Sou um cidadão comum, que paga impostos e que trabalha para sustentar a família. Fora isso, sou aquele que mantém você seguro de criminosos de toda espécie.
Sou a pessoa que fecha o cadeado da prisão. E enquanto você dorme, sou eu quem realiza rondas no presídio a fim de evitar fugas de maus elementos.
A Polícia Militar prende os bandidos; a Civil os encaminha ao Tribunal; o Ministério Público os denuncia; o Judiciário os envia ao sistema prisional - tudo isso acontece em poucos dias. Mas sou eu que vou ver o presidiário envelhecer e vou envelhecer com ele.
Sou o louco que entra desarmado e com apenas dois colegas num pavilhão contendo cem presos. Sou eu quem, com um gesto ou a voz (e se for preciso a força física), debela um motim. E se acontece uma rebelião, sou o principal alvo de pedras, ferro e fogo ou de ser tomado refém.
Sou o cara que vistoria as celas insalubres sob o risco de contaminação com objetos. Sou eu quem aspira a fedentina dos banheiros úmidos e sujos.
Sou o operacional que faz as buscas pessoais em indivíduos violentos e doentes. Sou eu quem convive com sarna, tuberculose, hanseníase, HIV.
Sou o motorista que transporta o encarcerado a audiências e hospitais sem temer a emboscadas.
Sou para o preso seu inimigo, a quem ele ameaça e mata. Paradoxalmente sou seu salvador, a quem ele recorre nos momentos de desespero e dor.
Sou o coordenador e realizador das tarefas mais penosas da penitenciária. Mas sou o infeliz a quem o Estado paga mal.
Sou ocupante de um dos cargos mais estressantes do mundo; no entanto, políticos preferem me ver morrer a me aposentar.
Sou o psicólogo de mim mesmo, num esforço hercúleo para não sucumbir à bebida nem às drogas; para manter a lucidez e a humanidade; para preservar a honestidade e a vida.
Por fim, sou um invisível - visto apenas quando me querem punir.
Flávio José, escritor, professor, licenciado em Letras Português e Agente Penitenciário do Piauí.
Fonte: JTNEWS