Poder Judiciário de São Paulo determina suspensão de privatização de presídios por Doria
A Ação Judicial contra o governo Doria foi ajuizada pela Defensoria Pública de São Paulo e o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), para quem as atividades prisionais são indelegáveisA juíza Luiza Barros Rozas Verotti, da 13ª Vara de Fazenda Pública do Poder Judiciário do Estado de São Paulo, determinou hoje (11), a suspensão do Edital de licitação para a contrtação de presídios privatizados (Concorrência n° 02/2019 - Processo SAP/GS n° 849/2019), sendo vedado ao réu [Governador João Doria do Estado de São Paulo], realizar o certame anunciado, até o julgamento final da Ação Civil Pública ajuizada pela Defensoria Pública do Estado, o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) e pela Conectas Direitos Humanos.
O processo de licitação seria realizado nesta próxima terça-feira (15/10). As Entidades classistas representativas dos Agentes de Segurança Penitenciária do Estado de São Paulo estão em permanente campanha difundindo junto às autoridades e à população os malefícios da privatização do Sistema Penitenciário, obviamente com o forte argumento de que a função do Sistema Penitenciário é indelegável do Estado, ou seja, não podendo ser transferida a terceiro da iniciativa privada.
Uma dessas entidades, representa o maior sindicato de agentes penitenciários da América do Sul; é o Sindicato dos Agentes de Segurança Penitenciária do Estado de São Paulo (Sindcop), que lançou a Campanha 'Impossível sem Agente!" Um dos pilares da campanha tem sido o propósito de mostrar à sociedade que não há falar em segurança pública sem a presença do agente penitenciário.
Tendo como fundamento exponencial a premissa de que "os agentes penitenciários trabalham para garantir a paz social sem que a sociedade perceba", mas, ele (agente) está lá, no dia a dia e nas noites das prisões garantindo a custódia daqueles que praticaram o delito e não podem retornar ao convívio social antes que estejam em mínimas condições de reabilitação.
A campanha de SP foi a base para a campanha nacional, com o mesmo objetivo, lançada pela Associação Nacional dos Agentes Penitenciários do Brasil (AGEPEN-BRASIL).
Na Ação Civil Pública patrocinada pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, que deu supedâneo à Decisão do Poder Judiciário do Estado, a Instituição fundamentou seu pedido, além da doutrina e normas legais acerca do assunto, principalmente no "argumento de que os serviços de administração penitenciária relativos ao controle, segurança e disciplina no interior das unidades prisionais e as atividades de avaliação técnica e pericial dos presos nas áreas psicológica, médica, psiquiátrica e de assistência social, não podem ser delegados à iniciativa privada por constituírem funções típicas de Estado."
Já a essência da Decisão da Juíza Luiza Barros Rozas, que determina a suspensão do Edital de licitação [que estava prevista para o próximo dia 15/10], e consequentemente a proibição de iniciar a contratação para implantar 4 presídios privatizados no Estado de São Paulo, diz textualmente:
"[...]. O pedido de tutela de urgência comporta parcial acolhimento. A probabilidade do direito advém dos documentos juntados aos autos, sobretudo do edital acostado a fls. 492/585, que evidencia a pretensão do requerido de delegar à iniciativa privada diversos serviços inerentes ao poder de polícia do Estado, assim como os relacionados ao controle, segurança e disciplina no interior das unidades prisionais, bem como os relativos à avaliação técnica e pericial dos presos nas áreas psicológica, médica, psiquiátrica e de assistência social (fls. 525/563).
Ora, o poder de polícia se materializa pela intervenção estatal na esfera privada com o fim de resguardar interesses da coletividade. Neste sentido, o poder de polícia pode ser conceituado como o dever estatal de limitar o exercício da propriedade e da liberdade em favor do interesse público.
O Código Tributário Nacional assim o define:
Artigo 78 - Considera-se poder de polícia a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.
Parágrafo único - Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.
Em um Estado Democrático de Direito, o poder punitivo e disciplinar é função indelegável do Poder Público. Nesse passo, a doutrina, de forma praticamente unânime, não admite a delegação do poder de polícia a particulares. Nas palavras de José dos Santos Carvalho Filho, "a delegação não pode ser outorgada a pessoas da iniciativa privada, desprovidas de vinculação oficial com os entes públicos, visto que, por maior que seja a parceria que tenham com estes, jamais serão dotadas da potestade (ius imperii) necessária ao desempenho da atividade de polícia" (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 21ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 77).
