Momento histórico no Direito de Família Brasileiro - por Amanda de Deus
Separação de bens em casamento de maiores de 70 anosPau que dá em Chico nem sempre dá em Francisco, pelo menos é o que se nota em relação a autonomia da vontade dos septuagenários, eles podem ser até presidentes da república mas não podem escolher o regime de casamento, afinal precisam ser protegidos dos algozes oportunistas, aquelas pessoas que querem sugar todo patrimônio dos pobres velhinhos. Mesmo porque sabemos que os “jovens” são pessoas super sensatas em suas escolhas amorosas, jovens de até 69 anos, frisa-se.
Antes que me venham com sete pedras na mão, saiba que a ironia é uma elegante saída para tentarmos expor nossa indignação em situações contraditórias da vida, aquelas sem nenhuma coerência. Se fosse o caso de terminar a conversa por aqui o recado já estaria dado, mas vou além.
Quando a gente fala em casamento automaticamente a pessoa pensa também no instituto da união estável, e se não pensou eu explico: união estável é quando duas pessoas possuem convivência pública, continua e duradoura com objetivo de constituir família, no tempo dos meus pais falavam “Beltrano é amigado com Sicrana”, ou seja, viviam sob o mesmo teto como família mas não tinham oficializado a união no cartório.
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Pois bem, tanto faz se vive em união estável ou se casou, se tem mais de 70 anos não tem o direito de escolher o destino dos bens, o artigo 1641, inciso II do Código Civil restringe essa possibilidade, a única norma cogente (com mandamento) do referido código, as demais são normas dispositivas, normas que respeitam a autonomia da vontade. E o que mais essa proibição implica além da divisão dos bens em uma possível separação? Implica também na herança, porque se a pessoa morre sem deixar testamento, a viúva ou viúvo não tem direito a nada, isso mesmo nadinha.
Existem outros meios para beneficiar aquele que ficou, no entanto, o cerne da questão não é esse, por mais que a pessoa possa dispor de 50% de todo seu patrimônio para quem quiser, em forma de doação por exemplo, ela não deve ser tolhida do direito de escolha quanto ao regime que pretende casar, ou mesmo estabelecer cláusulas no contrato de união estável.
Eis que surge em São Paulo um processo no qual a viúva que vivia em união estável por 12 anos com seu dignissímo companheiro, compromisso esse selado quando ele contava com mais de 70 anos, ela requereu que a fizessem constar no processo de inventário como herdeira, em primeira instância teve seu pedido julgado procedente, entretanto em segunda instância perdeu, houve recursos ao STJ e STF. STJ negado. E somente chegou ao STF por se tratar de questão com caráter constitucional: relevância social, jurídica e ecônomica.

No dia 18/10/2023, os ministros se reuniram (ARE 1309642), para ouvir as razões do recorrente, recorrido e aqueles que peticionaram para contribuir intelectualmente (os chamados “amicus curiae”). O recorrente (advogado da viúva) não solicitou sustentação oral, o recorrido fez a sustentação obviamente defendendo que a viúva não tem direito a herança, e os amigos da corte (“amicus curiae”) explanaram suas razões, a maioria contra a norma. O relator ministro Luís Roberto Barroso indagou ao advogado qual período de duração da união estável, fato interessante porque o oponente da viúva somente frisou o tempo que o falecido permaneceu casado com sua ex-mulher, mas em momento algum mencionou o período que o mesmo conviveu em união estável com a viúva.
Justamente na data do julgamento na suprema corte, o trâmite sofreu modificação, a partir daquela data o momento de decisão de casos relevantes fora dividido em duas etapas, a primeira para as sustentações orais das partes envolvidas e dos amigos da corte, e num momento posterior a ser marcado, os votos dos ministros.
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Com tudo isso, até a data da publicação desse texto a questão não havia sido resolvida. E você caro leitor, o que acha? Deve continuar como esta, ou seja, as pessoas que se casam com mais de 70 anos não podem escolher o regime de bens? Ou a autonomia da vontade e dignidade da pessoa humana devem ser respeitadas? A discrimação aos idosos deve permanecer?
Minha opinião sobre o tema é clara, e cá entre nós penso que o relator ministro Barroso, fundamentará contra a norma do artigo 1641, inciso II, do Código Civil, aguardemos as cenas do próximos capítulos, ou melhor, do próximo capítulo, afinal será nela que saberemos quais ministros seguiram ou não o relator.
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