Ensaio sobre a perfeição; por Flávio de Ostanila

"Claro que a imperfeição não se encontra apenas nos laboratórios e hospitais: ela está em todos os lugares, coisas e pessoas"

"O que está em vida é inacabado. Os mortos são completos. A ânsia por perfeição é, na verdade, na profundeza, uma ânsia pela morte. Para que fiquemos em vida, temos que respeitar o inacabado."

Bert Hellinger

Foto: Zé Paulo/JTNewsFlávio José é agente penitenciário e escritor
Flávio José Pereira da Silva [Flávio de Ostanila] é policial penal, escritor, bacharel em Direito e professor de Língua Portuguesa

Perfeição: o mais alto nível numa escala de valores; excelência no mais alto grau; caracteriza um ser ideal que reúne todas as qualidades e não tem nenhum defeito; designa uma circunstância que não possa ser melhorada. São alguns dos conceitos traçados pela lexicografia e filosofia. Nesses dois anos de pandemia, fui instado, em várias ocasiões, a analisar essa palavra. 

Quando a Anvisa divulgou a eficácia das vacinas, observei que nenhuma delas tinha porcentagem 100. Daí, nem um dos vacinados pôde estar protegido totalmente da contaminação pelo coronavírus. Ou seja, não há antígeno perfeito. 

Também não foram perfeitos os profissionais de saúde. Embora tenham se esforçado para fazer um bom trabalho, houve, por exemplo, casos em que utilizaram na imunização a mesma agulha em mais de um braço. Exames não foram exatos, e médicos cometeram alguns erros. 

Claro que a imperfeição não se encontra apenas nos laboratórios e hospitais: ela está em todos os lugares, coisas e pessoas. Há os que sentenciam que a natureza é perfeita. A essas pessoas que veem exatidão no natural, eu pergunto qual a medida usada para tal declaração. Certamente indivíduos de regiões áridas ou vítimas de enchentes e tsunâmis não concordariam com essa afirmação. 

Também não existem galhos de árvores categoricamente simétricos, nem animais tampouco pessoas sem qualquer mancha no corpo ou alteração de comportamento. 

Quanto a coisas, não há objeto que não se deteriore, ou não amasse, ou não rasgue, ou não entorte, ou não se desgaste. 

Ouso dizer que até os sentimentos são inexatos. Como dimensionar algo sem uma balança? Não se sabe o limite do amor, nem o alcance do ódio. 

Como professor de língua portuguesa, eu já lecionava que nem sequer os sinônimos são perfeitos. Se tivesse que escolher entre um quadro lindo e outro bonito para ornamentar a sala de sua casa, você optaria por qual deles? Notou que o lindo sugere um pouco mais de boniteza? Entretanto quando contraí covid percebi que havia, sim, perfeição no mundo: a morte. 

Ela é inevitável: não há como escapar. É inegociável: não se barganha. É eclética: leva a todos. É infindável: jamais perece. É completa: nada lhe falta. Independente de força e aspecto físicos, características morais, ideologia, profissão, fama, dinheiro, poder, religião, origem, sexo, cor, idade, você vai morrer. 

A morte não tem feição, nem som, nem cheiro, nem sabor, mas sua onipresença é incontestável. Ela não tem opinião sobre a raça humana, porém iguala as pessoas e as torna vulneráveis. Já pensou se o homem abastado pudesse comprar a imortalidade?! É, pois, a morte, nesse diapasão, reconfortante para os pobres. Morrer, para algumas culturas, é, inclusive, motivo de celebração. 

Sendo a existência defeituosa e o fim absoluto, desejo a vocês, imperfeitos leitores e leitoras, uma ótima vida e uma boa morte.

Flávio José Pereira da Silva [Flávio de Ostanila] é policial penal, escritor, bacharel em Direito e professor de Língua Portuguesa.

Confira AQUI a última crônica do autor, publicada com exclusividade pelo JTNEWS.

Fonte: JTNEWS

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