Maria das Graças Targino

Doutora em Ciência da Informação, Universidade de Brasília, e jornalista, finalizou seu pós-doutorado junto ao Instituto Interuniversitario de Iberoamérica da Universidad de Salamanca, Espanha. Sua experiência acadêmica inclui, ainda, cursos em países, como Inglaterra, Cuba, México, França e Estados Unidos. Tem produzido artigos, capítulos e livros em ciência da informação e comunicação, enveredando pela literatura como cronista. Depois de vinculação com a Universidade Federal do Piauí por 25 anos e com a Universidade Federal da Paraíba por 14 anos, hoje, dedica-se à literatura, especificamente, ao jornalismo literário e a crônicas.
Doutora em Ciência da Informação, Universidade de Brasília, e jornalista, finalizou seu pós-doutorado junto ao Instituto Interuniversitario de Iberoamérica da Universidad de Salamanca, Espanha. Sua experiência acadêmica inclui, ainda, cursos em países, como Inglaterra, Cuba, México, França e Estados Unidos. Tem produzido artigos, capítulos e livros em ciência da informação e comunicação, enveredando pela literatura como cronista. Depois de vinculação com a Universidade Federal do Piauí por 25 anos e com a Universidade Federal da Paraíba por 14 anos, hoje, dedica-se à literatura, especificamente, ao jornalismo literário e a crônicas.

Biblioteca de pessoas em vez de livros: como pode ser?

As bibliotecas são, essencialmente, instituições sociais e, portanto irremediavelmente humanas!? Conheça a Human Library Organization (HLO)

“Antes de se envolver com a Human Library, Nichola Swallow desenvolveu sério trabalho voluntário como embaixatriz de uma instituição de caridade [...] No entanto, em sua visão, a experiência voluntária na Human Library consiste em experiência bastante diversificada de tudo o que ela já havia feito anteriormente. Você permite que o leitor leia você [...], o que lhe favorece pensar de forma diferente sobre si mesma. E ela prossegue: ‘a interação com os leitores me fez olhar para mim de forma diferente.’ Por exemplo, talvez eu deva ser um pouco mais gentil comigo mesmo [...]”. 

Emma Arne-Skidmore


 

Nossa formação inicial, ainda aos 20 anos, foi graduação em Biblioteconomia e Ciência da Informação. Adiante, ao final de nossa primeira pós-graduação stricto sensu, lançamos o livro “Conceito de biblioteca”, porque desde sempre nos intricou a quantidade de denominações impostas a espaços onde havia livros, indiferentes às metas propostas. Às vezes, estanterias em condições precárias. Às vezes, espaços minúsculos para abrigar livros e crianças. Percebemos, desde então, que a tipologia de bibliotecas guarda relação direta com a coletividade a que se destina, até porque coleções disponíveis e serviços ofertados devem suprir as demandas informacionais do público-alvo. Pensamos haver visto de tudo: bibliotecas públicas, infantis, escolares, universitárias, especializadas, comunitárias, particulares, digitais, eletrônicas e assim segue... 

Foto: Humanlibrary.orgFonte: Humanlibrary.org
Fonte: Humanlibrary.org

Eis que, de repente, damos de cara com a expressão “Biblioteca Humana”. Como assim? As bibliotecas são, essencialmente, instituições sociais e, portanto, irremediavelmente humanas!? Na realidade, a Human Library Organization (HLO) é uma organização internacional sem fins lucrativos com sede administrativa em Copenhagen, Dinamarca, onde surgiu, em 2000, como iniciativa do movimento não governamental Stop the Violence, sob inspiração do dinamarquês Ronni Abergel aliado ao irmão Dany e a dois amigos, Asma Mouna e Christoffer Erichsen. 

A proposta da HLO é surpreendentemente inovadora, surpreendente e instigadora. Comporta “n” adjetivos. O aprendizado ocorre por meio de livros mais do que interativos: as próprias pessoas. A contação de histórias de vida se dá, em tom de drama, comédia, aventura ou romance, pelos próprios atores que as vivenciaram. Os leitores pedem emprestado uma pessoa para ouvir suas experiências por um intervalo médio de meia hora. Ao escolher uma história, o usuário segue até uma área de discussão onde conhece o “livro humano” com quem enriquecerá o diálogo, por meio de interlocução e questionamentos, uma vez que as perguntas são sempre aceitas e nada é vetado dentro das normas de respeito supremo ao outro. Há questões de diferentes naturezas. Exemplificando: como você se reconhece como bipolar? Por que tantos piercings e tatuagens? Por que a nudez pública? Se são questões invasivas quando se faz a um amigo ou a um (des)conhecido, soa natural no ambiente da HLO, porque estamos desvendando folhas de um livro e não enfiando o nariz na intimidade das pessoas para trazer à tona aspectos aparentemente desconcertantes.

