Alta dos alimentos e da inflação é global, mas disparada é pior no Brasil
O Brasil não só não escapa desse movimento como a disparada é pior aqui, por uma série de fatores, como a alta do dólarOs preços dos alimentos sobem no mundo inteiro e ajudam a impulsionar a inflação global. O Brasil não só não escapa desse movimento como a disparada é pior aqui, por uma série de fatores, como a alta do dólar.
Uma pesquisa da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostrou que a inflação média esperada para o final de 2021 nos países do G20 é de 3,7%. Para o Brasil, a previsão de alta de preços é quase o dobro, de 7,2%, atrás só da Argentina (47%) e da Turquia (17,8%).
Apesar disso, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) costuma minimizar a questão interna e atribuir a alta de preços apenas a um contexto global. Na semana passada, Bolsonaro relativizou a crise ao dizer que a alta de preços acontece em todo o mundo. Ao comparar preços de produtos no Brasil e em outros países, como os Estados Unidos, afirmou.
"Tá reclamando que está alto aqui? Lá também está. Essa crise é no mundo todo. Não é só no Brasil", disse o presidente Jair Bolsonaro
Por que alimentos estão mais caros no mundo?
Em setembro, o índice de alimentos da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) alcançou média de 130 pontos, alta de 1,5 ponto (1,2%) em relação a agosto e de 32,1 pontos (32,8%) em comparação com o mesmo mês de 2020. O resultado mensal, segundo a FAO, é o nível mais alto em uma década e foi impulsionado, em grande parte, pelos preços mais altos da maioria dos cereais e óleos vegetais.
Allexandro Mori Coelho, coordenador de graduação em economia da Fecap (Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado), explica que a alta mundial dos alimentos acontece, por um lado, porque a oferta caiu, devido a fatores como condições climáticas. A alta do preço do açúcar, por exemplo, é causada pelo temor de que geadas e o prolongamento da seca reduzissem a safra no Brasil, que é o maior exportador mundial da mercadoria.
Já a elevação do preço de óleos vegetais foi provocada por expectativa de queda da produção e pela retenção de reservas na Malásia como forma de compensar a redução de seus estoques.
O aumento do preço de cereais, principalmente trigo, foi devido às expectativas de safras menores nos principais países exportadores (Estados Unidos, Canadá, Rússia, entre outros). Mas também existe outro fator importante. A procura por produtos aumentou com o controle da pandemia e a retomada das atividades econômicas em vários países.
Por que no Brasil é pior?
No entanto, no Brasil, o impacto tem sido pior, em função de vários outros fatores. Os alimentos acumulam alta de 14,66% em 12 meses, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com destaque para açúcar (44%), óleo de soja (32%) e carnes (25%).
André Braz, economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre-FGV) explica que os preços dos alimentos subiram no Brasil em função da valorização de muitos deles nos mercados internacionais. "O mundo está aquecendo, e os preços do milho, da soja, do trigo subiram muito em Bolsas internacionais, como commodities importantes." Outro fator que justifica o aumento é a disparada do dólar. A moeda norte-americana subiu 29,33% em 2020 e já acumula alta de 6,33% neste ano, sendo vendido acima de R$ 5,50.
"Nossa moeda perdeu valor e, sempre que isso acontece, o Brasil se torna uma grande vitrine em promoção. Muitos países, principalmente da Ásia, querem comprar produtos brasileiros, porque ficaram mais baratos. A China, por exemplo, é uma grande compradora de soja, milho, minério de ferro e carnes brasileiras", disse André Braz, economista do Ibre-FGV.
O economista explica que esse aumento das exportações, positivo para a balança comercial (vendemos mais ao mercado externo e ganhamos dólares por isso), torna-se um desafio a mais para a inflação, porque desabastece o mercado brasileiro.