No mesmo sentido é o entendimento de Celso Antônio Bandeira de Melo: "A restrição à atribuição de atos de polícia a particulares funda-se no corretíssimo entendimento de que não se lhes pode, ao menos em princípio, cometer o encargo de praticar atos que envolvem o exercício de misteres tipicamente públicos quando em causa liberdade e propriedade, porque ofenderiam o equilíbrio entre os particulares em geral, ensejando que uns oficialmente exercessem supremacia sobre outros" (BANDEIRA DE MELO, Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo. 26ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 832).
No que tange especificamente ao sistema penitenciário, a possibilidade de interferência de interesses particulares no exercício do poder de vigilância é ainda mais perniciosa, na medida em que pode ter influência direta no status libertatis de seres humanos custodiados pelo Estado.
Isso porque, na execução da pena, o poder de polícia é exercido cotidianamente na condução do cumprimento da pena do sentenciado, tendo direta relação com o sistema disciplinar da unidade prisional. No caso em tela, as funções estabelecidas no edital de licitação ora impugnado (fls. 525/563) são precípuas do Estado, não podendo de forma alguma ser delegadas à iniciativa privada, uma vez que constituem monopólio estatal, sendo o poder de império próprio e privativo do Poder Público.
Aliás, é o que preceitua o artigo 4º, inciso III, da Lei nº 11.079/2004, que institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da Administração Pública: "Art. 4º - Na contratação de parceria público-privada serão observadas as seguintes diretrizes: (...) III indelegabilidade das funções de regulação, jurisdicional, do exercício do poder de polícia e de outras atividades exclusivas do Estado".
Dessa forma, tendo em vista a característica do poder de polícia, assim como da prestação jurisdicional e garantia de direitos precípuos da execução penal (segurança, poder de punir e liberdade), absolutamente inviável a delegação de tais tarefas à iniciativa privada. Ressalte-se, ainda, em relação ao poder de polícia e custódia da pessoa presa, que a Regra 74.3 das Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos dispõe expressamente que devem os agentes penitenciários ser servidores públicos:
Regra 74 (...) 3. Para garantir os fins anteriormente citados, os funcionários devem ser indicados para trabalho em período integral como agentes prisionais profissionais e a condição de servidor público, com estabilidade no emprego, sujeito apenas à boa conduta, eficiência e aptidão física.
O salário deve ser suficiente para atrair e reter homens e mulheres compatíveis com o cargo; os benefícios e condições de emprego devem ser condizentes com a natureza exigente do trabalho. Sobre esse ponto, fundamental lembrar que, no Estado de São Paulo, foram inseridas na Constituição do Estado:
Artigo 143 - A legislação penitenciária estadual assegurará o respeito às regras mínimas da Organização das Nações Unidas para o tratamento de reclusos, a defesa técnica nas infrações disciplinares e definirá a composição e competência do Conselho Estadual de Política Penitenciária.
Desta feita, torna-se norma cogente no estado, impedindo-se a delegação à iniciativa privada da custódia das pessoas presas. Isso porque os atos sancionadores derivam do poder de coerção dos entes públicos e são indelegáveis, sob pena de colocar em risco o equilíbrio social. Somente atos materiais, preparatórios ou sucessivos a ato jurídico de polícia podem, em tese, ser delegados a particulares, o que não parece ser a hipótese do caso em análise.
Conforme bem ressaltado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo em seu parecer de fls. 590/606, também não é possível a contratação de profissionais privados para a prestação de assistência médica, psicológica, assistência social, entre outras atividades que compõem de forma direta e típica o poder punitivo estatal, pois tais profissionais são responsáveis pela elaboração de exames criminológicos e têm acesso a informações confidenciais.
Outrossim, esses profissionais são responsáveis pela execução da pena privativa de liberdade, garantindo a individualização do cumprimento da pena e fornecendo ao Poder Judiciário a judicialização da execução penal, de modo que suas atribuições não podem ser transferidas à iniciativa privada, sob pena de grave comprometimento do Estado Democrático de Direito.
Tampouco há nos autos comprovação suficiente de que a privatização do sistema penitenciário geraria redução dos custos da Administração Pública ou a melhoria das condições carcerárias. Pelo contrário: a experiência prática demonstra que o modelo de presídios privatizados piorou ainda mais as condições dos presos. Podemos citar como exemplo o recente episódio ocorrido no Estado do Amazonas. [...]."
A Execução da Pena como Função Jurisdicional e Indelegável do Estado
Há anos que este Editor signatário desta matéria [em trabalhos científicos acerca do assunto, publicados em diversos meios jurídicos, inclusive na biblioteca jurídica digital do STJ], vem afirmando que a solução do sistema penitenciário brasileiro não está na política de terceirização ou privatização, seja pelo óbice constitucional e das normas vigentes em nosso ordenamento jurídico, seja pela própria essência da realidade peculiar à execução penal.
