Guerra permanente de Bolsonaro não acaba com troca nos comandos militares
Após mudanças nos comandos das Forças Armadas – Marinha, Exército e Aeronáutica –, conflitos protagonizados pelo presidente Bolsonaro devem ter continuidadeDurante anos (mais precisamente desde 1999) as colunas de Contardo Calligaris eram leitura obrigatória na Folha de S. Paulo. Poucos, como ele, conseguiam aliar erudição com clareza, embasamento teórico e afinação com o espírito do tempo em um mesmo artigo ensaístico. Tudo sem tropeçar no pedantismo pedestre que tantas vezes mais confunde do que ilumina. Fará muita falta. Já faz.

Nesta quinta-feira (1/04), quando o jornal que escreveu por mais de 20 anos publicou um desenho e um espaço em branco em sua homenagem, imaginei o que teria o psicanalista a dizer sobre os últimos fatos da semana, quando a palavra golpe voltou a rondar o noticiário não como exercício de memória, mas como dissolução do futuro representada por Jair Bolsonaro e companhia.
Na ordem do dia estava a troca do comando militar e a maior crise de um governo e suas Forças Armadas desde 1977, temperada pela nota do novo ministro da Defesa segundo quem o golpe militar, aniversariante do dia, deve ser celebrado, sim.
Inútil, o exercício para compreender os gestos e escolhas do presidente que não fala com a imprensa porque se nega a prestar conta de seus atos se resume a um campo de suposições. Dias atrás, Bolsonaro teria se irritado com um general que falou sobre a terceira onda da COVID-19 em uma entrevista. A irritação foi o estopim para trocar o comando das Forças Armadas por homens mais alinhados a ele tanto na guerra interna contra prefeitos e governadores como na ofensiva delirante do negacionismo.
Neste sentido, chegava a ser inaceitável, uma quebra mesmo de hierarquia, falar sobre terceira onda enquanto o presidente se nega a reconhecer os estragos da primeira, aquela que mataria menos do que uma gripe comum, como previa Osmar Terra, guru do terraplanismo sanitário que seguia impune na agenda oficial do capitão.
Uma vez entregues as cabeças dos comandantes, em suposta oposição à interferência do capitão, foi o autor da tal entrevista, general Paulo Sergio Nogueira, o escolhido para comandar o novo Exército. Seria uma resposta à altura ao truco do presidente? Um desaforo a que se viu obrigado a engolir? Ou o militar escolhido será só um empecilho a menos para os delírios persecutórios do comandante-em-chefe?
Os próximos passos é que vão dizer.
Antes, o novo ministro da Defesa, Braga Netto, já deu a régua e o compasso em sua estreia no novo posto, quando fez questão de registrar em nota que o 31 de março, data do golpe militar de 1964 que impediu que os brasileiros votassem durante 21 anos, era dia de festa.

Com 320 mil vidas perdidas para a COVID, hospitais em colapso, revisão de metas da vacinação para abril e 14,2% da população sem emprego, o desafio do dia era desbaratar o revisionismo em curso que começa nas notas agora oficiais e se espalha pelas cabeças lobotomizadas das tias e tios de WhatsApp.
O que diria o psicanalista Contardo Calligaris sobre esta terra de ninguém? Volto à sua última coluna, escrita em 18 de fevereiro. Disparada há mais de um mês, a bala diagnóstica acertou o peito de quem tropeçou nas notícias do dia e não encontrou no emaranhado qualquer fio para se levantar.
O artigo falava sobre como foi bem-sucedido o showbusiness promovido por Donald Trump em sua passagem pela Casa Branca. Como nos EUA da era Trump, estamos hoje a reboque dos caprichos individuais de um homem que manipula como poucos nossos comportamentos ansiógenos via redes sociais.
A motivação aparente tanto de Trump quanto de seu pastiche brasileiro é deixar o eleitor em necessidade urgente de uma consulta psiquiátrica. Diante do desaforo, as pessoas repercutem, comentam, fazem memes, contatam amigos para entender a razão do que não tem razão aparente — arrumar uma crise militar no auge de uma crise sanitária, por exemplo?
Sobre isso Contardo diria (e disse): pode faltar tudo nesse modo de governar, menos assunto. Trump podia aterrorizar por suas idiotices, mas não entediava ninguém. E existe uma relação entre não entediar como estratégia política e o fato de haver no centro da cena pública não as ideias, mas a solidão brutal de quem acorda 3h em paranoia e repensa o mundo enquanto toma um sorvete.
Em sua última coluna, Contardo foi no ponto ao dizer que preferimos o enfrentamento entre “personagens” a um debate de ideias. E que o problema com a política dos personagens é que eles se interessam muito mais pelo assassinato do que pelas discussões, pelo golpe de Estado do que pelo debate eleitoral. É o que já apontava em 1964 (sim, 1964) Douglas Hofstadter ao falar sobre o “estilo paranoide na política”. Não só a americana, frisou Contardo.
Em suas últimas palavras, o autor lembrou que, de fato, a política se orientou mais para matar do que para convencer desde então. A fila de vítimas é extensa, de John Kennedy a Martin Luther King — e aqui em símbolos como Vladimir Herzog.
No diagnóstico está uma chave para compreender o completo desastre dos homens treinados para a guerra em sua missão de salvar vidas. O morticínio da COVID-19 e outras pragas é o que nos acontece enquanto estamos ocupados discutindo com negacionistas da História e das recomendações sanitárias.
Sem nossa consulta semanal, hoje um espaço vazio no caderno Ilustrada, ficou mais difícil visualizar o contorno do que só à distância parece óbvio.
Fonte: JTNEWS com informações do Yahoo Notícias
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