Lobo-guará, símbolo do Cerrado ameaçado na natureza, será homenageado em nota de R$ 200
Uma das esperanças de especialistas é que a imagem do lobo-guará na cédula de R$ 200 traga mais destaque à espécieO maior canídeo silvestre da América do Sul vive em risco constante. Um dos principais símbolos do Cerrado, o lobo-guará foi duramente afetado pela constante expansão do agronegócio no bioma.
Classificado pelo Ministério do Meio Ambiente como uma espécie vulnerável, em uma lista de animais ameaçados de extinção, o lobo-guará é considerado inimigo por muitos proprietários de áreas rurais. Com frequência, o animal é morto a tiros. Outro risco está nas rodovias; há diversos registros de canídeos que morreram atropelados.
Há mais de duas décadas, a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, em inglês) classifica o lobo-guará como uma espécie "quase ameaçada".
Especialistas apontam que, diante dos frequentes problemas causados por intervenção humana, a população de lobos-guarás no Brasil reduziu cerca de um terço nas últimas duas décadas. A estimativa atual, segundo estudiosos, é de que haja cerca de 24 mil animais no Brasil, que correspondem a cerca de 80% da população mundial — eles também estão em países como Argentina, Uruguai, Bolívia e Peru.
Para os estudiosos, é necessário que as pessoas e produtores rurais se atentem com urgência à necessidade de preservar os lobos-guarás. Caso contrário, acreditam que futuramente o animal pode figurar entre aqueles que correm risco de extinção.
Uma das esperanças de especialistas é que a imagem do lobo-guará na cédula de R$ 200 traga mais destaque à espécie para que as pessoas se atentem às dificuldades vividas por esses animais.
De acordo com o Banco Central, o lobo-guará foi escolhido para ilustrar a nota com base em uma pesquisa feita em 2001 para escolha de animais para novas cédulas. Os dois mais votados, tartaruga-marinha e mico-leão-dourado, foram utilizados, respectivamente, nas cédulas de R$ 2 e de R$ 20. O terceiro foi o lobo-guará.
Esta será a primeira vez, em 18 anos, que o real ganhará uma nota de novo valor. Ela se juntará aos seis valores de cédulas hoje em circulação: R$ 2, R$ 5, R$ 10, R$ 20, R$ 50 e R$ 100.
O lobo-guará já havia aparecido em uma moeda brasileira no passado. Entre dezembro de 1993 e setembro de 1994, ele estampou a moeda de 100 cruzeiros reais.
Perda de habitat
Estudos apontam que cerca de 60% dos lobos-guarás no Brasil estão concentrados no Cerrado. Eles também estão presentes em áreas desmatadas da Mata Atlântica, além do Pantanal e os Pampas (em parte do RS).
No bioma em que há maior presença dos lobos-guarás é também onde existe maior expansão do agronegócio brasileiro.
O desmatamento no Cerrado traz mudanças intensas aos lobos-guarás. "As áreas em que eles vivem foram tomadas por setores da economia, como a agricultura. Isso descaracteriza o bioma. Essas regiões se tornam mares de pasto, cana ou soja", relata o biólogo Rogério Cunha de Paula, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Há mais de 20 anos, o especialista estuda os lobos-guarás.
A alimentação dessa espécie é caracterizada por diversidade de alimentos. Os lobos-guarás comem de insetos, lagartos, aves e roedores a diversas frutas. "Essa falta de diversidade causada pela agricultura é muito prejudicial a esses animais, porque eles buscam variedade de alimentos", afirma o especialista.
"Toda essa mudança no habitat eleva o padrão de estresse dos lobos-guarás e os estudos mostram que o hormônio deles, que responde ao estresse, atinge taxas altas em áreas degradadas. Isso interfere na reprodução da espécie e eles se tornam mais sensíveis a doenças", acrescenta Rogério.
Apesar do avanço do agronegócio no Cerrado, os lobos-guarás permanecem nessas regiões. Um dos fatores é a capacidade de resiliência que possuem. Assim, os pequenos trechos ainda existentes do bioma se tornam fundamentais para que eles continuem nos locais tomados pelo agronegócio.
"Por meio de um satélite, analisamos que há muitos desses animais em áreas de pastagem ou usadas para a agricultura. Eles continuam ali porque ainda há um pouco de áreas naturais, que eles precisam para sobreviver", explica o biólogo Ricardo Boulhosa, presidente Instituto Pró-Carnívoros, que atua na preservação de mamíferos carnívoros.
"O lobo-guará está intimamente ligado ao Cerrado, apesar de aparecer também em outros biomas. Essa transformação muito rápida desses lugares, com o agronegócio, causa uma descaracterização das áreas naturais. Isso acontece também em outras regiões em que os lobos estão, como os Pampas. É um grande problema para esses animais", acrescenta o biólogo.
Perigo nas estradas
Em meio ao avanço do agronegócio, diversas estradas são abertas. E assim, aumentam os riscos para os lobos-guarás. "No Brasil, não há um estudo sobre a fauna da região antes de uma estrada ser construída", critica Boulhosa.