Diante da lamentável realidade das prisões brasileiras, não tem faltado quem defenda soluções, data vênia, inadequadas, à “salvação” do Sistema Penitenciário, seja da área político-administrativa, ou mesmo da jurídica. Isso se reflete de várias maneiras, principalmente por meio de propostas de terceirização de penitenciárias, como caminho natural à privatização da execução penal. Tais atitudes ignoram princípios constitucionais fundamentais expressos e implícitos que obstaculizam essa pretensão, como os da legalidade e da individualização da pena, previstos respectivamente no art. 5º, II e XLVI, da Constituição Federal, associados aos da dignidade da pessoa humana.
Os que defendem a terceirização e a privatização aproveitam-se de uma situação de caos, para tentar justificar suas aspirações. Mas, na atual contemporaneidade estar-se observando que segmentos importantes da sociedade, especialmente, instituições de defesa da democracia e da cidadania, têm se manifestado contrários às medidas “fáceis” à execução da pena no Brasil, como a terceirização e a privatização.
Diversas Entidades têm demonstrado preocupação e, inclusive têm repudiado essas atitudes [de governos estaduais principalmente] que mais parecem quererem desviar dinheiro público para o cofre de algumas empresas financiadoras de campanhas políticas, tendo como "pano de fundo" a privatização do Sistema Penitenciário do que efetivamente defenderem a melhoria do Sistema Prisional, pois querem trazer mais gastos para os estados, pois o preso no sistema público é cerca de 2 e até 3 vezes mais barato do que os envolvidas na privatização.
A inércia quase que absoluta do Estado, quer por falta da efetivação de uma política penitenciária que seja capaz, não somente de punir o delinquente, mas de recolocá-lo na sociedade, impedindo-o de reincidir na criminalidade, quer implementando políticas de valorização do pessoal penitenciário, tem contribuído para dificultar a justa execução da pena no País.
Não se pode olvidar que agentes públicos do Estado, como delegados, promotores de justiça, advogados públicos e magistrados, participam efetivamente, na condição de atores, da persecução penal. Porém, na parte final dessa ação jurisdicional do Estado, que é a execução da pena, quem efetivamente executa tal ação, são os agentes penitenciários, estes sim, acompanham os detentos nos seus avanços e recuos durante 24 horas por dia, contribuindo, inclusive, na recaptura, quando se evadem dos estabelecimentos penais, e, eventual e paradoxalmente, até mesmo contribuindo para essa evasão.
Esses profissionais [agentes penitenciários], pela inexistência de uma política pública voltada à valorização de suas atividades, desempenham suas funções na maioria das vezes com mínimas condições de trabalho, e, fazem às vezes de médicos, psicólogos, advogados, psiquiatras, assistentes sociais, pedagogos, e também muitas vezes não prestam um serviço de qualidade em decorrência de todas as vulnerabilidades a que estão submetidos, sobretudo pela omissão dos governos que não investem com a seriedade devida nas atividades penitenciárias.
Portanto, é indiscutível que o direito/dever de punir pertence exclusivamente ao Estado, e nessa ótica, assim como a persecução penal, a execução da pena, ambas reconhecidas como serviços jurisdicionais do Estado, são essencialmente funções típicas deste, o que respalda a ideia aqui defendida, de que a conclusão da persecução penal se dá com o efetivo cumprimento da execução da pena, já que esta é parte integrante daquela.
A recente decisão [desta semana pela Câmara dos Deputados] em aprovar com ampla maioria em primeira votação a Proposta de Emenda Constitucional Nº 372/2017, que constitucionaliza a Polícia Penal nos âmbitos dos estados, da União e do Distrito Federal, oriunda do Senado Federal, coloca, iniscutivelmente na 'lata do lixo' as propostas de terceirização e prevatização das atividades fins desenvolvidas no Sistema Penitenciário, em especial, as funções dos agentes penitenciários.
Indiscutivelmente a decisão judicial da Justiça da Fazenda Pública de São Paulo, vem ao encontro do que prevê a Proposta da Polícia Penal já decidia pelo Senado Federal e agora, em primeiro turno, pela Câmara dos Deputados.
Ao passo que, obviamente vai de encontro à maléfica decisão do governo João Doria no Estado de São Paulo, que quer a qualquer custo privatizar o Sistema Prisional paulista, fato que é público e notório em todo o Brasil [o governador psdbista chegou a gravar até vídeo afirmando que iria alocar os agentes de segurança penitenciária nas empresas que seriam contratadas pelo Estado], num gesto de total desconhecimento das funções desses profissionais da Execução Penal no âmbito do Poder Executivo.
Essa é a nossa opinião, salvo melhor juízo.
Fonte: JTNews
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