Precarização ou supressão de Direitos Sociais?
Precarizar significa tornar precário, escasso, insuficiente, e de pouca estabilidade. Já suprimir, que se trata de um verbo transitivo direto, quer dizer acabar com (algo); extinguir, eliminar, cancelar. Nos últimos anos temos sentido na pele esses dois fenômenos de forma brusca. Os últimos governos têm falado muito em crescimento econômico, faz reformas, mas tudo fomentando ainda mais o capitalismo, e parece que fechando os olhos para a “roda da economia em si”, o que gera movimentação de capital, com isso garantindo os direitos mínimos sociais.
A população brasileira está em torno de 209,5 milhões de habitantes (fonte do IBGE), onde 50 milhões desses brasileiros vivem na linha de pobreza, o equivalente a 25,4% da população, e têm renda familiar equivalente a R$ 387,07. O número de brasileiros que se declaram pretos gira em torno de 17,8 milhões, esses dois segmentos são de pessoas consideradas mais vulneráveis a muitos males da sociedade. Ainda, segundo o Banco Mundial, o número de pessoas que vivem na pobreza subiu 7,3 milhões desde 2014, atingindo 21% da população, ou seja, 43,5 milhões de brasileiros.
Portanto, não é difícil se vislumbrar que temos no nosso país um crescimento anêmico, apesar de ser um país bastante rico. Também não se pode comparar o Brasil com outras nações de primeiro mundo, nem politicamente, economicamente e, principalmente culturalmente. É preciso que se reaja, que voltemos a ter políticas públicas e políticas sociais para vencer a pobreza que hoje aumenta drasticamente no país, que vença o desemprego e esses trabalhos informais, sem quaisquer garantias ao trabalhador; com políticas financeiras sustentáveis, que vençam a inflação e sustentem o mercado.
Antagonicamente, a Secretaria Especial da Previdência e Trabalho do Governo Federal, informou que criou um Grupo de “Altos” Estudos visando a modernização das relações trabalhistas. Grupo esse formado apenas por juristas, que são totalmente contra as garantias sociais, excluindo a sociedade civil, quem representa a cidadania, várias instituições e inclusive o empresariado. O alijamento de várias instituições representa uma significativa mudança de paradigma e de valores com o compromisso histórico de um país democrático, com um padrão mínimo civilizatório, e uma total falta de respeito com a sociedade.
Ainda há outras questões relacionadas a garantias de direitos, principalmente nas áreas de inspeção para promoção de saúde e segurança. As proposituras de reformas nas Normas Regulamentadoras-NR, com o pretexto de prestigiar a liberdade econômica, promovem também a supressão de direitos sociais amparados em normas constitucionais e internacionais do trabalho.
Causa profunda perplexidade a falta de reação da sociedade e dos nossos representantes legais que estão no Congresso, seja de partido A ou B (isso não interessa), de combater aos retrocessos sociais que, diuturnamente, se observa no processo legislativo protagonizado por quem hoje está no poder.
Iniciou em processos lentos: reforma trabalhista de 2017; a extinção do Ministério do Trabalho e seu encaixe no Ministério da Economia; MP que retira a obrigatoriedade da contribuição sindical, enfraquecendo todos os sindicatos (porque poderiam ter usado medidas para retirar apenas os que não correspondem ao objeto); depois veio a MP da liberdade econômica, com o pretexto de desburocratizar a economia, contudo, alterando drástica e camufladamente a legislação trabalhista em diversos pontos. Os direitos sociais foram e estão sendo atacados em todas essas reformas. Ocorre que, no seu preâmbulo e no seu artigo 1º, a C.F. estabelece a instituição de um Estado Democrático que tem por objetivo assegurar direitos sociais, o bem-estar, a igualdade e a justiça como valores supremos. E ai? Quem vai resgatar tudo isso? Os direitos trabalhistas foram os únicos para os quais o Constituinte Originário dedicou um capítulo, indicando como essenciais na concretização dos valores da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho. Com essa especificidade se aponta a centralidade dos direitos trabalhistas dentre os valores dominantes estruturantes do Estado de Direito. Com tal proposição, a Constituição Federal estabeleceu a obrigatoriedade da promoção pelo Estado brasileiro (Legislativo, Executivo e Judiciário) da defesa e proteção do trabalhador, como um dos princípios da ordem social e econômica brasileira a limitar a livre iniciativa econômica em conformidade com o princípio maior da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho e da justiça distributiva (justa e solidária) que assegure aos trabalhadores uma existência digna, sendo cláusula pétrea inalterável sequer por emenda constitucional (Inc. IV do §4º do Art. 60 da C.F.). Portanto, não faz sentido essas mudanças citadas, tão pouco se criar um grupo “elitizado”, apenas com juristas, para se discutir algo que é de responsabilidade de todos, em especial, a defesa do trabalhador que deve ser feita pelo legislativo, executivo e judiciário. Leia-se DEFESA e não retirada.
