Revisão geral anual não é norma em papel escrito; por Luiz Eduardo

Quanto ao aumento da jornada de trabalho do servidor por ato normativo, não há ilegalidade, pois não se tem direito adquirido quanto ao regime estatutário inicial

A Constituição Federal no seu artigo 37, inciso XV, aduz que os subsídios e os vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos são irredutíveis, porém estabelece ressalvas quanto ao teto da remuneração e quanto aos acréscimos pecuniários.

Foto: Foto cedida para o JTNEWSLuís Eduardo de Araújo Sousa é policial penal no Estado do Piauí, Bacharel em Direito e advogado licenciado
Luís Eduardo de Araújo Sousa é policial penal no Estado do Piauí, Bacharel em Direito e advogado licenciado

O princípio da irredutibilidade dos vencimentos é a vedação da supressão do valor nominal ou global dos ocupantes de cargos e empregos públicos, o qual formam a remuneração do servidor, consistindo esta, em vencimentos básicos mais as parcelas incorporadas.

Porém, deve-se fazer ressalvas, pois as parcelas ou vantagens de cunho meramente pessoais (como as de caráter indenizatório), específicas ou transitórias não são abraçados pelo referido princípio.

Assim, por meio de lei, poderá alterar o regime de vencimentos e vantagens dos servidores, desde que mantenham o valor nominal (remuneração total) que anteriormente ganhavam.

Nessa diapasão caminha STF, de acordo com o excerto do Ministro Lewandowski:

“Não há direito adquirido do servidor público a regime jurídico pertinente à composição dos vencimentos, desde que a eventual modificação introduzida por ato legislativo superveniente preserve o montante global da remuneração e, em consequência, não provoque decesso de caráter pecuniário (...) (STF. 2ª Turma. ARE 772833 AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 11/02/2014).”

Insta-se mencionar que o servidor não tem direito adquirido a manter as mesmas condições do regime jurídico ao qual ingressou, porém essas mudanças, com base no princípio da irredutibilidade dos vencimentos, não podem atingir a remuneração do servidor, preservando, assim, seus estipêndios.

CAVALCANTE, Márcio André – DIZERODIREITO- Trouxe um caso concreto de um servidor público que teve por ato normativo sua jornada de trabalho aumentada de 20 horas para 40 horas semanais, sem no entanto haver o respectivo acréscimo da remuneração.

Quanto ao aumento da jornada de trabalho do servidor por ato normativo, não há ilegalidade, pois não se tem direito adquirido quanto ao regime estatutário inicial. Porém, essas mudança deve vir acompanhada do respectivo aumento salarial proporcional, pois para o Supremo houve redução no valor da hora de serviço dos trabalhadores, violando o princípio da irredutibilidade dos vencimentos.

O princípio da irredutibilidade dos vencimentos deve ser interpretado em consonância ao inciso X do mesmo art. 37, que contém a seguinte exegese:

 “À remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices;”  

Tatiana Batista e Edém Nápoli (material constitucional CPIURIS, pág.52) aduz que:

“A teoria brasileira da aplicabilidade das normas constitucionais tem um pressuposto de que todas as normas constitucionais são dotadas de aplicabilidade. Consiste na ideia de que norma constitucional não é um “conselho”, um pedido; norma constitucional é um comando que vincula condutas, rege o Estado e a sociedade. Para José Afonso da Silva, todas as normas constitucionais pelo simples fato de o serem são dotadas de aplicabilidade.”

Revisão geral de remuneração dos servidores públicos garante a recomposição da perda de seu poder aquisitivo aos longo dos anos corroídos pela inflação.

Dado sua importância, por isso sua aplicabilidade no mundo jurídico. Ao ser criada tem um propósito, uma finalidade, “não podendo ser apenas algo escrito em um folha de papel”.

Foi implantada dentro de todo um arcabouço jurídico administrativo constitucional do servidor público, visando que seu salário mantenha seu padrão de vida diante do poderio corrosivo inflacionário.

Quando violado, traz consequência fáticas drásticas, como se observa no âmbito do Estado do Piauí na classe dos Policiais Penais.

Estes tiveram reajuste salarial de 2015 a 2017, não se realizando até a presente data. Segundo site do GP1, baseado no setor de Gestão de Pessoas da Secretaria do Piauí (Sejus):

 “A remuneração dos agentes penitenciários do Estado aumentou em cerca de 50%, nos últimos três anos. Segundo informações do órgão, em 2015 um agente penitenciário de classe especial ganhava R$ 5.666,92. Em 2016, esse valor foi reajustado para R$ 6.959,60. Já em 2017, houve novo aumento, dessa vez para R$ 8.426,90.”

De 2017 a junho de 2021, o salário do policial penal permaneceu congelado, enquanto o Brasil passou por um grande aumento do seu Custo de Vida e da inflação.

O Custo de Vida, segundo o IBGE no seu Livro “Para compreender o INPC :um texto simplificado”, consiste em: “no total das despesas efetuadas para manter certo padrão de vida.”

Assim, segundo esse mesmo livro, “é possível caracterizar o padrão de vida de uma pessoa pela quantidade de bens e serviços pela quantidade de bens e serviços que ela consome.”