"Quanto mais o Brasil exporta, menor a disponibilidade de produtos internamente e, pela lei da oferta e da procura, os preços acabam subindo." O dólar alto puxa não só o preço dos alimentos, como o dos importados e de produtos ligados a cotações internacionais, caso dos combustíveis e do gás de cozinha. Tudo isso contribui para puxar a inflação, como um todo.
"Ruídos" do governo também interferem
Braz também cita como problema os "ruídos", referindo-se ao clima de instabilidade no cenário interno, por parte do governo federal. "O Brasil é muito endividado, o que aumenta as incertezas sobre a capacidade de o país honrar seus compromissos. E esse aumento do risco não atrai investidores, o que interfere na desvalorização do real", diz.
Coelho diz que a postura do próprio presidente Bolsonaro contribui para o aumento do dólar.
"As declarações de caráter golpista por parte do presidente, de confronto com outros Poderes da República, sobretudo com o Judiciário, e a insistência no questionamento sobre a lisura do processo eleitoral geram instabilidade política, que promove saída de capital estrangeiro e caem as receitas de exportações em dólares por parte de empresas brasileiras, que preferem manter estes recursos lá fora", destacou Allexandro Mori Coelho, professor da Fecap.
Uma solução para a desvalorização do real, segundo Braz, é o aumento de juros, o que já vem sendo feito pelo Banco Central. "Isso também atrairia capital interessado em ser remunerado com juros mais altos. Mas apenas o juro alto não é suficiente, porque é preciso um ambiente doméstico mais estável", afirma. Para ele, havendo uma redução do risco político e uma agenda comandada pelo governo para redução do déficit público, haveria um ambiente mais favorável a atrair investimentos.
"Com nossa moeda se desvalorizando, é como se os produtos que tiveram alta em dólar ficassem mais caros ainda. A nossa percepção aqui é de que a inflação para alimentos é maior do que em outros países, muito embora o efeito seja, de fato, mais global", afirma Braz.
Seca prejudicou lavouras
A crise hídrica também é responsável pelo aumento dos preços. "A seca comprometeu as lavouras de milho, cana-de-açúcar, café, e todos esses itens e derivados dessas culturas estão subindo. Além de ter impactado a produção de alimentos, a seca leva problemas para a pecuária. Com a seca, o gado perde peso e a produção de leite diminui, o que força o aumento tanto da carne quanto do leite e dos seus derivados", declara Braz.
Segundo o economista, esse período de seca ainda perdurará, e isso deve sustentar preços mais altos de algumas culturas por alguns meses. "Ainda estamos longe de ficarmos livres desses efeitos da seca sobre o preço dos alimentos básicos", afirma.
Coelho define como outro fator interno importante a significativa redução dos estoques reguladores de grãos, junto à Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), que retirou do governo a capacidade de compensar as pressões de aumento de custos dos alimentos oriundas do exterior.
Nesses armazéns, eram estocados alimentos comprados pelo governo. Quando apresentavam alta de preços, o governo vendia os estoques por preços mais baixos, exercendo um controle. A seca também afeta a geração de energia, porque reduz o nível dos reservatórios. Com isso, o país precisa acionar as termelétricas, mais caras, e o impacto disso vai para a conta de luz, que também implica em mais inflação.
Impacto é ainda maior para baixa renda
Braz explica que a inflação tem maior impacto na população de baixa renda. "A inflação corrói o poder aquisitivo das famílias: quanto mais alta, menos dinheiro vai sobrar para as necessidades básicas.".
"Estamos esperando uma inflação mais próxima de 10% para este ano. Para quem ganha, por exemplo, R$ 1.100, isso significa que a inflação vai destruir R$ 110 dessa renda. Serão R$ 110 a menos para a família suprir suas necessidades básicas. Para aqueles que ganham muito pouco, e que não têm defesa do processo inflacionário, o aumento da inflação é muito nocivo, diminui muito a qualidade de vida", disse André Braz, economista do Ibre-FGV.
Fonte: UOL Notícias
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