Não bastasse as “reformas das reformas” trabalhista, veio a reforma da previdência, onde retira o mínimo do mínimo de garantia de várias famílias, que trabalhavam prevendo se aposentar com uma renda e terão que perceber outra bem inferior, não podendo ter qualidade de vida, após anos e anos de trabalho. Sim, a reforma muda o cálculo da aposentadoria que terá uma regra só para todos os trabalhadores, da iniciativa privada e servidores. O valor da aposentadoria será de 60% da média salarial mais 2% por ano de contribuição que exceder o tempo mínimo. Já para a pensão por morte, limita o valor pago na concessão do benefício de pensão por morte a 60% por família, mais 10% por dependente. Registre-se que em 2014 já havia tido uma reforma de pensão por morte, onde apenas viúvas/viúvos acima de 44 anos podem receber pensão definitiva, com idade inferior o benefício será reduzido em tempo, podendo eles (viúvos), especialmente mulheres e mães mais jovens, ficarem sem o apoio financeiro que tinha de quem contribuiu para a previdência com esse fito.
Afinal, é um país que está andando na contramão? Temos visto muitas decisões judiciais recentes que parecem criminalizar o trabalhador, que parecem quererem retirar do seio da sociedade o homem/a mulher que contribuiu muitos anos para esta sociedade, e na doença ou velhice não poder ter o amparo do Estado. É um pais que está se afastando do projeto civilizatório de inclusão e valoração as garantias constitucionais? Recentemente quase aprovam nessas mesmas reformas, o trabalho ininterrupto semanal, sem descanso semanal ao domingo, para todas as atividades econômicas. Seria um Apartheid? Trabalhadores e assalariados não deveriam estar de folga aos domingos nos mesmos ambientes dos empresários, dos ricos, dos abastados (sic!).
Hoje também, como precarização tem a questão da uberização, é uma febre! Ou seja, na maioria das vezes, na necessidade, estes trabalhadores a enfrentam. São considerados trabalhadores autônomos, sem garantia nenhuma. A chamada uberização que vem crescendo desmedidamente, mesmo encaixando-se ou não no modelo proposto, que era melhorar o sistema de transporte existente (que quando não é de má qualidade é de alto custo). Enquanto na Europa e nos EUA, ainda que países bem liberais, estão ajustando suas legislações para enquadrar esse tipo de motorista de aplicativos como empregados, aqui nós temos esse trabalho “informal”, de forma desregulada, do livre mercado, que com o tempo deverá mostrar pessoas desgastadas e doentes fisicamente, psicológica e moralmente. O estado da Califórnia, por exemplo, onde fica localizado o “vale do silício”, maior polo de tecnologia e inovação, berço das inovações tecnológicas, aprovou recentemente uma lei que regulamenta o uso desses aplicativos de transportes.
Enfim, permeia uma “extrema preocupação” com essas mudanças propostas, sejam consideradas redução ou supressão de direitos sociais, contudo, estão sendo distribuídas de forma desproporcional, encaradas pela lógica, em evidente vício de inconstitucionalidade e inconvencionalidade, podendo ser uma bola de neve e trazer grandes prejuízos à previdência, às famílias e a sociedade como um todo, com o possível aumento de desempregados, de suicídios, de acidentes do trabalho, tudo isso com intenso e irrazoável sacrifício dos direitos fundamentais e sociais dos trabalhadores.
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