Paulo Silva, ex-deputado federal [constituinte 1987/1988] fala sobre a memória de Virgílio Távora

"Virgílio Távora era de fato um estadista. Um dos maiores brasileiros do seu tempo. Sua atuação ultrapassou em muito as fronteiras do prioritário Ceará".

A ideia do Eng. César Barreto Lima de resgatar em livro, a memória de Virgílio Távora, trás à baila uma verdade histórica: Virgílio Távora era de fato um estadista.  Um dos maiores brasileiros do seu tempo.  Sua atuação ultrapassou em muito as fronteiras do prioritário Ceará.  O nordeste inteiro em algum momento de seu processo de desenvolvimento deve à defesa intransigente de Virgílio Távora. 

Foto: Jacinto Teles | JTNEWSPaulo de Tarso Tavares Silva, mais conhecido como Paulo Silva, atuou como deputado federal durante a Assembleia Constituinte de 1987 e 1988.
Paulo de Tarso Tavares Silva, mais conhecido como Paulo Silva, atuou como deputado federal durante a Assembleia Constituinte de 1987 e 1988.

Sua capacidade de articulação, e conhecimento da geopolítica, garantiram no parlamento, grandes avanços institucionais. 

Um homem de Estado Maior. Não lhe sentava a carapuça de coronel de patente comprada, descrita em prosa e verso, para definir chefetes políticos poderosos do sertão nordestino.  Era sim um Coronel na política. Grande oficial do Exército Brasileiro, condecorado pelo Presidente da República com a espada de honra, como o mais brilhante  da escola militar. 

Destacou-se por feitos próprios, sem depender dos parentes famosos, generais e marechais, heróis nacionais com sobrenome dos Távora. A primeira vez que ouvi falar no nome de Virgílio, devia ter uns cinco anos de idade. Em um tempo que criança não se metia em conversa de adulto. Mas eventualmente ouvia, e formava seu juízo de valor. Geralmente de pouco juízo.

Na varanda da casa da família, na Ilha de Santa Isabel em Parnaíba, meu pai e os irmãos comentavam sobre a candidatura de Virgílio Távora a Governador do Ceará. Jovem Deputado Federal casado com uma prima irmã deles, Luíza.

Na conversa meu pai destacava as qualidades dele que mais tarde constatei: “Se Virgílio ganhar a eleição, vai fazer uma revolução no Ceará. É um engenheiro brilhante, inteligente e muito corajoso”. Continuou relatando um episódio que testemunhara na cidade mineira de Itajubá, onde o destino fez com que conhecesse Virgílio, muitos anos antes de vir trabalhar com ele no Ceará. 

Tendo partido ainda muito jovem de Parnaíba, de navio com destino ao Rio de Janeiro para estudar engenharia, meu pai, conhecera um grande mestre da escola, doutor em matemática,que embarcara com a família no Recife.  Ao fazer amizade com um dos filhos que tinha sua idade, logo foi convidado pela família para fazer as refeições na mesma mesa. 

O grande mestre era Alberto Cardoso que havia sido convidado pelo Presidente Wenceslau Braz para compor o quadro de professores, juntamente com outros notáveis da engenharia, incluindo alemães e russos, para a Faculdade de Engenharia de Itajubá recém-criada por ele.

Encantado com os relatos do professor sobre os laboratórios e ensino, meu pai decidiu trocar o Rio de Janeiro, pela nova escola em Itajubá.  Já no final do curso, os jovens estudantes foram estimulados a fazer o CPOR, para contribuírem com o Exército Brasileiro, pois o país entrara com os aliados na Segunda Guerra Mundial.

Lá conheceu o jovem comandante do CPOR, Virgílio Távora. A afinidade foi imediata, pois Virgílio vinha desenvolvendo equipamentos para o Exército , incluindo veículos de transporte de canhões e pontes retráteis, utilizadas pelo Exército,e que lhe renderam várias condecorações.

Durante esse período, aconteceu um incidente que ficou famoso na cidade. Um agricultor estacionou a charrete na porta de uma loja, e desceu para pegar um material deixando o filho de cinco anos sentado nela.  Ao ouvir a buzina de um carro, o cavalo assustou-se e disparou rumo a um abismo. 

Com as pessoas gritando o cavalo corria mais ainda, levando a criança a um grande perigo. Vendo a cena, Virgílio pulou uma cerca, rolou por uma ladeira cortando a frente do cavalo, e saltando em seu pescoço. Foi por ele arrastado e pisoteado, mas fazendo-o parar antes de chegar ao abismo. 

Foto: César Barreto LimaRememorização: Capa do livro "Virgílio Távora, o estadista cearense", publicado por César Barreto Lima e Saulo Barreto Lima.
Rememorização: Capa do livro "Virgílio Távora, o estadista cearense", publicado por César Barreto Lima e Saulo Barreto Lima.

Sob os aplausos de quem assistiu a cena, com a clavícula quebrada e muitas escoriações na cabeça e no corpo, foi levado ao hospital.  No hospital, ainda em recuperação, recebeu a visita do Comandante Militar Regional, um Coronel gaúcho de 2m de altura, temido pela valentia, rudeza e mau humor.

