de violência e de elevado índice de encarceramento, não se pode deixar de consignar o custo que uma pessoa presa acarreta, embora varie conforme a finalidade da unidade prisional (regime fechado, patronato ou semiaberto) e com a região do país, variou entre R$ 1,8 mil e R$ 3 mil ao mês nos Estados do Paraná, do Rio Grande do Sul e de Rondônia, de acordo com a pesquisa do Grupo de Estudos Carcerários Aplicados da Universidade de São Paulo (USP, 2016).
Já o CNJ calcula a média nacional de custo com um preso em R$ 2.400,00 considerando o custo da segurança, salário dos policiais, custo com vestuário e assistências médica, odontológica, etc. (SOUZA, 2017). Este cálculo esbarra na falta de levantamentos dos estados, posto que em muitos Estados não há dados consolidados sobre o custo do preso, conforme revela o Tribunal de Contas da União (TCU, 2017).
Além dos custos diretos, como despesas com segurança, alimentação, energia e saúde, há que se contabilizar os custos indiretos do aprisionamento, os quais, de acordo com relatório do Banco Interamericano de Desenvolvimento (JAITMAN, 2017, p.42) advêm de manter uma população inativa, bem como os custos do bem-estar das famílias, incluindo a dos presos, e as consequências para o mercado de trabalho.
Como a quantidade de pessoas cometendo crimes vêm aumentando, faltam vagas nos cárceres, que estão superlotados há décadas. O TCU, por meio do acórdão Nº 1542, (TCU, 2019) conclui que para sanar o déficit de vagas no sistema prisional seria necessário um valor estimado de r$ 97,8 bilhões ao longo de 18 anos. Ou seja, seriam precisos R$ 5,4 bilhões anuais para extinguir o déficit de vagas prisionais, reformar unidades prisionais precárias e viabilizar seu pleno funcionamento. Isto considerando que não houvesse mais crescimento da população prisional.
De outro modo, imaginando-se a criação de um projeto que estabeleça a concessão de um incentivo fiscal de R$ 300,00 (supostamente suficiente para atrair empregadores) para empresas que empregassem egressos prisionais, seja por meio de descontos sobre recolhimento de tributos ou impostos. Aliás este incentivo também deveria ser estendido aos jovens de áreas violentas, visando diminuir o desemprego nesta fase da vida, visto que dos 15 aos 19 anos, temos a faixa que mais mata e que mais morre no Brasil. Também nos municípios mais violentos, ocorre maior envolvimento criminal de jovens cujo custo de oportunidade é mais baixo afinal jovens são os trabalhadores com níveis mais baixos de qualificação e experiência. Este grupo, somado ao dos reincidentes, são os dois grupos que mais lotam os cárceres, e eventual sucesso de políticas para eles, se bem sucedida, implicaria em redução dos crimes e da população prisional, sonho de todo cidadão brasileiro.
Voltando ao nosso cálculo. Em 12 meses de incentivo médio de R$ 300,00 seriam R$ 3.600,00 de custo por pessoa. Multiplicando-se R$ 3.600,00 por 169.045 egressos, que foi o número de pessoas que deixaram as prisões em 2017 (DEPEN, 2019, p.28) chega-se ao valor anual de R$ 608.562.000,00.
Para facilitar a compreensão, será utilizado o valor de R$ 600 milhões por ano para gerar 170.000 recolocações no mercado de trabalho.
Como o número de beneficiados será menor que 170.000, consequentemente o custo também será menor que 600 milhões.
Ora, se o custo apenas para construir vagas, sem considerar contratação de policiais e demais servidores, foi estimado pelo órgão de controle (TCU) em 5,4 bilhões ao ano, e por outro lado o desembolso anual para criar incentivos fiscais para empregar 170.000 pessoas seria de R$ 600 milhões, infere-se que o fomento ao emprego do egresso consumiria muito menos, apenas 11,1%, com potencial para mitigar a necessidade de construir tantas vagas.
