Paulina Chiziane – Prêmio Camões 2021: exemplo maior de empoderamento
O empoderamento, antes de ser um efeito midiático, é um estado dalma e o pensamento dia e noite ou noite e dia voltado ao bem-estar do outro!Vivemos, mais do que nunca, uma fase histórica, não apenas nacional, mas internacional, em que o termo – empoderamento – ganha espaço para designar, em sua essência, a luta permanente pelo ser humano por um lugar ao sol. Porém, como qualquer conceito, a expressão ganha nuanças variadas em contextos distintos e, com frequência, díspares.
De repente, a expressão passa a ser adotada, sobretudo, com referência às mulheres. Cada mulher pode se sentir empoderada numa concepção bem singular e até excêntrica. Mesmo sem a utilização do termo com tanta constância em tempos idos, sempre houve mulheres empoderadas mundo afora ou vida afora. Mulheres que lutam por um lugar ao lado de seu companheiro com dignidade e com voz.
Não é preciso ser cantante, atriz, famosa, bela, rica e assim por diante para ser uma mulher empoderada. Há mulheres empoderadas em mercados públicos, na agricultura, na cozinha, nos salões de baile, nos abrigos, nas ruas, nas esquinas e por aí...
O empoderamento não deveria jamais significar uma luta de gêneros, mas uma combinação de forças. Isto porque, é ele, em sua essência, a capacidade de possuir, intuitivamente ou teoricamente, consciência social e conhecimento necessário de ser capaz de produzir mudanças em seu hábitat, numa acepção ampla que extrapola as características ecológicas do lugar específico habitado por um organismo ou população.
Isto é, quando falamos de empoderamento nos referimos ao processo constante, contínuo e que se fortalece, pouco a pouco, de modo a permitir que indivíduos (não apenas mulheres) e grupos sociais estejam aptos a tomar consciência de sua condição e de seus semelhantes com o intuito de formular e efetivar mudanças que levem às transmutações da condição individual e coletiva.
Tudo isto para falar da vencedora do Prêmio Camões, a mais importante láurea da Língua Portuguesa, ano 2021. Eis uma mulher que ama estar em sua casa simples ao lado de sua” fogueira simples (não importa o calor do dia) e que aquece seu coração continuamente.
Eis Paulina Chiziane, escritora moçambicana, nascida em 4 de junho de 1955, na vila rural de Manjacaze, hoje, residente em Zambézia. Eis a primeira mulher africana, 66 anos, a conquistar o Prêmio Camões, instituído, ano 1988, pelos Governos de Portugal e do Brasil, destinado aos autores que contribuem ou contribuíram com o patrimônio literário e cultural da Língua Portuguesa.
Os 100 mil euros de recompensa parecem, na entrevista-surpresa e a primeira a ser por ela concedida a uma emissora televisiva, estar aquém da alegria maior de prosseguir lutando pelo seu continente, seu país e seus compatriotas. Aliás, como fêmea alfa em busca de uma vida melhor para a mulher como protagonista de sua própria história, atuou politicamente durante a luta pela independência e na Guerra Civil de sua nação. Após a pacificação, aliou-se ao Núcleo das Associações Femininas da Zambézia.No caso, o júri, constituído por seis intelectuais de renome, brasileiros, portugueses e representantes de países africanos de língua oficial portuguesa, admitem unanimemente o valor acadêmico e social da obra de Chiziane, que enfatiza a problemática da mulher africana e moçambicana, sempre com a preocupação de alcançar toda sua gente.
Em toda sua simplicidade de camponesa, embora tenha estreado com contos na imprensa moçambicana, nos anos 80, Paulina figura como a primeira mulher a publicar um romance em seu país, a obra “Balada de amor ao vento”, em 1990. No entanto, seu livro de maior repercussão, 2001, editado no Brasil posteriormente pela Companhia das Letras, é “Niketche: uma história de poligamia”, que traz à tona a história de mulheres que se descobrem traídas e, num gesto para lá de silencioso, buscam as amantes ou amadas, não necessariamente para um confronto, mas, talvez, para um diálogo de descobertas e surpresas em torno de seu homem, até então vilmente desconhecido.
Ainda em território brasileiro, a Dublinense lançou a tradução de “O alegre canto da perdiz”, em 2018, e, mais uma vez, a tônica recai na situação precária das negras em Moçambique. É impressionante sua força de mulher empoderada (plena de consciência social) quando ela diz literalmente: “Mesmo quando escrevo na primeira pessoa [do singular], estou acrescentando a voz coletiva”. E confirmando nosso parágrafo inicial, ela diz: “Temos a impressão de que as mulheres sofrem mais. Porém, num país pobre, tanto homens quanto mulheres sofrem, jovens ou não [...]”.
Ainda sobre o Prêmio, mero adendo: em 2019, Chico Buarque foi anunciado vencedor do Prêmio Camões por sua vasta produção, mas a quem o Presidente Jair Messias Bolsonaro se negou a assinar o diploma da condecoração. Como resposta imediata, o compositor acrescentou: “A não assinatura de Bolsonaro no diploma é para mim um segundo prêmio Camões”!
Por fim, um único remate! O empoderamento, antes de ser um efeito midiático, é um estado d’alma e o pensamento dia e noite ou noite e dia voltado ao bem-estar do outro!
Maria das Graças Targino é jornalista e pós-doutora em jornalismo pela Universidad de Salamanca / Instituto Interuniversitario de Iberoamérica.
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