Avanços no tratamento de HIV fazem com que pacientes não transmitam o vírus
Para a melhor eficácia, é essencial manter um acompanhamento regular com o médico e seguir o tratamento sem interrupções e falhasQuando as infecções pelo vírus HIV surgiram, na década de 80, receber um diagnóstico positivo era praticamente uma sentença de morte. No entanto, com o avanço da medicina e dos tratamentos disponíveis, hoje as pessoas vivendo com HIV (PVHIV) que seguem o tratamento corretamente conseguem alcançar o ponto de não transmitirem mais o vírus.
Na opinião de médicos, esse é mais um marco importante para as PVHIV. O conceito, conhecido como u=u (undetectable = untransmittable) ou i=i (indetectável = intransmissível) no Brasil, surgiu por conta de uma série de estudos com casais sorodiferentes (quando um dos parceiros vive com HIV e o outro não).
Esses trabalhos revelaram que quando o parceiro com HIV realizava o tratamento a ponto de deixar sua carga viral indetectável, não havia transmissão do HIV para o outro.
"Esse guideline (i=i) existe por conta de uma série de estudos —dentre eles o Partner 1 e 2, que reuniu casais hetero e homossexuais. Ou seja, foram analisadas mais de 160 mil relações sexuais desprotegidas e os pacientes com carga indetectável não transmitiram o vírus ao parceiro", explica José Valdez Ramalho Madruga, infectologista, coordenador do Comitê de Aids/HIV da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia) e pesquisador da Casa da Pesquisa do Centro de Referência e Treinamento - DST/Aids, de São Paulo, que reitera que essa orientação é apoiada pelos principais órgãos de saúde do mundo, como OMS (Organização Mundial da Saúde) e CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA).
Para alcançar a carga viral indetectável, no entanto, o paciente precisa aderir ao tratamento, que também foi avançando desde a década de 90. Atualmente o coquetel antirretroviral é uma combinação de três medicações e tem menor toxicidade ao paciente.
"No início, o coquetel tinha medicamentos distintos, um que precisava de jejum, outro que tinha que tomar alimentado e isso dificultava a qualidade de vida e a adesão ao tratamento. Hoje, com a medicação, de dois a seis meses o paciente consegue ficar com a carga viral indetectável", explica Madruga.
Mas claro que para atingir essa marca é necessário manter um acompanhamento regular com o médico e seguir o tratamento sem interrupções e falhas. Isso porque se o paciente não adere ao tratamento corretamente há o risco de o vírus ficar resistente.
Segundo Ricardo Diaz, infectologista, professor associado de infectologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e um dos brasileiros envolvidos nos estudos de cura do HIV, 20% dos vírus do Brasil têm resistência a algum dos medicamentos do coquetel.
"Isso significa que em algum momento do tratamento, um paciente começou a não aderir ao tratamento corretamente, esquecendo de tomar os comprimidos, e isso fez com que o vírus parasse de responder a medicação", explica o professor associado de infectologia da Unifesp.
Menos preconceito e mais qualidade de vida
Saber da possibilidade de parar a transmissão tem contribuído para que muitas pessoas com HIV sigam o tratamento da forma adequada. De acordo com o estudo Positive Perspective, os pacientes diagnosticados que receberam a informação de como ficar com vírus indetectável aumentaram em 80% a adesão ao tratamento em comparação aos que não ouviram falar sobre o i=i.
"De fato, esse é um conceito que a sociedade como um todo não conhece tanto. Mas ter conhecimento é tudo. Por isso, é importante cada vez mais campanhas educativas para que possamos popularizar a informação e contribuir para diminuir o estigma das pessoas vivendo com HIV, que ainda é muito prejudicial", afirma Miralba Freire, infectologista, professora na Faculdade de Medicina da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e diretora do CEDAP (Centro Estadual Especializado em Diagnóstico, Assistência e Pesquisa) na Bahia.
Além de ajudar no tratamento em si, a carga viral indetectável também traz uma série de benefícios psicológicos aos pacientes, já que eles também se preocupam com a possibilidade de o parceiro contrair o vírus.
"Ao eliminar o risco de transmissão, a paciente pode ter um filho naturalmente sem qualquer risco, pode fazer um transplante de órgão e até mesmo sexo desprotegido com o parceiro —ainda que sempre recomendamos o uso de preservativo para evitar todas as demais doenças sexualmente transmissíveis, como sífilis e gonorreia", destaca Diaz.
A carga viral indetectável no organismo também ajuda o paciente com HIV a recuperar seu sistema imunológico. Diaz explica que o vírus causa uma doença inflamatória crônica e a consequência é uma espécie de "cicatriz" nos órgãos que produzem as células de defesa.
"Por isso, quanto antes iniciar o tratamento, melhor, a chance de a pessoa conseguir recuperar a imunidade é grande. Agora, se demora muito, o paciente pode perder de 20 a 30% da imunidade", diz.
Essa rapidez no tratamento também é primordial para evitar que a pessoa desenvolva a Aids —sigla em inglês para a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida. "Há uma estimativa de que é preciso estar infectado com o HIV de 8 a 9 anos para poder desenvolver a Aids, mas tem gente que desenvolve mais rápido. Dois anos sem tratamento e aí a pessoa já está com a doença.", explica o professor da Unifesp.
Teste = prevenção = tratamento mais rápido
Com o conceito i=i, os especialistas têm abordado o tratamento também como forma de prevenção. "O teste é muito importante, já que a medida que se testa, o resultado sai no mesmo dia e você já recebe encaminhamento, se for necessário, e consegue iniciar o tratamento o quanto antes", explica Freire, que é diretora em um centro na Bahia que realiza testagens.
Feita de forma gratuita na rede pública, a testagem também foi afetada pela pandemia, impactando no diagnóstico do HIV.
De acordo com dados básicos de monitoramento do Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, o número de casos notificados em 2020 reduziu em 68,3% em comparação com 2019.
"As pessoas ficaram com medo de buscar o serviço de saúde por conta do coronavírus. Os testes não faltaram, mesmo com a pandemia, mas a baixa procura por eles impacta diretamente no número de casos notificados. Mas é importante reforçar que os postos estão preparados para atender quem precisa. A recomendação é que todo adulto deve realizar esse teste pelo menos uma vez na vida", afirma Freire.
Diaz acredita que ao expandir o diagnóstico, maior a chance de conseguir tratar os pacientes de forma precoce, aumentando consequentemente a expectativa de vida e diminuindo o risco de transmissão.
Fonte: JTNEWS com informações da UOL
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