O histórico de polêmicas de Carlos Alberto Decotelli, que não será ministro da Educação

Decotelli foi recebido na tarde desta terça pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em seu gabinete no Palácio do Planalto, onde apresentou sua carta de demissão

Decotelli teve sua nomeação para o cargo de ministro da Educação publicada na quinta-feira (25/06), mas não chegou a assumir o cargo. No começo da semana, o governo decidiu adiar a cerimônia de posse depois de um crescente mal-estar causado por uma série de informações falsas descobertas no currículo do professor.

Foto: Marcelo Casal Jr/Agência BrasilMinistro da Educação

Decotelli foi recebido na tarde desta terça pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em seu gabinete no Palácio do Planalto, onde apresentou sua carta de demissão.

As polêmicas que resultaram no cancelamento da nomeação de Decotelli começaram antes mesmo do anúncio de que ele comandaria a Educação — remetem à passagem anterior dele pelo governo, em 2019, como presidente do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).

Decotelli comandou a autarquia entre fevereiro e agosto do ano passado, quando o MEC anunciou a troca do comando do fundo sem informar o motivo

Em seu perfil na página do FNDE, Decotelli é descrito como alguém que "atuou durante toda a transição de governo do presidente Jair Messias Bolsonaro junto à equipe do Ministério da Educação" e "acompanhou de perto os desafios da educação, acumulando vasta experiência na área".

Mas foi justamente na formação descrita em seu currículo da página do FNDE que começaram as complicações em torno da nomeação. Acusações de plágio na dissertação de mestrado e informações falsas no currículo do então futuro ministro criaram uma nova crise no Palácio do Planalto.

O cargo de ministro da Educação está vago há 13 dias, desde 18 de junho, quando Abraham Weintraub, anunciou que deixaria o cargo para postular o cargo de diretor-executivo do Banco Mundial.

Doutorado não concluído

O anúncio do nome de Decotelli para substituir Weintraub foi celebrado pelo governo Bolsonaro por tratar-se de, além de um professor respeitado e com vasta experiência em educação, ter ampla formação na área.

Ao anunciar o nome do novo ministro em suas redes sociais, Bolsonaro destacou sua formação: "Decotelli é bacharel em Ciências Econômicas pela UERJ, mestre pela Fundação FGV, doutor pela Universidade de Rosário, Argentina, e pós-doutor pela Universidade de Wuppertal, na Alemanha".

As inconsistências começaram a aparecer depois que o próprio reitor da Universidade Nacional de Rosário, na Argentina, Franco Bartolacci, afirmou que o novo nome anunciado para o MEC nunca concluiu o doutorado e que a tese dele foi reprovada, justamente o contrário do registrado no currículo do professor.

Em entrevista ao Jornal Nacional, da TV Globo, o reitor argentino confirmou que Decotelli cursou o doutorado na Faculdade de Ciências Econômicas, mas a tese, a conclusão do curso que ele apresentou, não foi aprovada. Assim, o ministro não conseguiu o título, ou seja, não é doutor.

Bartolacci disse que Decotelli apresentou a tese em 2016 e teve três avaliações desfavoráveis dos integrantes da banca que examinou o estudo. Depois dessa, outras inconsistências começaram a aparecer. No dia 27 de junho, a Fundação Getulio Vargas (FGV) anunciou que vai "apurar os fatos referentes à denúncia de plágio na dissertação do ministro Carlos Alberto Decotelli".

A suspeita é que o professor tenha cometido plágio no trabalho apresentado em 2008 para a conclusão de um mestrado em Administração na instituição. No dia 29 de junho, nova contestação: a Universidade de Wuppertal, na Alemanha, informou em nota que o novo ministro da Educação não fez pós-doutorado na instituição.

Decotelli editou o seu currículo na Plataforma Lattes, corrigindo as informações.

Nesta terça-feira, depois que a posse do novo ministro já havia sido adiada, mais uma denúncia: reportagem do Uol, da colunista Thaís Oyama, aponta que ele também incluiu informações falsas sobre sua formação militar. Na apresentação no site do FNDE, o professor é apresentado como "Oficial da Reserva da Marinha".