Ou seja, se é preciso gastar muito construindo vagas, e apenas 11,1% disso seria suficiente para empregar todos os egressos e diminuir o coeficiente carcerário. Neste sentido reforça esta idéia o interessante trabalho publicado por Tiago Ivo Odon, intitulado Segurança Pública e Análise Econômica do Crime na Revista Brasileira de Informação legislativa:
Implementar projeto neste sentido, novo e arrojado, suscitaria contenção de recursos e repercussão auspiciosa e demandaria políticos corajosos que não estão preocupados com a popularidade desta ação, e sim com seus resultados em prol da nação brasileira, como todos os demais benefícios comuns derivados da diminuição da violência e do encarceramento. (Odon, 2018, pg34)
Imprescindível destacar outras possíveis vantagens do aproveitamento da mão de obra egressa, decorrentes de aumento da oferta de emprego e renda lícita:
• Enfraquecimento das facções criminosas;
• Apoios das associações comerciais e entidades das indústrias e comércio;
• Diminuição da carga tributária para empregadores;
• Diminuição do ritmo de crescimento da população prisional;
• Diminuição dos custos com encarceramento;
• Diminuição do volume de flagrantes e de ocorrências policiais;
• Diminuição do volume de processos judiciais, sentenças, recursos, apelações;
• Aumento da renda formal nas comunidades com histórico de inclusão no sistema prisional, com potencial ressignificação da importância do trabalho;
• Diminuição das perdas decorrentes da criminalidade (roubos, furtos, seguros;
• Aumento do recolhimento de impostos devido ao aumento do emprego formal,
• E o principal, que consiste na diminuição das pessoas que deixarão de ser vítimas de ações delinquentes e dos traumas delas decorrentes.
Como se pode observar, eventual diminuição da incidência criminal propicia efeito em cascata. Facilitar para os egressos (e também para as pessoas ainda presas) sua incorporação ao mercado de trabalho é a forma mais inteligente, digna e barata de diminuir o custo do encerramento, o número de homicídios, os roubos, e aumentar a sensação de segurança.
Neste sentido, o autor Manoel Pedro Pimentel traz importante definição:
“Para o preso institucionalizado o trabalho é um valor negativo. Mas o dinheiro é um valor positivo. Conjugar esses dois valores, para que o interno, objetivando o fim (dinheiro), habitue-se com o meio (trabalho), é uma estratégia necessária”. (apud MIRABETE, 2004, p. 93).
Ainda, vale destacar que as pessoas que conseguem emprego formal passam a fomentar a economia de forma saudável, servindo de exemplo positivo para os demais condenados e egressos. Este efeito psicossocial constitui poderosa ferramenta, pouquíssimo explorada, de quebra de paradigma e pode ter efeitos reflexos transformadores.
Embora possa parecer num primeiro momento uma ação voltada a privilegiar ex-presidiários em detrimento de pessoas sem passagem criminal, na verdade é uma estratégia de diminuição da violência, e dos custos dela decorrentes, sejam diretos ou indiretos, em especial a retração da reincidência/reentrada, afinal o custo de um incentivo fiscal equivale a aproximadamente 10% do custo de um encarcerado.
Atentando-se, ainda, à provável diminuição da taxa de reincidência, e à diminuição da necessidade de se valer da criminalidade para subsistência, poderá resultar em uma redução real de ocorrências como assaltos, furtos e homicídios. Este benefício é incalculável, posto que não representa apenas economia financeira, mas sim interrupção, ou no mínimo decréscimo, de um ciclo perverso que consome milhões de reais e milhares de vidas de brasileiros.
Embora a economia imediata já seja suficiente para justificar um programa de incentivo fiscal para empregar egressos, aliás na medida em que deixaria de consumir bilhões de reais dos fundos penitenciários, ao considerar a economia e os benefícios mediatos, e sua significativa repercussão social, além de resguardar a vida, o patrimônio e a paz social, esta política assume relevância estratégica.
Por Cristiano Tavares Torquato, especialista em Direitos Humanos e Segurança Pública - UNIR/2011. Especialista em Política e Estratégia (CAEPE) - ESG/2019.
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