Athos Bulcão
O artista que fez de suas telas as quadras e prédios de BrasíliaPara quem gosta de observar coisas belas [arte, arquitetura, jardins etc], Brasília é repleta de lindas obras. Muitas delas são expostas ao ar livre (pelas quadras, edifícios públicos e parques da cidade) e são de acesso gratuito. Algumas fazem parte das edificações, trazendo vida e cor, contrapondo-se ao cinza do concreto (azulejos, mosaicos, treliças), outras foram contruídas no interior de alguma contrução ou estão protegidas do tempo, em espaços fechados (como no Congresso Nacional, Palácio da Justiça, Palácio do Itamaraty, Teatro Nacional etc).
Hoje, vamos fazer um tour em algumas obras de Athos Bulcão.
BIOGRAFIA:
Athos Bulcão nasceu em 02 de julho de 1918, no Catete, na cidade do Rio de Janeiro. Cresceu em uma casa bem espaçosa, em Teresópolis, região serrana do Rio de Janeiro. Sua mãe (Maria Antonieta da Fonseca Bulcão) tinha tuberculose e faleceu por enfisema pulmonar, quando ele tinha apenas 5 anos. Ele dizia que nunca teve colo, como uma criança normal. Cresceu cercado de cuidados, pois seus pais temiam que ele tivesse alguma sequela, devido a tuberculose de sua mãe. Ele dizia que 'se sentia como uma planta de estufa', não soltava pipas, nem jogava bola.
Ele foi criado por seu pai (Fortunato Bulcão), seu irmão Jaime (11 anos mais velho que ele) e suas duas irmãs adolescentes (Mariazinha e Dalila).
Seu pai era amigo e sócio de Monteiro Lobato, em empreendimentos siderúrgicos no Brasil.
Aos 4 anos de idade, Athos Bulcão começou a ensaiar seus desenhos, mas sem despertar a atenção de sua família. Suas irmãs sempre o levavam ao teatro para assistir espetáculos de companhias estrangeiras, óperas e comédias francesas. Ele ouvia Caruso no gramofone de sua casa. A arte o escolheu assim, como um refúgio dentro da estufa em que vivia.
Terminou o ginásio (atual segundo grau), com 16 anos e ingressou no curso de medicina por pressão de sua família. Ele gostava mesmo era de arte, mas a arte não era vista com bons olhos pelos seus.
Quando ele tinha 18 anos, sua família deixou de ser rica. Os sócios de seu pai teriam agido de má fé, e eles perderam tudo. Athos Bulcão passou a desenhar retratos para conseguir algum dinheiro.
Em 1939, aos 21 anos de idade, abandonou o curso de medicina para se dedicar à pintura.
Na década de 1940, frequentou um renomado ateliê no Rio de Janeiro.
Em 1945, foi assistente de Candido Portinari no painel de São Francisco de Assis (Igreja da Pampulha, Belo Horizonte).
De 1948 a 1949, morou em Paris, com uma bolsa de estudos presenteada pelo Governo Francês. Estudou desenho na Académie de La Grande Chaumière e litografia no ateliê de Jean Pons.
De volta ao Rio de Janeiro, inicia seus trabalhos no Ministério da Educação e Cultura (MEC), ilustrando livros (O Encontro Marcado e A Cidade Vazia, de Fernando Sabino) e catálogos, capas para as revistas Brasil Arquitetura Contemporânea e Módulo de Arquitetura e para discos e cenários de peças teatrais.
De 1952 a 1958, estuda e dedica-se às fotomontagens.
A partir de 1955, Bulcão começou a trabalhar com o arquiteto Oscar Niemeyer e, em 1957, passou a fazer parte do grupo responsável pela construção de Brasília, a Companhia Urbanizadora da Nova Capital (NOVACAP). Com essa parceria, ele tornou-se um dos principais artistas a integrar obras de arte à Arquitetura.
Mudou para Brasília em 1958, onde morou até o final da sua vida. Na capital, foi Professor na Universidade de Brasília (UNB) de 1963 a 1965. Também fez parceria com o arquiteto João Filgueiras Lima (Lelé) em 1970, quando criou relevos e elementos arquitetônicos para a rede de hospitais Sara Kubistchek.