Acompanhado de dois oficiais, entrou no quarto de Virgílio quase gritando: “Vim lhe trazer uma medalha por bravura, mas você merecia  uma cadeia por deixar o CPOR sem comandante”.  Virgílio respondeu no mesmo tom: “Coronel, o Exército Brasileiro precisa é de homem, não é de medalha não”. Os oficiais comentaram depois que poucos subalternos teriam coragem de falar com o Coronel naquele tom. Ouvindo essa conversa imaginei Virgílio parecido com seu tio Juarez Távora.  Alto e forte como na fotografia estampada na propaganda de candidato a Presidente da República.  

Eleito Governador, Virgílio convocou meu pai, o engenheiro Alberto Silva, então Diretor da Estrada de Ferro Central do Piauí, para uma missão quase impossível no Estado do Ceará.  Planejar e executar a eletrificação de todas as cidades do Estado, ainda no período de seu governo.  Aceitou o desafio e nos mudamos para Fortaleza.

Fomos para uma vila onde morava toda a família ,em Jacarecanga. Tia Esmerina, viúva do Dr. Luiz de Moraes Correa, vendera a casa onde moravam na Rua Francisco Sá para a União, onde passou a funcionar  a primeira sede do DNOCS.  Ficando com parte do terreno e construindo várias casas para os filhos.  De frente para a Praça do antigo Liceu do Ceará, morava Branca, casada com Raimundo Santiago, ela própria na casa do meio e na outra casa Milton de Moraes Correa.

Na parte de trás, de frente para a vila, meu pai ocupava com a família a primeira casa, na segunda morava Cristina casada com o médico Livino Pinheiro, na terceira casa Nícia casada com Flávio Marcílio e na última Luíza, casada com Virgílio Távora, Governador eleito. Brincando com os primos perto à última casa, vi Virgílio pela primeira vez. E diferente do que imaginava, era baixo. 

No terraço de sua casa, estava na companhia de Alberto Silva, Flávio Marcílio, Alcimor Rocha, Moacir Aguiar e, creio que Marcelo Linhares.  Falava sobre plano de governo e da pressa que tinha para implanta-lo. Todos em total silêncio, com grande atenção para o que dizia. Percebi que sua liderança era exercida pelo carisma e autoridade moral.  

 Alberto Silva recebera de Virgílio a missão como uma ordem militar: “Doutorzinho o único com capacidade para executar esse plano é você. Tem carta branca, a confiança e total apoio do Governador. Não posso deixar a capital do meu Estado dependendo de petróleo importado, para ser usado na termoelétrica da CONEFOR. Tenho que trazer a energia de Paulo Afonso para cá. Também tenho que priorizar a energia elétrica de Sobral ,para fazer funcionar a fábrica de cimento que José Ermírio de Moraes quer trazer para o Ceará”.

Lembro-me da inquietação permanente de Alberto Silva, para executar a missão.  Com carta branca conseguiu em Sobral o grupo gerador da antiga fábrica de tecido e fez funcionar uma pequena hidroelétrica no Açude Araras, montando uma linha radial e produzindo energia suficiente para a fábrica de cimento, para toda a cidade de Sobral e cidades vizinhas. 

Na inauguração o Senador José Ermírio de Moraes disse para o Governador Virgílio Távora que seu governo era o mais confiável de todo o nordeste, pois entregara o prometido com a metade do prazo combinado.  Virgílio respondeu apontando para Alberto Silva: “Graças à capacidade de trabalho desse Doutorzinho magrelo”. Na verdade, graças à determinação do Governador Virgílio Távora para desenvolver seu Estado.

Daí para frente tive a grata satisfação de conviver  muitos anos com VT.  Cesar Barreto, o autor do livro também. Seu pai, o Deputado Federal Cezário Barreto, era grande amigo de Virgílio e estavam sempre juntos. Em Brasília, em sua casa conhecida como “Mansão Ceará” Virgílio Távora reunia sempre, para o almoço de domingo, grandes lideranças nacionais. Parlamentares, Ministros, Generais e até Presidentes da República. 

Desses encontros saíram muitas decisões importantes, demonstrando o seu prestígio e sua capacidade de articulação.  Presenciei um último ato de grandeza, coragem e determinação, em defesa do Ceará e do Nordeste, durante o processo da Assembleia Nacional Constituinte.

Doente, com deslocamentos frequentes a São Paulo,para tratamento de um câncer , foi o mais importante guardião dos interesses do Nordeste, pois era quem tinha autoridade para fazê-lo.  Presenciei várias dessas reuniões, pois na época exercia o mandato de Deputado federal pelo Piauí, e era Vice-líder de Mário Covas. 

Testemunhei sua autoridade e firmeza até mesmo na última semana antes de ir a São Paulo e não mais voltar ao Parlamento. Virgílio reuniu na Mansão Ceará os Senadores Mário Covas, Fernando Henrique e José Richa.  Carlos Virgílio, seu filho, meu primo, cunhado e compadre, e eu, que éramos deputados, também estávamos presentes, mas não nos metemos na conversa.  Depois de quatro horas falando devagar, mas firme, pediu para servirem o almoço. 

Na saída o Senador Mário Covas, meu amigo e correligionário disse: “Teu parente é homem sério. Tem argumentos irrefutáveis. Precisamos levar em consideração o que ele diz, é um grande brasileiro”.

Fiquei feliz de ouvir isso.

Foi a última vez que vi com vida, o grande Estadista Virgílio Távora.

Fonte: JTNEWS com informações de Paulo Silva

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