Carta aos infelizes; por Flávio de Ostanila
"Alguns se veem diante de tantos obstáculos que têm a sensação de que já nasceram sofrendo"“O inferno do mundo excede o inferno de Dante... Sofrer, morrer, é o vosso destino... ". Schopenhauer, Dores do Mundo
Lamurientos leitores, escrevo estas poucas linhas para compartilhar um pesadelo que tive que me lembrou vocês, que tanto reclamam de infortúnios.
Sonhei que, tal qual em A Divina Comédia, estou em uma selva escura e cheia de feras. Sem Virgílio para me guiar, deparo-me com a entrada do Inferno, sem portas nem cadeados, onde havia uma advertência: “Deixai toda a esperança, ó vós que entrais!”.
Em seguida, com outros condenados, cruzo o rio Aqueronte, conduzido por Caronte - o barqueiro dos mortos. "Almas ruins, vim vos buscar para o castigo eterno! ", anuncia, descendo o remo nos que hesitam em embarcar.
"Quando despertei antes de romper o dia, chorar ouvi, dentro do sono, meus filhos
que estavam comigo lá, pedindo pão".
Acordado, analisei o sonho e percebi quão semelhante é a vida de vocês, queixosos. Alguns se veem diante de tantos obstáculos que têm a sensação de que já nasceram sofrendo - nas complicações do parto ou no meio da pobreza - e de que tudo será sempre muito difícil.
E daí em diante, notei que viver, para indivíduos desventurados, assemelha-se à travessia de um pântano cinzento com direito a lapadas de remo nas costas. Os filhos famintos e no mesmo barco, a mim me parece excesso de crueldade até para os padrões do Capiroto.
Por outro lado, não faria sentido essa analogia? Gerações inteiras (avô, pai, filho) não padecem das mesmas dificuldades, como se o primeiro garantisse aos descendentes passagem gratuita para o Inferno?
Lastimosos colegas, talvez o que expus não seja surreal. É possível que sejam vocês de fato habitantes do Inferno. E até provável que tenhamos muito em comum, pois eu também "no meio do caminho desta vida/me vi perdido numa selva escura,/solitário, sem sol e sem saída".
Atenciosamente,
Lamentoso autor.
Flávio José Pereira da Silva [Flávio de Ostanila] é policial penal, escritor, bacharel em Direito e professor de Língua Portuguesa.
Confira AQUI a última crônica do autor, publicada com exclusividade pelo JTNEWS.
Fonte: JTNEWS
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