Setembro amarelo: suicídio e solidão
O Brasil ocupa a oitava posição dentre as nações com maior incidência de suicídios"A depressão é um tipo de hemorragia interna. Só que o que sangra é a alma."
- Ana Macarini
Em nome da saúde mental em suas diferentes facetas, fitinhas coloridas postas em peças do vestuário de homens e mulheres de quaisquer idades e classes sociais, passam a simbolizar, pouco a pouco, os cuidados com a saúde em cada mês específico. Tudo começou, quando, em 1990, ativistas contra a AIDS, espalharam fitinhas vermelhas representando suas lutas. Desde então, os laços de fitas da consciência, como são eles chamados, ganharam cores e meses de referência para reforçar mensagens sobre o controle de diferentes doenças e da promoção de uma vida saudável.
Há meses que ganham mais de uma cor. Por exemplo, se janeiro branco é o mês da saúde mental, o fevereiro roxo remete a doenças variadas, como lúpus, fibromialgia e Mal de Alzheimer e o fevereiro laranja relembra as consequências da leucemia. Assim vai... Segue até dezembro, cuja cores, vermelho e laranja, tratam, respectivamente, da prevenção da AIDS e do câncer de pele. Há, pois, um discurso em torno dos diferentes meses com suas cores impregnadas em diferentes ambientes, distantes (ou não) de qualquer atmosfera hospitalar. Há um discurso límpido e respeitoso, sem arestas ou resquícios.
Em oposição, quando chega o setembro amarelo, mês de luta contra o suicídio, há um pudor injustificado e, ao mesmo tempo, descarado. São reincidentes as controvérsias sobre a temática – suicídio – exposta na mídia, seja em qual for o formato: impresso, radiofônico, televisivo, digital, eletrônico... Há tendência para cultuar o silêncio. Proíbe-se o direito de se falar sobre a problemática do suicídio e dos suicidas. Porém, a realidade é inabalável. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), Genebra, o suicídio continua sendo uma das principais causas de morte em todo o mundo, como dados do relatório Suicide worldwide in 2019 (17 de junho de 2021) expõem.
Todos os anos, mais pessoas morrem como resultado de suicídio do que HIV, malária ou câncer de mama ou, por incrível que pareça, guerras e homicídios, atingindo, sobremaneira, jovens, mas também, adultos e velhos. O Brasil ocupa a oitava posição dentre as nações com maior incidência de suicídios, aquém de Índia, China, Estados Unidos, Rússia, Japão, Coreia do Sul e Paquistão. Se é vil expor a motivação do suicida, os restos mortais encontrados e os detalhes de seu gesto, é também desumano criar histórias fantasiosas que levaram aquele ser humano a tirar sua própria vida, não importa se o fato envolve celebridades ou, no mínimo, pessoas públicas. Ninguém em sã consciência decide partir aos céus por sua vontade. Ninguém planeja essa viagem infinda sem profundo mergulho na dor. O que se passa é que os suicidas morrem a cada dia, e, com frequência, ao seu lado. São as pessoas a quem não se abraça mais, a quem não se cuida mais, a quem não se ouve mais, a quem não se ama mais.
Tornamo-nos mais e mais silenciosos. As paredes das casas solitárias teimam em não aprender a falar. Às vezes, o adolescente ou o velho solitário teme, até mesmo, que sua voz tenha silenciado para sempre. Faz medo tentar e ela não estar mais ali. É muito mais comum do que os encarregados de distribuir fitinhas amarelas sabem, que, sobretudo, aos velhos, salvo honrosas exceções, se nega, por inanição, o direito de participar de uma conversa em família. Tudo soa ultrapassado e vencido pelas teias do tempo. Há velhos que confessam seu anseio em se fazer ouvir. Quando externam seu pensamento, a resposta, quase sempre, é o silêncio ou o deboche. Ninguém os olha. E quando os olha, não os vê. Se, por acaso, o interlocutor balbucia uma resposta qualquer, seu olhar segue distante e indiferente. Por tudo isto, digo em alto e bom som: esconder o suicídio como se não fora uma chaga da sociedade contemporânea com seus avanços e suas inovações é negar nosso egoísmo e trapacear. Detesto estas campanhas. Campanhas sob o comando de órgãos públicos ou filantrópicos ou assistenciais, ou seja, o nome que você eleja para tal, costumam celebrar o 10 de setembro, com poemas-clichês, com lembretes-clichês, com frases e imagens-clichês. Corações deprimidos. Almas em pranto. Covardia para recomeçar. Força para suportar a traição dos antes amigos. Nada disto demanda ipês amarelos ou belos girassóis se abrindo para os céus. Na verdade, aqui, reconheço, ser preciso enaltecer a beleza do girassol ou da “flor do sol”. Por força da natureza, os girassóis estão sempre em busca da luz da bela estrela central do sistema solar. Nos dias cinzentos, quando o sol brinca de se esconder, eles se viram uns para os outros em busca de força mútua. Nem ficam murchos nem baixam sua parte central ou sua “cabeça”.
Os combalidos pela solidão, pela dolorosa falta de um abraço de verdade, pelo olhar ausente e pela desatenção carecem muito mais do que uma fitinha amarela jogada no lixo na primeira oportunidade. Como os girassóis se apoiam uns nos outros, numa mágica lição da natureza, é preciso lembrar aos propensos suicidas que se não há mais sol em suas vidas, é preciso se apoiar uns nos outros, e mais do que isto, insistir nesse pedido de socorro, antes que a solidão torne-se insuportável e mortal! Não importa o dia! Não importa o mês! Afinal, os suicidas necessitam, sim, de amor. Em setembro ou dezembro. Em março ou abril. Só amor. Nada mais do que amor. Alguém que os olhe e os veja em sua carência imensa de afeto e até um pouquinho de dengo, que, aliás, não faz mal a ninguém!!!
*Maria das Graças Targino é jornalista e pós-doutora em jornalismo pela Universidad de Salamanca / Instituto de Iberoamérica, [email protected]
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