Pesquisas apontaram que o lobo-guará sofre frequentemente com atropelamentos em estradas. "O Cerrado é cortado por muitas estradas. No nosso monitoramento, percebemos que esses animais cruzam essas vias com muita frequência. Nas construções de estradas, não há planejamento que avalia o melhor para a fauna silvestre da região. Apenas avaliam o que é mais barato, que é uma linha reta, e não interessa se estão deixando a mata de um lado e o lago do outro", diz Boulhosa.
"O animal, principalmente no período seco, vai cruzar a estrada para chegar até a água. Em outros países, principalmente na Europa, há uma maior preocupação em relação a isso", completa o biólogo.
Os pesquisadores analisam propostas para mitigar os danos causados aos lobos-guarás em estradas. Uma das alternativas cogitadas é a implantação de redutores de velocidade nos locais em que há mais casos de atropelamentos. Outra opção é criar passagens subterrâneas nos pontos com mais casos de atropelamentos e incentivar os canídeos a atravessar por essas áreas, sem passar diante dos automóveis.
Conflito com produtores rurais
Em muitos casos, os produtores rurais representam perigo direto para os lobos-guarás. "Muitos produtores matam os lobos-guarás como forma de prevenção ou retaliação, por causa de ataques a galinhas ou outras aves deles. Em algumas regiões, esse conflito é muito grande. Em Minas Gerais, por exemplo, matavam os lobos para prevenir as mortes de galinhas", relata Boulhosa.
O presidente do Instituto Pró-Carnívoros relata que nos locais em que há constantes ataques de lobos-guarás a criações de propriedades, os produtores rurais são extremamente agressivos em relação ao canídeo.
"Os lobos são bichos oportunistas, sabem criar formas para atacar. Por isso, é importante que o produtor crie um sistema em que recolhe as aves em alguns momentos. É preciso haver essa consciência, porque os lobos-guarás vão atacar se uma galinha estiver por perto. É uma característica deles", acrescenta Boulhosa.
Para Rogério, a situação melhora quando os produtores aprendem a conviver com os lobos-guarás e entendem que é possível proteger as aves dos canídeos, como, por exemplo, criando locais mais seguros para a permanência das galinhas. "O lobo é um bicho facilmente abatido. Mas os produtores precisam entender que ele pode ser importante aliado", diz o biólogo do ICMBio.
"Os lobos podem ajudar os produtores porque comem animais que, muitas vezes, podem explodir e virar pragas porque têm alto potencial reprodutivo, como ratos, cobras, lagartos e anfíbios. Eles operam como controladores desses animais", acrescenta Rogério.
O futuro dos lobos-guarás
Os biólogos afirmam que é fundamental que as pessoas entendam que os lobos-guarás precisam ser preservados. Eles citam que esses animais trazem benefícios importantes para o meio ambiente. "O lobo-guará é o semeador dos campos. Como ele se alimenta de muitas frutas e roda muito, anda cerca de 20 quilômetros por dia, ele urina e defeca em vários lugares para marcar território. Ele espalha sementes por onde passa, por isso falamos que ele é semeador de diversas árvores", diz Rogério.
Segundo o biólogo, o animal não costuma trazer riscos aos humanos. "Ele só ataca se se sentir ameaçado. Caso a pessoa mantenha distância, ele logo vai se afastar", afirma Rogério.
Há registros de lobos-guarás que foram vistos em áreas urbanas. Os biólogos explicam que isso ocorre porque cada vez mais as cidades se expandem e chegam a áreas próximas a locais que até então eram habitats da espécie. "Mas os lobos-guarás não costumam atacar humanos, apenas se se sentirem ameaçados. Por isso, o ideal é que a pessoa mantenha distância do animal, que ele logo se afasta, porque tem medo do humano", repete Boulhosa.
"O lobo sabe que, para a sobrevivência dele, é importante ter medo do homem, porque somos predadores maiores e temos capacidade de matar em caso de conflito. Por isso, o animal se afasta naturalmente", acrescenta.
Um dos principais desafios dos especialistas que defendem a preservação dos lobos-guarás é conscientizar sobre a importância desses animais. Desta forma, iniciativas como o Instituto Pró-Carnívoros e o ICMBio buscam fazer parcerias com produtores rurais e até criaram selos para identificar aqueles que estão comprometidos a preservar a espécie.
Para os biólogos, a nota de R$ 200, que ainda não teve os detalhes da estampa divulgados, será uma importante aliada na conscientização sobre a importância de preservar os lobos-guarás. "Ao menos agora, logo após a divulgação da nova nota, as pessoas já estão falando sobre os lobos e muitos estão curiosos para saber mais sobre a espécie", afirma Rogério. "Acredito que muitos terão outra perspectiva sobre o lobo-guará e vão entender, de fato, quem ele é", completa.
Fonte: Época Negócios
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