Na verdade, segundo a reportagem, ele pertence à categoria da reserva de Segunda Classe da Marinha - é um RM2, o que significa que ele ingressou sem concurso na Força para prestar lá um serviço militar temporário.

Elogios do presidente, mas desgaste para o cargo

Em uma postagem nas redes sociais na noite de segunda-feira (29), o presidente Jair Bolsonaro elogiou o ministro, mas reconheceu que ele errou nas informações prestadas sobre o currículo.

"Desde quando anunciei o nome do Professor Decotelli para o Ministério da Educação só recebi mensagens de trabalho e honradez. Por inadequações curriculares o professor vem enfrentando todas as formas de deslegitimação para o Ministério. O sr. Decotelli não pretende ser um problema para a sua pasta (Governo), bem como, está ciente de seu equívoco. Todos aqueles que conviveram com ele comprovam sua capacidade para construir uma Educação inclusiva e de oportunidades para todos", afirmou o presidente.

Justificativas do ex-ministro

Após se reunir com Bolsonaro na tarde da segunda-feira, Decotelli deu entrevista a jornalistas, na portaria do MEC, e afirmou ter obtido os créditos do doutorado na Argentina, mas disse que não chegou a defender uma versão final da tese.

A banca que analisou seu trabalho pediu "readequações" na tese, mas o ministro disse que precisou voltar ao Brasil por conta de "dificuldades financeiras" e que não retornou para apresentar o texto.

"A banca falou que a tese tinha um ponto de corte muito longo e me mandou fazer readequações. Essa foi a recomendação formal da banca. [Mas] Eu precisava voltar ao Brasil, porque toda a despesa foi pessoal, não havia bolsa. Com dificuldade, não mais voltei. Eu fiquei com o diploma de créditos concluídos, posso apresentar a vocês", afirmou o ministro, segundo a Agência Brasil.

Sobre o pós-doutorado na Alemanha, o ministro também argumentou que a pesquisa foi concluída, apesar de não ter sido oficialmente considerada um título de pós-doutorado.

"A pesquisa foi concluída? Foi. A estrutura da pesquisa, do pós-doutorado. Não tem sala de aula, não tem nota de uma disciplina, é uma orientação. Foi caracterizado que, quando foi concluído o trabalho, a pesquisa tinha que ser registrada em um cartório acadêmico. E você tem a pesquisa lá, registrada [no cartório]. Agora, o pós-doutorado é um título de pesquisa. Se você olhar o documento de Rosário, vai ver que os créditos foram concluídos", disse.

Já sobre a acusação de plágio, o ministro negou qualquer tipo de cópia, e destacou que pode ter havido uma "distração" nas citações bibliográficas e revisão do texto.

"Quando você escreve, tem que ter disciplina mental para escrever, revisar e mencionar o que citar. Cuidado. É possível haver distração? Sim, senhora. Hoje, a senhora tem mecanismos para verificar, [tem] softwares. Mas naquela época, pela distração... Não houve plágio, porque o plágio é quando faz 'Control + C, Control + V', e não foi isso", justificou aos jornalistas.

Perguntado sobre sua permanência no MEC, Decotelli afirmou: "Sou ministro, tenho trabalhos agora e vou tentar corrigir trabalhos de Enem [Exame Nacional do Ensino Médio], Sisu [Sistema de Seleção Unificada]. Não tem nenhum arrependimento", afirmou.

Outros casos

O professor Decotelli não é o primeiro ministro do governo Bolsonaro a incluir informações falsas no currículo. Episódios nesse sentido já ocorreram com a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, que se dizia advogada e mestre em educação, e com o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.

Reportagem do site Intercept de fevereiro de 2019 revelou que o atual ministro nunca estudou na Universidade Yale, nos Estados Unidos, e não obteve o título de mestre em direito público pela instituição americana, como informava seu currículo em um artigo publicado pelo jornal Folha de S.Paulo. Salles atribuiu o erro à sua assessoria de imprensa.

Fonte: BBC News Brasil

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