Foto: Foto cedida ao JTNEWSLuís Eduardo de Araújo Sousa em frente ao Fórum Cível e Criminal Desembargador Joaquim de Souza Neto
Luís Eduardo de Araújo Sousa em frente ao Fórum Cível e Criminal Desembargador Joaquim de Souza Neto

Fazendo um singelo raciocínio de como a inflação atua: de 2017 a 2021 o salário do policial penal permaneceu o mesmo, enquanto a inflação encareceu os preços de todos os produtos, ou seja, a quantidade de bens e serviços que comprava em 2017 já não dar para comprar em 2021, pois houve diminuição do poder de compra do servidor, uma redução drástica do seu padrão de vida.

Então, segundo o IBGE, “índice de custo de vida de uma pessoa mede a variação percentual que o seu salário deve sofrer de modo a permitir que ela mantenha o mesmo padrão de vida.”

O Índice de Preços ao Consumidor – IPC, segundo este mesmo livro, trabalha com esse aumento de percentual do custo de vida.

De acordo com o site dicionário financeiro, O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo “mede a variações dos preços dos produtos e serviços para o consumidor final”, considerado como “principal indicador para taxa de inflação do Brasil”.

Dentro do IPCA encontram-se as despesas das famílias com até 40 salários mínimos, abrangendo principalmente, segundo o site, os seguimentos das atividades de: alimentação e bebidas, transporte, habitação, saúde e cuidados pessoais, despesas pessoais, vestuários, comunicação, artigos de residência, educação.

IPCA de 2017 a 2019 em sequência: 2, 95%; 3, 75%; 4, 31%. Em 2020 fechou dezembro com 4, 52%. Conforme site do IBGE, o IPCA acumulado de 12 meses de maio/2021 maio está em 8, 06%.

Segundo site do SINPOJUSPI: “Os períodos e índices de IPCA são os seguintes: 2015 (10,67%), 2018 (3,75%), 2019 (4,31%) e 2020 (4,52%), totalizando 23,25% de inflação acumulada”

Ainda existem vários outros índices, conforme site do IBGE, como IPCA-15, IPCA-E, IPP, SINAPI e outros de outras instituições.

Diante de todo fundamento constitucional e fático, constata-se que a policial penal faz jus ao reajuste salarial, principalmente ao poder de corrosão inflacionário, necessitando, assim, garantir essa prerrogativa por meio de lei. Menciona-se que remuneração é questão de direito de dignidade humanitária e segundo a teoria da aplicabilidade das normas constitucionais todas as suas normas possuem empregos, não sendo um mero “conselho” ou “papel escrito”.

Outros artigos publicados por Luís Eduardo de Araújo: A importância da Emenda Constitucional da Polícia Penal do Piauí.

* Luís Eduardo de Araújo Sousa é policial penal no Estado do Piauí, Bacharel em Direito e advogado licenciado.

Referências 

CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Impossibilidade de ampliação de jornada de trabalho sem alteração da remuneração do servidor. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/076a0c97d09cf1a0ec3e19c7f2529f2b>. Acesso em: 24/03/2021     

Rogério Tadeu Romano: A IRREDUTIBILIDADE DE VENCIMENTOS DO SERVIDOR E O DIREITO ADQUIRIDO: https://rogeriotadeuromano.jusbrasil.com.br/artigos/823022429/a-irredutibilidade-de-vencimentos-do-servidor-e-o-direito-adquirido   

Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário do Estado do Ceará:40 horas: ministro nega aumento de carga horária sem aumento de salários :https://sinspojuce.jusbrasil.com.br/noticias/2343247/40-horas-ministro-nega-aumento-de-carga-horaria-sem-aumento-de-salarios

Luiz Feernando Valdão Nogueira, procurador do Município de Belo Horizonte, disponível: Bruna Aguiar: A supressão de vantagens pessoais concedidas aos servidores públicos: https://brunaaaguiar.jusbrasil.com.br/artigos/151009444/a-supressao-de-vantagens-pessoais-concedidas-aos-servidores-publicos

Luiz Fernando Valladão Nogueira* e Fernando Gualberto Scalioni *: A supressão de vantagens pessoais concedidas aos servidores públicos: https://daniloborgescouto.jusbrasil.com.br/artigos/192058944/a-supressao-de-vantagens-pessoais-concedidas-aos-servidores-publicos

https://tj-pe.jusbrasil.com.br/noticias/100453664/municipio-nao-pode-aumentar-carga-horaria-de-servidores-sem-acrescimo-remuneratorio

Tatiana Batista e Edém Nápoli (material constitucional carreira jurídica CPIURIS, pág.52)

https://www.gp1.com.br/piaui/noticia/2017/3/14/salario-de-agentes-penitenciarios-do-piaui-aumenta-50-em-3-anos-410801.html

Para compreender o INPC: um texto simplificado / IBGE, Coordenação de Índices de Preços. - 7. ed. - Rio de Janeiro : IBGE, 2016. 62 p.

https://www.ibge.gov.br/explica/inflacao.php

https://www.dicionariofinanceiro.com/ipca/

https://sinpoljuspi.com.br/sindicatos-das-forcas-de-seguranca-publica-do-piaui-cobram-governo-do-estado-por-reposicao-inflacionaria/

Fonte: JTNEWS

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