Realizou trabalhos internacionais com Oscar Niemeyer em projetos na França, Itália e Argélia em 1971.
Outro marco na história do artista foi em 1993, quando foi criada a Fundação Athos Bulcão, em Brasília, uma entidade de direito privado, sem fins lucrativos, que preserva e divulga suas obras. A Fundação tem projetos que visam contribuir com a formação de crianças, jovens e adultos, e torna a educação, a arte e bens culturais acessíveis a toda a comunidade, bem como as obras de Athos Bulcão.
Ele era um homem tímido, de poucas palavras e caseiro, um artista de rara sensibilidade. Não se casou, nem teve filhos. Viveu para a arte, humanizando diversos espaços de Brasília, a cidade que escolheu viver, imprimindo na nova capital do Brasil o modernismo, com muita elegância e leveza.
Athos Bulcão faleceu aos 90 anos de idade no Hospital Sarah Kubitschek, Asa Sul, em Brasília, por complicações do Mal de Parkinson.
No dia 2 de agosto de 2018, ele completaria 100 anos e, em sua homenagem, o Google lançou um “Doodle” onde aparecem alguns de seus famosos azulejos.
https://www.google.com/doodles/athos-bulcaos-100th-birthday
POLÊMICA:
Em Brasília existem dois episódios que muitos dizem que foram desrespeitosos às suas obras:
1. Clube do Congresso, com a demolição da antiga sede social do Clube do Congresso, na 902 Sul, três obras foram demolidas: dois painéis de azulejos que enfeitavam a sauna e outro painel com uma montagem com blocos de gesso em autorelevo que ficava no hall de entrada.
2. Palácio do Planalto, durante o governo Lula, uma obra de Athos Bulcão associada a uma de Oscar Niemeyer foi “redimensionada”.
NINGUÉM É BOM SOZINHO:
Alguns laços fraternos o ajudaram a construir a sólida carreira. Ele teve em seu caminhar, importantes artistas brasileiros que contribuíram para a sua formação. Nomes como Monteiro Lobato, Carlos Scliar, Jorge Amado, Pancetti, Enrico Bianco (que o apresentou ao paisagista Burle Marx), Cândido Portinari, Oscar Niemeyer, Lúcio Costa, Milton Dacosta, Vinicius de Moraes, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Ceschiatti, Manuel Bandeira entre outros. Já dizia um sábio homem: “As coisas, eu repito, não caem do céu. (...) ninguém é bom demais. Que ninguém é bom sozinho. E que, no fundo no fundo, por mais paradoxal que pareça, as coisas caem mesmo é do céu, e é preciso agradecer".
ARTE PARA TODOS:
Sua arte está exposta nos locais mais pomposos de Brasília, mas ele também a popularizou, tornando-a acessível a todos, pelas quadras, parques e pilotis da capital federal. É dedicada ao público geral, àqueles que “acidentalmente” as encontram ao se deslocar para o trabalho ou para a escola, durante um passeio em família ou em uma caminhada pelo parque da cidade.
Suas obras realçam a marca da capital, as curvas do concreto arquitetônico, trazendo mais vida e alegria, além de integrar, com maestria, à paisagem; a iluminação natural refletida em seus azulejos e painéis geométricos unem-se ao verde dos jardins, meticulosamente planejados. O equilíbrio perfeito entre arte e arquitetura.
Um dos pioneiros na construção da nova capital pensou e executou sua arte para conversar com a população, demonstrando o seu amor e a sua consideração por esta cidade e por seus habitantes.
"Artista eu era. Pioneiro eu fiz-me. Devo a Brasília esse sofrido privilégio. Realmente um privilégio: ser pioneiro. Dureza que gera espírito. Um prêmio moral".
(Athos Bulcão)
Devido a pandemia, muitos locais ainda não estão abertos para visitação, mas se você quiser conhecer um pouco mais da obra de Athos Bulcão, deixo o link de um inventário de suas obras em Brasilia, feito pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional):
http://portal.iphan.gov.br//uploads/publicacao/athosbulcatilde_menor.pdf
Athos Bulcão, como gosto de dizer é um daqueles artistas multifacetados, completos. Ele foi pintor, escultor, arquiteto, mosaicista e desenhista.
