Giulieny Matos

Gosta do cotidiano. É especialista em segurança pública e educadora autônoma. Formada pela Unb, trabalha atualmente em prol da prevenção precoce da violência. Colaboradora da Magazine Internacional IPA Brazil. Possui 12 livros publicados.
Gosta do cotidiano. É especialista em segurança pública e educadora autônoma. Formada pela Unb, trabalha atualmente em prol da prevenção precoce da violência. Colaboradora da Magazine Internacional IPA Brazil. Possui 12 livros publicados.

Todas nós, mães, sofremos de pequenas prisões. Só investigar!

Mães de 2020 experimentaram como é estar longe dos filhos em tempos de coronavírus.

O ano de 2020, ao viver o advento do coronavírus, proporcionou diferentes experiências para todos. Especialmente nesse segundo domingo de maio, quando é comemorado o tradicional dia das mães, com direito ao almoço típico de família, esse ano não aconteceu.

Foto: Giulieny MatosAs pequenas prisões de cada mãe
As pequenas prisões de cada mãe

Já o dia das mães nas penitenciárias é comemorado no dia da visitação dos familiares, com muita alegria, nostalgia e sentimentos de valor aos filhos. É assim para grande parte das mulheres mães detentas, aquelas que não usam dos filhos para chantagens emocionais. O evento, como os demais do mundo, também foi cancelado.

Não foi vivido, em 2020, o encontro familiar habitual para a mãe comum, assim como não aconteceu também, para a mãe presa. Uma boa parcela das mães detidas nas penitenciárias, cumprindo suas penas, vivenciam todos os anos essa experiência do isolamento, novidade para a mãe comum.

As mãe comuns, cujos filhos residem no mesmo lar, experimentaram um dia caloroso, liberto dos apelos comerciais, comemorando simplesmente a vida, a existência, a alegria de pequenas ações animadas pelas redes sociais. As mães detidas, acostumadas a esse jejum, sentiram-se mais isoladas ainda. Ambas experimentaram a saudade dos filhos e a preocupação pela situação sanitária fora do seu controle.

As mães comuns são "livres", mas vivenciam pequenas prisões também em suas vidas. A carteira de motorista que nunca conseguiu tirar, a tirania do marido controlador, mulherengo, beberrão, a indiferença de filhos, a solidão da velhice em abrigos, a dependência da boa vontade em um filho de lhe ensinar sobre internet e redes, o almoço certo do dia a dia, a roupa pronta da semana, a governança da casa, o ônibus lotado, o trânsito pesado, o chefe sem noção, o horário rígido de trabalho, a contagem por uma aposentadoria, a luta contra alguma doença.

A detenta conta, ansiosamente, os dias de sua remissão, enquanto sonha com seu fim de pena. A progressão de regime já estaria de bom tamanho se viesse na data certa. A pena dela é a suspensão da sua liberdade de se locomover, é não ter direito de estar em sua casa, nos eventos sociais, nas ruas, nos parques, nas lojas, nas baladas.

A pena da mãe comum é suportar um companheiro tantas vezes mal educado, agressivo e controlador, é não conseguir adquirir aquele mimo tão sonhado, é ser questionada, e até duvidada, ao frequentar seu culto religioso; é enfrentar os caprichos dos filhos, que, mesmo depois de grandes, acham-s no direito de se intrometerem em sua vida, e até mesmo de se acharem donos de suas finanças. É tantas vezes estar presa à ditadura da beleza, às regras sociais, aos vários tipos de exigências exageradas, e ser julgada 24h por isso.

O Brasil possui 104,772 milhões de  mulheres comuns, representando 51,6% da população total (IBGE 2019). Mães, guerreiras, imbatíveis, herdeiras dos poderes de Atenas. As penitenciárias guardam 38 mil mulheres detentas, sentenciadas ou não.

As mulheres comuns podem escolher entre fazer faculdade, um tipo de marido, um namorado, e até a opção da casa onde morar. Curiosamente, nem todas essas escolhas têm sido as melhores. As mulhetes detentas moram em 227 penitenciárias distribuídas na federação. Locais que não optaram por viver, mas suportam conscientemente pela força de suas escolhas de vida. São carentes em sua maioria, nos dois sentidos, material e economicamente.

Dentre as mulheres privadas de liberdade, 47% são jovens de até 29 anos, 44% possuem apenas o ensino fundamental (completo ou não) e 13 % são analfabetas. Dentre elas, 60% são solteiras, 25% amasiadas e 8% casadas. A maior parte pertence ao regime fechado, a cumprir pena por tráfico (18 mil mulheres = 51%), crimes contra o patrimônio (9 mil mulheres = 26%) e crimes contra a pessoa (5 mil mulheres = 13%).

As maioria das detentas cumprem, em média, penas de 4 a 8 anos (42,20%) e penas de 8 a 15 anos (25%). No Brasil estão registradas 342 gestantes e 196 lactantes, das quais 40% não estão alojadas em celas adequadas. Dentre os 227 estabelecimentos prisionais, apenas 21% oferecem condições mínimas para acolher os 540 bebês, a serem separados de suas genitoras aos 6 meses de idade. Apenas 4% das unidades oferecem creches. (SISDEPEN 2020)

A mãe comum, assim como a mãe detenta, não possui tudo o que quer, mas ambas possuem o mínimo necessário. Indistintamente, vivem cada dia com um sorriso no rosto e tentam investir no bom humor. Da vida trancada dentro de casa, abrigo seguro, inventam comidas e diversões para animar o seu lar. De dentro da cela ou no pátio do banho de sol, escrevem cartas e fazem sonhos de voltar à liberdade.

Todas nós, mães, temos nossas pequenas prisões, as quais decidimos entre aceitar e conviver, ou não. A isto chamamos de resiliência e fortaleza, firmeza de propósito, pontos que as duas mães realmente possuem em comum, que tornam a vida tão necessária e bela.

Todos sofremos de pequenas prisões. Só investigar!

Parabéns mamãe pela força e alegria de todo dia!

Giulieny Matos, para o Portal JTNews

#IPA-BRASIL

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