Silvio Barbosa

Professor concursado do Curso de Comunicação Social da UFPI, campus Teresina. Doutor em Comunicação e Mestre em Filosofia do Direito é advogado e jornalista, com 24 anos de experiência de mercado, tendo trabalhado em empresas como Rede CBS (Estados Unidos), Globo, Bandeirantes, Record e TV Cultura. Autor dos livros TV e Cidadania (2010) e Imprensa e Censura (no prelo) e dos documentários Vale do rio de lama - no rastro da destruição, e Sergio Vieira de Mello, um brasileiro em busca da paz no mundo.
Professor concursado do Curso de Comunicação Social da UFPI, campus Teresina. Doutor em Comunicação e Mestre em Filosofia do Direito é advogado e jornalista, com 24 anos de experiência de mercado, tendo trabalhado em empresas como Rede CBS (Estados Unidos), Globo, Bandeirantes, Record e TV Cultura. Autor dos livros TV e Cidadania (2010) e Imprensa e Censura (no prelo) e dos documentários Vale do rio de lama - no rastro da destruição, e Sergio Vieira de Mello, um brasileiro em busca da paz no mundo.

Censura na Bienal do Livro: tempos sombrios no horizonte

Até quando vamos conviver com essa ameaça?

Foto: Silvio BarbosaCapa do livro Imprensa e Censura, Editora Appris
Capa do livro Imprensa e Censura, Editora Appris

             Num país que está se acostumando ao cada vez mais frequente discurso de ódio em nome da “moral cristã”, onde templos de umbanda e candomblé são depredados e queimados em nome dessa mesma “moral cristã”, não deveria causar espanto o último ato em nome da “moral cristã”: a tentativa atrapalhada e fracassada de censura à Bienal do Livro do Rio de Janeiro.

            O prefeito-bispo do Rio e da Igreja Universal, Marcelo Crivella, decidiu, sem ter mais com o que se preocupar, mandar fiscais ao prédio da Bienal com ordens para violar a Constituição Brasileira, que proíbe a censura de qualquer natureza, inclusive a artística, para caçar um livro de histórias em quadrinhos.

            Qual seria o motivo? Uma HQ com excesso de violência, como é o próprio dia a dia carioca, com cenas de assaltos, explosões e assassinatos? Não, a razão da diarreia censória de Crivella foi o quadrinho Vingadores – a cruzada das crianças por conter uma cena de beijo gay. O motivo da censura não é a disseminação do ódio, mas do afeto entre dois personagens que são do mesmo sexo. Em outras palavras, pura homofobia...

            O ódio, na verdade, está nos olhos daquele que vê o mal ali numa história em que existe o amor. Um amor que, em pleno século 21, ainda levanta gestos de intolerância como esse, do chefe do poder executivo de uma das maiores cidades do Brasil.

            A tentativa de censura, é claro, não seguiu em frente. Nenhum exemplar do livro foi encontrado na Bienal, que nesta sexta-feira mesmo conseguiu uma liminar na Justiça proibindo novas ações dos fiscais. Na sequência, o presidente do Tribunal de Justiça do Rio, desembargador Claudio de Mello Tavares, cassou a liminar, permitindo a apreensão da HQ com o beijo gay caso não esteja em embalagem lacrada, como se fosse uma revista de pornografia.

            O desembargador diz que não é um ato de censura... Mas é sim!!! Não importa se o censor seja um funcionário do poder executivo ou um juiz, se o resultado final é a censura, o nome disso é... CENSURA!

            De positivo nessa história toda, bem tosca, bem Brasil atual, está o fato de que os fiscais da prefeitura do Rio tiveram, talvez pela primeira vez na vida, a oportunidade de pisar numa Bienal do Livro.

            Outro ponto positivo foi o choque trazido à sociedade por mais essa decisão tresloucada de um governante baseando-se em questões morais.

            Mas não é só no Rio que vivemos o que o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, definiu como “... o tempo da intolerância, da repressão ao pensamento, da interdição ostensiva ao pluralismo de ideias e do repúdio ao princípio democrático”.

            Vale lembrar que, em São Paulo, o governador João Doria mandou recolher apostilas para adolescentes da 8º série da rede estadual, em torno dos 14 anos, para que não sejam informados sobre a diversidade sexual, tema contido numa página com título “A diversidade de manifestações e expressões da identidade humana”.

            Para Dória, que parece estar bastante interessado no apoio do eleitorado conservador para seu projeto de conquistar a presidência de Jair Bolsonaro, o texto faz apologia da “ideologia de gênero”, termo criado por um documento da Igreja Católica no conservador pontificado de Bento XVI e que passou a ser adotado, desde então, em todo discurso contra a população LGBT. O texto da apostila, na verdade apenas explica nomenclaturas e diferenças entre sexo biológico, identidade de gênero e orientação sexual.

            Esses atos tenebrosos de censura do pensamento coincidiram, justamente, com a realização do 42º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, que reuniu 3 mil pesquisadores, entre professores e estudantes, no campus da Universidade Federal do Pará, em Belém, no qual lancei meu novo livro Imprensa e Censura (tema mais que adequado para o momento).

            E é claro que o tema da censura à liberdade de expressão, em todas as suas vertentes - artística, cultural, informativa - foi muito debatido. A censura, que sempre tentou dar as caras ao longo da história brasileira, parece estar perdendo mesmo a vergonha... Ela retorna para nos assustar, mas vem como sempre, tolamente inútil, já que o que ela faz mesmo é dar ainda mais visibilidade ao objeto que tenta esconder, trazendo mais divulgação e discussão sobre o tema proibido.

            A imagem do beijo gay dos personagens em quadrinhos, em vez de ser escondida pelas trevas da censura, ganhou até mesmo a primeira página dos jornais e destaque nos sites de notícias.

            Já que a censura não funciona na prática, para que continuar insistindo, senhor prefeito e senhor governador... Por quê? Apenas para conquistar votos de conservadores e ultra religiosos? Vale mesmo a pena nos levar de volta às trevas do fanatismo religioso e moral pela sobrevivência política? A resposta, veremos nas urnas...

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