Foi uma alegria conhecer a vida deste nobre artista plástico e poder desfrutar de suas obras, tão acessíveis e presentes nesta cidade.
DICA: da próxima vez que você se deparar com uma obra e não entender nada, não desista tão rápidamente. Pare, fique em silêncio e reflita sobre o que você está vendo: qual é a mensagem que aquela obra de arte quer passar? Quais são os sentimentos que ela desperta em você?
Gostou?
Um grande abraço e até a próxima...
PROJETOS EM BRASÍLIA, ASSINADOS POR ELE (EM ORDEM ALFABÉTICA):
Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek (Painéis de Azulejos, 1993);
Brasília Palace Hotel (Painéis de azulejos, 1958);
Catedral Metropolitana de Brasília (Painéis de azulejos do batistério, 1970);
Centro Cultural Missionário – CNBB (Painéis de azulejos, 1995);
Cine Brasília (Relevo em madeira e laminado polivinílico, 1976);
Comércio Local Norte - CLN 302 e 302 (Painel de azulejos, 1976);
CONGRESSO NACIONAL:
1. Ala Teotônio Vilela no Senado Federal (Relevo em madeira, 1978);
2. Auditório Petrônio Portela no Senado Federal (Relevo em madeira, 1978);
3. Centro de Formação e Aperfeiçoamento da Câmara dos Deputados (Painel de azulejos, 2003);
4. Câmara dos Deputados (Muro escultórico no Salão Verde, 1976);
5. Plenário do Senado Federal (Painel com placas metálicas, 1978);
6. Plenário Ulysses Guimarães da Câmara dos Deputados (Painel em metal esmaltado, 1974);
7. Posto de Saúde da Câmara dos Deputados (Painel de azulejos, 1972);
8. Café Privativo da Câmara dos Deputados (Relevo em Madeira, 1987);
9. Salão Negro do Congresso Nacional (Painel em mármore, 1960);
10. Salão Nobre da Câmara dos Deputados (Divisória em madeira laqueada, 1978);
11. Salão Nobre do Senado Federal (Divisória em madeira laqueada, 1978);
12. Salão Verde da Câmara dos Deputados (Painel de azulejos, 1971);
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Terrestres – CNTTT (Painel em laminado polivinílico, 1981);
Clube do Congresso (02painéis de Azulejos e 01 painel de blocos de gesso em autorrelevo, 1972): FORAM DEMOLIDOS!
Cultura Inglesa Brasília (Revevo em madeira, 1978);
DATAPREV Auditório Brasília (Relevo em concreto, 1972);
Disbrave (Relevo em concreto, 1965);
Edifício Camargo Corrêa (Painéis em azulejo na cobertura, 1974);
Edifício Libertas Terra Brasilis (Relevo em madeira, 2000);
Edifício Denasa Brasília (Relevo em alvenaria e ferro, 1975);
Edifício Petrobrás SAuN Brasília (Painel de azulejos, 1962);
Embaixada do Brasil em Buenos Aires (Painel de azulejos, 1989);
Embaixada do Brasil em Cabo Verde (Painel de azulejos, 1983);
Embaixada do Brasil em Lagos (Relevo em madeira e fórmica, 1982);
Embaixada do Brasil em Nova Délhi (Piso em mármore e granito, 1984);
Escola Britânica de Brasília - Ex-escola Francesa Lycée François Mitterrand (Painéis de azulejos, 1981);
Escola Classe 407 Norte (Painel de azulejos e painel mural, 1965);
Escola Classe SQS 316 (Painel de azulejos, 1972);
Espaço Cultural Anatel (Relevo em concreto pintado, 1978);
FIOCRUZ/DF (Painel de azulejos, 2007), um de seus últimos trabalhos;
Hospital das Forças Armadas INCOR Brasília (Painel de azulejos, 2001);
Hospital Regional de Taguatinga (Painel de azulejos, 1974);
Igrejinha Nossa Senhora de Fátima (Painéis de azulejos, 1957);
Instituto de Artes da Universidade de Brasília (Painel de azulejos, 1998);
Instituto de Saúde Mental, Riacho Fundo/DF (Painel de azulejos, 1972)
Instituto Rio Branco (Painel de azulejos, 1998);
Interlegis (Painel de azulejos, 2001);
Jardim de Infância SQS 308 (Painel de azulejos, 1965);
Jardim de Infância SQS 316 (Painel de azulejos, 1972);
Manhattan Plaza Hotel (Painel em mármore e granito em relevo, 1991);
Memorial Juscelino Kubitschek (Relevo em mármore branco e granito preto, Câmara Mortuária, 1981);
Mercado das Flores (painel de azulejos, 1983);
Ministério da Saúde (Relevo em madeira, Biblioteca, 2002);
Ministério da Justiça e Segurança Pública, Salão Negro (Palácio da Justiça) (Painel metálico em aço inoxidável, atribuído a Athos Bulcão);
Ministério das Relações Exteriores (Palácio Itamaraty):
1. Sala dos Tratados (Treliça em madeira e ferro pintado, 1967);
2. Cobertura do Anexo II (painel de azulejos, 1983);
3. Hall Principal (Painel em mármore branco com relevos, 1967);
4. 8° andar (Painel de azulejos, 1968);