Isto é, na HLO, as histórias advêm do relato ao vivo das próprias personagens. O contato humano e a descoberta do outro atua como plataforma de aprendizagem, com ênfase na valorização do ser humano em suas fortalezas e fragilidades, o que favorece a diversidade e a inclusão de diferentes facetas, razão pela qual a “Biblioteca Humana” trabalha com voluntários, em geral, vistos como “raros” pela sociedade, como minorias sexuais, religiosas e raciais, e, portanto, indivíduos marginalizados ou “estranhos” ou que se posicionam, de alguma forma, “fora do quadrado”. 

Cada “livro humano” possui um título, como: adepto da modificação do corpo, face ao arsenal de tatuagens, piercings e alargadores; bipolar; cigano; convertido ao islamismo; desempregado; drogadito; eunuco; herói; imigrante; mentiroso compulsivo; morador de rua; naturista; ninfomaníaca; pais de serial killers; perdedor; portador do vírus HIV; refugiado político; obeso; órfão; perdedor; poliamor (prática de manter mais de um relacionamento simultâneo, em geral, sexual, com o consentimento de todos os envolvidos); sobrevivente do holocausto; soldado com pós-trauma; solitário; vítima de abuso sexual; velho; etc. etc. etc. 

Foto: ReproduçãoFonte: News: catalyst network of communities
Fonte: News: catalyst network of communities



A HLO tem despertado tanto interesse, que já está nos seis continentes e em mais de 50 países, como Estados Unidos, Canadá, Polônia, Filipinas e Chipre, hospedando eventos tanto virtualmente quanto presenciamente em bibliotecas, museus, festivais, conferências, escolas, universidades e em empresas do setor privado. Informações detalhadas sobre suas funções, seleção de “livros humanos”, inscrição de leitores estão disponíveis na página oficial https://humanlibrary.org, cujo slogan é “não julgue um livro pela capa”. Isto porque, a ação   mútua entre “livro humano” x leitor atesta que rótulos e/ou  títulos, tal como ocorre com publicações impressas ou eletrônicas, nem sempre são fiéis ao que prometem, de modo que não devemos julgar um livro pelo invólucro. Há, ainda, um vídeo no YouTube que nos permite obter mais informes de como funciona a HLO, https://www.youtube.com/watch?v=1ioz1XDDMCE.

Reiteramos que o propósito mor do novo formato de biblioteca é desafiar o que pensamos saber sobre os demais, o que significa confrontar estigmas, preconceitos e estereótipos num ambiente positivo. De fato, vale a pena visitar a página eletrônica da HLO em cada um de seus links, com a ressalva de que sua secretaria geral funciona todos os dias da semana, diariamente, das 10h00 às 16h00, além de poder ser contactada por telefone ou e-mail. Há dados sobre os mais diferentes itens. Lá estão: conceito do que é uma “Biblioteca Humana”; novidades de última hora; livros; eventos; contatos; linha de merchandising e muito mais, embora não tenhamos descoberto a HLO em nosso país. Aliás, preenchemos e enviamos formulário para atuar, quem sabe, como “livro humano”. Até agora, nenhuma resposta.  

Por fim, acreditamos que, no tempo de fluxo informacional intenso nas redes eletrônicas, a “Biblioteca Humana” resgata a tradição oral que está se esvaindo junto com os relacionamentos face a face que migram mais e mais para o espaço cibernético, sob diferentes formas e formatos caricaturais. Talvez compense, sim, conhecer a HLO!  Afinal, se ler nos dá sabedoria para seguir adiante, alugar pessoas em vez de livros e conhecer sua história é essencial para nossa formação humanística. É a confirmação das palavras do filósofo alemão Arthur Schopenhauer, quando diz: “os eruditos são aqueles que leram nos livros; mas os pensadores, os gênios, os iluminadores do mundo e os promotores do gênero humano são aqueles que leram diretamente no livro do mundo”, leia-se, nas pessoas. 

 

Foto: ReproduçãoFonte: Voula Monohlias, 2021
Fonte: Voula Monohlias, 2021

Fontes

BIBLIOTECA humana dispensa livros e desafia a aprender ouvindo histórias na primeira pessoa. Disponível em: https://www.hypeness.com.br/2015/10/biblioteca-humana-permite-aprender-ouvindo-pessoas-ao-inves-da-leitura-de-livros. Acesso em: 06 jul. 2021.

FINCO, Nina. Human Library: onde você aluga pessoas em vez de livros. Disponível em: https://epoca.oglobo.globo.com/vida/noticia/2016/07/human-library-onde-voce-aluga-pessoas-em-vez-de-livros.html. Acesso em: 04 jul. 2021.

RUELA, Rosa. Human Library: Biblioteca de pessoas em vez de livros. Biblioo: Cultura Informacional, 15 fev. 1016. Disponível em:  https://biblioo.info/human-library. Acesso em: 05 jul. 2021.

STOP THE VIOLENCE. HUMAN LIBRARY ORGANIZATION (HLO). Human Library: unjudged someone. Copenhagen, Dinamarca, Jul. 2021. Disponível em: https://humanlibrary.org. Acesso em: 04 jul. 2021.

*Maria das Graças Targino é jornalista e pós-doutora em jornalismo pela Universidad de Salamanca / Instituto de Iberoamérica, [email protected]

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