5. Passarela entre os anexos I e II (Painel de azulejos, 1982).
6. Anexo II (Painel em fórmica, 1982);
7. Hall Principal (piso em granito em tons de cinza, 1966);
8. Terraço (piso em mármore branco, 1966);
Palácio da Alvorada:
1. Capela Nossa Senhora da Conceição (Porta em aço anodizado com vidrais coloridos, 1958);
2. Capela Nossa Senhora da Conceição (Pintura no teto, 1958);
3. Capela Nossa Senhora da Conceição (Objetos Litúrgicos, 1958);
4. Hall do Palácio da Alvorada (Painel em latão, 1958);
Palácio do Planalto: Jardins internos (Painel de azulejos, 1982): OBRA DEMOLIDA EM 2009!
Palácio Jaburu (Painel em mármore, 1975);
Panteão da Pátria, Praça dos três Poderes (Painel em madeira laqueada, 1986);
Parque da Cidade, parada de descanso (Painel de azulejos, 1985);
Portaria do Bloco F da SQN 107 (Painel de azulejos, 1965);
Portaria do Bloco G da SQN 107 Brasília (Painel de azulejos, 1965);
Portaria do Bloco I da SQN 107 Brasília (Painel de azulejos, 1965);
Quartel General do Exército (Painel de azulejos, 1970);
Rede Sarah Brasília (Muros internos e externos, vazados de argamassa armada pintada, 1982)
Residência Ivani Valença (Painel de azulejos, 1972);
Residência Sérgio Parada (Painel de azulejos, 1999);
Residência Valéria Cabral (Painel de azulejos, 2001);
Rodoferroviária de Brasília (Painel de azulejos, 1972);
Secretaria de Trabalho do Distrito Federal:
1. Galeria Oeste (Relevo em madeira pintada, 1986);
2. Galeria Oeste (Painel Azulejos, 1986);
Superior Tribunal de Justiça (Painel de azulejos, restaurante e jardim interno do 9° andar, 1994);
Supremo Tribunal Federal (Relevo em mármore, 1969);
Teatro Nacional:
1. Sala Villa-Lobos, (Painel com função acústica, 1978);
2. Sala Martins Pena (Painel com função acústica, 1978);
3. Sala Martins Pena (Painel de azulejos, 1978);
4. Espaço Dercy Gonçalves (Painel de azulejos, 1978);
5. Sala Villa-Lobos (Relevo em mármore branco, 1976);
6. Revestimento externo (Relevo em concreto pintado de branco, 1966);
Templo da Legião da Boa Vontade (Relevo em madeira laqueada, 1999);
Torre de TV, Eixo Monumental (Painel de azulejos, 1966);
Tribunal de Contas da União, restaurante (Painel de azulejos, 1998);
Tribunal Regional do Trabalho
1. Relevo em fibra de vidro, 1978;
2. Piso em pedra portuguesa, 1978;
3. Revestimento externo (Relevo em concreto, 1978);
Tribunal Superior do Trabalho, hall de entrada do Plenário do Tribunal e Sala de Togas (Painel de azulejos, 2011).
Universidade de Brasília, Instituto de Artes (Painel de azulejos).
REFERÊNCIAS:
https://www.fundathos.org.br/galeriavirtual
http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/athosbulcatilde_menor.pdf
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